O
texto abaixo é da autoria de Stanislaw Ponte Preta.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://www.releituras.com/spontepreta_bio.asp.
Boa
leitura!
CARTÃOZINHO
DE NATAL
Até
que eu não sou de reclamar, puxa! Taí, se há alguém que não é de reclamar, sou
eu. Pago sempre e não bufo. Claro que procuro me defender da melhor maneira
possível, isto é, chateando o patrão, cobrando cada vez mais, buscando o
impossível — como diz Tia Zulmira —, ou seja, equilíbrio orçamentário. Se o
Banco do Brasil não tem equilíbrio orçamentário, eu é que vou ter, é ou não é?
Mas
a gente luta. Eu ganho cada vez mais e nem por isso deixo de terminar sempre o
mês que nem time de Zezé Moreira: 0 x 0. Segundo cálculos da tia acima citada,
que é bárbara para assuntos econômicos, eu sou um dos homens mais ricos do
Brasil, pois consigo chegar ao fim do mês sem dever. Esta afirmativa não me
agrada nada, mas dá uma pequena amostra de como vai mal a organização
administrativa do nosso querido Brasil.
Aliás,
minto...o cronista pede desculpas, mas estava mentindo. Eu vou no empate até
dezembro, porque, quando chega o Natal, é fogo. Aí embaralha tudo. Não há tatu
que resista aos compromissos natalinos. São as Festas — dizem.
O
presente das crianças, a ganância do comerciante, as gentilezas obrigatórias,
os orçamentos inglórios, a luta do consumidor, a malandragem do fornecedor e
olhe nós todos envolvidos nesse bumba-meu-boi dos presentinhos.
E
que fossem só os presentinhos. A gente selecionava, largava uma lembrancinha
nas mãos dos amigos com o clássico letreiro: "Você não repare, que é
presente de pobre" e ia maneirando. Mas tem as listas, tem os
cartõezinhos.
O
que me chateia são as listas e os cartõezinhos. A gente passa o mês todo
comprando coisas pros outros sem a menor esperança de que os outros estejam
comprando coisas pra gente. De repente, quando o retrato do falecido Almirante
Pedro Álvares Cabral, que, no caminho para as Índias, ao evitar as calmarias,
etc., etc. já é um raro no bolso dos coitados do que deputado em Brasília, vem
um de lista.
O
de lista é sempre meio encabulado. Empurra a lista assim na nossa frente e diz:
— O pessoal todo assinou. Fica chato se
você não assinar. Então a gente dá uma olhada.
A lista abre com uma quantia polpuda — quase sempre fictícia — que é pra
animar o sangrado. E tem a lista dos contínuos, tem a lista dos porteiros, tem
a lista dos faxineiros, tem a lista das telefonistas, tem a lista do raio que
te parta.
A
gente assina a lista meio humilhado, porque, no máximo, pode contribuir com
duzentas pratas, onde está estampada a figura de Pedro I, que às margens do
Ipiranga, desembainhando a espada, etc., etc. e pensa que está livre, embora
outras listas estejam de tocaia, esperando a gente.
Então
tá. Há um momento em que os presentinhos já estão todos comprados, as listas já
estão todas assinadas e você já está com mais ponto perdido na tabela do que o
time do Taubaté. Deve pra cachorro, mas vai dever mais.
Vai
dever mais porque faltam os cartõezinhos de apelação. A campainha toca, você
abre para saber quem está batendo e é o lixeiro. Ele não diz nada. Entrega um
envelopezinho, a gente abre e lá está o versinho: "Mil votos de Boas
Festas/ Seja feliz o ano inteiro/ É o que ora lhe deseja/ O vosso humilde
lixeiro."
E
o vosso humilde lixeiro espalma sorridente a estira que a gente larga na mão
dele. Meia hora depois a campainha toca. Desta vez — quem sabe? — é uma cesta
de Natal que um bacano teve a boa idéia de enviar. Mas qual. É o carteiro,
fardado e meio sem jeito, que passa outro cartãozinho de apelação. A gente abre
o envelope e lá está: "Trazendo a correspondência/ Faça frio ou calor/
Vosso carteiro modesto/ Prossegue no seu labor/ Mas a cartinha que trás/ Nesta
oportunidade/ É para desejar Boas Festas/ E muita felicidade."
Mas
este ano eu aprendi, irmãos! Em 1963 vou comprar diversas folhas de papel
(tamanho ofício) e organizar várias listas para as criancinhas pobres aqui da
casa. Quando o cara vier com a dele, eu neutralizo a jogada com a minha. O
máximo que pode acontecer é ele assinar 500 na minha e eu assinar 500 na
dele... ficando a terceira da melhor de três para disputar mais tarde.
Também
vou mandar prensar uns cartõezinhos. Quando o vosso humilde lixeiro ou o vosso
carteiro modesto entregar o envelopinho, eu entrego outro a ele, para que leia:
"No Inferno das notícias/ Mas com expressão seráfica/ Eu batuco o ano
inteiro/ A máquina datilográfica/ Pro ano que vai entrar/ Não me sinto
otimista/ Mesmo assim, felicidades/ Lhe deseja este cronista."
Conforme
diz Tia Zulmira: "— Malandro prevenido dorme de botina."
O
texto acima foi extraído do livro "Rosamundo e os Outros", Editora
Sabiá - Rio de Janeiro, 1963, pág. 174.
Amei ler! É bem atual rsrs. Adorava ler as crônicas de Stanislaw Ponte Preta.
ResponderExcluirMuito boa a crônica!
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