O
texto abaixo é de autoria de Lima Barreto.
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saber mais sobre o autor, favor acessar: https://www.ebiografia.com/lima_barreto/.
Boa
leitura!
QUASE
ELA DEU O “SIM, MAS...
João
Cazu era um moço suburbano, forte e saudável, mas pouco ativo e amigo do
trabalho.
Vivia
em casa dos tios, numa estação de subúrbios, onde tinha moradia, comida, roupa,
calçado e algum dinheiro que a sua bondosa tia e madrinha lhe dava para os
cigarros.
Ele,
porém, não os comprava; “filava-os” dos outros. “Refundia” os níqueis que lhe
dava a tia, para flores a dar às namoradas e comprar bilhetes de tômbolas, nos
vários “mafuás”, mais ou menos eclesiásticos, que há por aquelas redondezas.
O
conhecimento do seu hábito de “filar” cigarros aos camaradas e amigos, estava
tão espalhado que, mal um deles o via, logo tirava da algibeira um cigarro; e,
antes de saudá-lo, dizia:
—Toma
lá o cigarro, Cazu.
Vivia
assim muito bem, sem ambições nem tenções. A maior parte do dia, especialmente
a tarde, empregava ele, com outros companheiros, em dar loucos pontapés, numa
bola, tendo por arena um terreno baldio das vizinhanças da residência dele ou
melhor: dos seus tios e padrinhos.
Contudo,
ainda não estava satisfeito. Restava-lhe a grave preocupação de encontrar quem
lhe lavasse e engomasse a roupa, remendasse as calças e outras peças do
vestuário, cerzisse as meias, etc., etc.
Em
resumo: ele queria uma mulher, uma esposa, adaptável ao seu jeito descansado.
Tinha
visto falar em sujeitos que se casam com moças ricas e não precisam trabalhar;
em outros que esposam professoras e adquirem a meritória profissão de “maridos
da professora”; ele, porém, não aspirava a tanto.
Apesar
disso, não desanimou de descobrir uma mulher que lhe servisse convenientemente.
Continuou
a jogar displicentemente, o seu football vagabundo e a viver cheio de segurança
e abundância com os seus tios e padrinhos.
Certo
dia, passando pela porteira da casa de uma sua vizinha mais ou menos conhecida,
ela lhe pediu:
—
“Seu” Cazu, o senhor vai até à estação?
—
Vou, Dona Ermelinda.
—
Podia me fazer um favor?
—
Pois não.
—
É ver se o “Seu” Gustavo da padaria “Rosa de Ouro”, me pode ceder duas
estampilhas de seiscentos réis. Tenho que fazer um requerimento ao Tesouro,
sobre coisas do meu montepio, com urgência, precisava muito.
—
Não há dúvida, minha senhora.
Cazu,
dizendo isto, pensava de si para si: “É um bom partido. Tem montepio, é viúva;
o diabo são os filhos!”.
Dona
Ermelinda, à vista da resposta dele, disse:
—
Está aqui o dinheiro.
Conquanto
dissesse várias vezes que não precisava daquilo — o dinheiro — o impenitente
jogador de football e feliz hóspede dos tios, foi embolsando os nicolaus, por
causa das dúvidas.
Fez
o que tinha a fazer na estação, adquiriu as estampilhas e voltou para
entregá-las à viúva.
De
fato, Dona Ermelinda era viúva de um contínuo ou cousa parecida de uma
repartição pública. Viúva e com pouco mais de trinta anos, nada se falava da
sua reputação.
Tinha
uma filha e um filho que educava com grande desvelo e muito sacrifício.
Era
proprietária do pequeno chalet onde morava, em cujo quintal havia laranjeiras e
algumas outras árvores frutíferas.
Fora
o seu falecido marido que o adquirira com o produto de uma “sorte” na loteria;
e, se ela, com a morte do esposo, o salvara das garras de escrivães,
escreventes, meirinhos, solicitadores e advogados “mambembes”, devia-o à
precaução do marido que comprara a casa, em nome dela.
Assim
mesmo, tinha sido preciso a intervenção do seu compadre, o Capitão
Hermenegildo, a fim de remover os obstáculos que certos “águias” começavam a
pôr, para impedir que ela entrasse em plena posse do imóvel e abocanhar-lhe
afinal o seu chalézito humilde.
De
volta, Cazu bateu à porta da viúva que trabalhava no interior, com cujo
rendimento ela conseguia aumentar de muito o módico, senão irrisório montepio,
de modo a conseguir fazer face às despesas mensais com ela e os filhos.
Percebendo
a pobre viúva que era o Cazu, sem se levantar da máquina, gritou:
—
Entre, “Seu” Cazu.
Estava
só, os filhos ainda não tinham vindo do colégio. Cazu entrou.
Após
entregar as estampilhas, quis o rapaz retirar-se; mas foi obstado por Ermelinda
nestes termos:
—
Espere um pouco, “Seu” Cazu. Vamos tomar café.
Ele
aceitou e, embora, ambos se serviram da infusão da “preciosa rubiácea”, como se
diz no estilo “valorização”.
A
viúva, tomando café, acompanhado com pão e manteiga, pôs-se a olhar o
companheiro com certo interesse. Ele notou e fez-se amável e galante, demorando
em esvaziar a xícara. A viuvinha sorria interiormente de contentamento. Cazu
pensou com os seus botões: “Está aí um bom partido: casa própria, montepio,
renda das costuras; e além de tudo, há de lavar-me e consertar a roupa. Se
calhou, fico livre das censuras da tia…”
Essa
vaga tenção ganhou mais corpo, quando a viúva, olhando-lhe a camisa, perguntou:
—
“Seu ” Cazu, se eu lhe disser uma cousa, o senhor fica zangado?
—
Ora, qual, Dona Ermelinda?
—
Bem. A sua camisa está rasgada no peito. O senhor traz “ela” amanhã, que eu
conserto “ela”.
Cazu
respondeu que era preciso lavá-la primeiro; mas a viúva prontificou-se em fazer
isso também. O player dos pontapés, fingindo relutância no começo, aceitou
afinal; e doido por isso estava ele, pois era uma ” entrada”, para obter uma
lavadeira em condições favoráveis.
Dito
e feito: daí em diante, com jeito e manha, ele conseguiu que a viúva se fizesse
a sua lavadeira bem em conta.
Cazu,
após tal conquista, redobrou de atividade no football, abandonou os biscates e
não dava um passo, para obter emprego. Que é que ele queria mais? Tinha tudo…
Na
redondeza, passavam como noivos; mas não eram, nem mesmo namorados declarados.
Havia
entre ambos, unicamente um “namoro de caboclo”, com o que Cazu ganhou uma
lavadeira, sem nenhuma exigência monetária e cultivava-o carinhosamente.
Um
belo dia, após ano e pouco de tal namoro, houve um casamento na casa dos tios
do diligente jogador de football. Ele, à vista da cerimônia e da festa, pensou:
“Porque também eu não me caso? Porque eu não peço Ermelinda em casamento? Ela
aceita, por certo; e eu…”
Matutou
domingo, pois o casamento tinha sido no sábado; refletiu segunda e, na terça,
cheio de coragem, chegou-se à Ermelinda e pediu-a em casamento.
—
É grave isto, Cazu. Olhe que sou viúva e com dois filhos!
—
Tratava “eles” bem; eu juro!
—
Está bem. Sexta-feira, você vem cedo, para almoçar comigo e eu dou a resposta.
Assim
foi feito. Cazu chegou cedo e os dous estiveram a conversar. Ela, com toda a
naturalidade, e ele, cheio de ansiedade e, apreensivo.
Num
dado momento, Ermelinda foi até à gaveta de um móvel e tirou de lá um papel.
—
Cazu — disse ela, tendo o papel na mão — você vai à venda e à quitanda e compra
o que está aqui nesta “nota”. É para o almoço.
Cazu
agarrou trêmulo o papelucho e pôs-se a ler o seguinte:
1
quilo de feijão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .600 rs.
1/2
de farinha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
1/2
de bacalhau. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .1.200 rs.
1/2
de batatas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360 rs.
Cebolas.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
Alhos.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .100 rs.
Azeite.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300 rs.
Sal.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 rs.
Vinagre.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.260 rs.
Quitanda:
Carvão.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . …280 rs.
Couve.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ….200 rs.
Salsa.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . …100 rs.
Cebolinha.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ……100 rs.
Tudo:
. . . . . . . . . . . …………………………3.860 rs.
Acabada
a leitura, Cazu não se levantou logo da cadeira; e, com a lista na mão, a olhar
de um lado a outro, parecia atordoado, estuporado.
—
Anda Cazu, fez a viúva. Assim, demorando, o almoço fica tarde…
—
É que…
—
Que há?
—
Não tenho dinheiro.
—
Mas você não quer casar comigo? É mostrar atividade meu filho! Dê os seus
passos… Vá! Um chefe de família não se atrapalha… É agir!
João
Cazu, tendo a lista de gêneros na mão, ergueu-se da cadeira, saiu e não mais
voltou…
Gostei muito do conto, amei o final! Dona Ermelinda não era boba rsrs.
ResponderExcluirEsperta ela kkkkkkk muito bom.
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