O
texto abaixo é de autoria de Clarice Lispector.
Para
maiores informações sobre a autora, favor acessar: https://www.ebiografia.com/clarice_lispector/.
Boa
leitura!
O
MORTO NO MAR DA URCA
Eu
estava no apartamento de d. Lourdes, costureira, provando meu vestido pintado
pela Olly – e dona Lourdes disse: morreu um homem no mar, olhe os bombeiros.
Olhei e só vi o mar que devia ser muito salgado, mar azul, casas brancas. E o
morto?
O
morto em salmoura. Não quero morrer! gritei-me muda dentro do meu vestido. O
vestido é amarelo e azul. E eu? morta de calor, não morta de mar azul.
Vou
contar um segredo: meu vestido é lindo e não quero morrer. Na sexta-feira o
vestido estará em casa, e no sábado eu o usarei. Sem morte, só mar azul.
Existem nuvens amarelas? Existem douradas. Eu não tenho história. O morto tem?
Tem: foi tomar banho de mar na Urca, o bobo, e morreu, quem mandou? Eu tomo
banho de mar com cuidado, não sou tola, e só vou à Urca para provar vestidos. E
três blusas. S. foi comigo. Ela é minuciosa na prova. E o morto? minuciosamente
morto?
Morto
de bobo que era. Só se deve ir à Urca para provar vestido alegre. A mulher, que
sou eu, só quer alegria. Mas eu me curvo diante da morte. Que virá, virá, virá.
Quando? aí é que está, pode vir a qualquer momento. Mas eu, que estava provando
o vestido no calor da manhã, pedi uma prova de Deus. E senti uma coisa
intensíssima, um perfume intenso demais de rosas. Então tive a prova, as duas
provas; de Deus e do vestido.
Só
se deve morrer de morte morrida, nunca de desastre, nunca de afogação no mar.
Eu peço proteção para os meus, que são muitos. E a proteção, tenho certeza,
virá.
Mas
e o rapaz? e sua história? Capaz de ser estudante. Nunca saberei. Fiquei apenas
olhando o mar e o casario. Dona Lourdes imperturbável, perguntando se apertava
mais na cintura. Eu disse que sim, que cintura é para se ver apertada. Mas
estava atônita. Atônita no meu vestido lindo.
Muito bonito esse conto!
ResponderExcluirUm lindo conto! Gostei de ler.
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