O
texto abaixo é de autoria de Walcyr Carrasco.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.ebiografia.com/walcyr_carrasco/.
Boa
leitura!
CRÔNICA
DO DESEMPREGO
Ele
trabalhou a vida inteira em uma empresa. Subiu. Tornou-se diretor. Mas há
sempre uma crise pronta para detonar uma bomba. À medida que os anos passam,
surge um processo de “modernização” na empresa. Na prática, substituir os
velhos pelos novos. Ainda mais nos tempos de internet, em que o mais velho nem
sempre é tão bom no uso de tecnologia e redes sociais quanto o mais novo. Tem
mais: a crise de desemprego que assola o país. As empresas estão num processo
de enxugamento. Quem ficar, fica, mas trabalha três vezes mais. O diretor
todo-poderoso é o desempregado de amanhã. Só que ele sai, recebe uma grana e,
calmamente, tira férias com a família em algum lugar no exterior. Vai procurar
alguma coisa depois. Mantém o padrão de vida, alto. Acredita que, com sua
experiência, não tardarão a surgir ofertas.
Só
que não surgem.
Mesmo
os amigos, bem empregados ou donos de empresas, não têm notícia de vaga a sua
altura. Se aparece, com salário mais baixo e função menor, a partir de certo
momento de desespero ele está disposto a aceitar. Os possíveis empregadores
resolvem que não. Argumentam.
–
Você não vai se sentir confortável nesse cargo, muito abaixo de sua capacidade.
Os
meses passam, o dinheiro escoa. Há promessas feitas, tem de cumprir: o
intercâmbio da filha, em dólares; o jantar de aniversário num restaurante caro,
que ele paga. Enfim, o ex-poderoso resolve montar sua própria empresa. Em
geral, opta por algo que tenha a ver com seu estilo de vida e gosto pessoal.
Importação de vinhos, por exemplo. Há algo que sempre digo quando vejo alguém
nessa situação:
–
Agora a empresa é sua. Economize nos clipes!
Executivos
com longa carreira em empresa grande estão acostumados com estruturas macro.
Alugam um bom conjunto comercial. Decoram. Botam secretária. Criam uma estrutura
confortável, mas cara. Resultado: a empresa custa mais que fatura. O executivo
vai pondo dinheiro. As reservas se esgotam. Ah, bom. Tem aquele quadro comprado
na abundância. Leiloa-se. Dispensa-se o motorista. As idas a restaurante de
luxo diminuem ou acabam. Aí a empresa que montou vai por água abaixo. Fica sem
renda. A família ajuda aqui e ali, quando pode. Muitos, porém, vêm da classe
média, subiram por meio do estudo. E o pais têm menos que eles. Obviamente, há
níveis e níveis. Conheci um executivo de menor porte que, depois de dois anos
sem nada, montou com a mulher uma van de cachorro-quente. Também não deu certo.
Foram morar com a sogra. Numa das brigas – falta de dinheiro sempre dá briga –,
saiu de casa. Foi morar na rua. Depois, não soube mais dele. Outros têm mais
sorte. A mulher herdou alguma coisa, por exemplo. Um apartamento. Botam à
venda, perdem dinheiro no negócio. Enfim, conseguem um capitalzinho para
recomeçar.
Justamente
por isso, estão surgindo novos ramos de negócio. Já conheço dois casos em que a
opção foi montar uma loja de churrasco. Vendem tudo o que é necessário: a
carne, o sal grosso, o espeto. Hiperespecializada, mas funciona. As pessoas
gostam de fazer churrasco – e, se assim fica mais fácil, melhor. Também têm se
multiplicado as barbearias retrô. Já me convidaram para ser sócio de uma. São
barbearias onde ainda se faz o corte à navalha. Mas têm bebidas, música. Quase
uma festa. O cliente faz a barba, bebe e se diverte. Também surgiu uma onda de
lojas de bolos caseiros. São os bolos simples e baratos, como se fossem feitos
pela vovó (embora as vovós de hoje prefiram fazer plástica e não bolos). Há
redes grandes e pequenas. Têm aspecto artesanal. Já apareceram também as de
brigadeiros e pudins. Até em shopping há quiosque de pudim. Os desempregados
menos apegados a seu estilo de vida partem para uma alternativa dessas ou algo
na mesma linha.
Em
geral, porém, quando alguém, como o ex-diretor de quem eu falava, cai na real é
tarde demais para montar um negócio mais simples, mais prático. O dinheiro
acabou. A saída é o Uber. Em grandes centros, como São Paulo, há até fila para
ser motorista do Uber. As locadoras alugam veículos para isso. É uma atividade
em franca expansão, por oferecer um serviço diferenciado, frequentemente mais
barato que um táxi convencional. Confesso, já fiquei muito de mau humor em
táxis cujos motoristas nunca têm troco ou pegam caminho ruim. No Uber, não. O
valor é informado antes. Os motoristas são educados. Não se espante se amanhã
tomar um e der de cara com seu ex-patrão. A trajetória de alto executivo a
motorista de Uber tornou-se mais comum do que se pensa.
Walcir Carrasco aborda assuntos bem atuais em suas crônicas. Essa é ótima, gostei muito!
ResponderExcluirMuito bom..vamos de Uber rs
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