Friorento, o sol se recolhe sobre os
últimos telhados. O vento balouça de leve a samambaia na varanda. A casa toda
em sossego. No quintal o cãozinho late aos pardais que se aninham entre as
folhas.
A magnólia pende a cabeça com
sono. Já não bole a cortina.
No silêncio da penumbra se ouve
cada vez mais alto o coração delator do tempo: um relógio.
Diante da janela o passarão da
noite farfalha as asas. O galo não gala a galinha. Duros objetos perdem os
contornos agressivos. Há paz na cidade.
Em pé no balcão os operários
bebem cálice de pinga. As caixeiras deixam as lojas com a bolsinha na mão. Eis
a noite que se esgueira em surdina no fundo dos quintais.
As mulheres são mais queridas a
essa hora. O rosto iluminado pelo farol dos carros é promessa de delícias.
Os bondes sacolejam nos trilhos,
em cada janela um rosto diferente. O mundo não é uma festa de prodígios:
gnomos, baleias voadoras, unicórnios, basiliscos de fogo?
Escancaram as sete portas da
noite. O ar povoado de sombras. Não mais o dia dos pequenos ódios nos olhos,
das injúrias furiosas pelas costas. Os carros já não devoram ciclistas.
Enxugando os dedos no avental,
as mães chamam os filhos que brincam na rua.
Se aquietam as vozes. Os
pardais não pipiam nas árvores. Nem late o cãozinho.
A pomba da noite é mansa.
Arrulha o amor na sopa quente sobre a mesa.
Muito lindo, amei ler!
ResponderExcluirGostei muito desse conto!
ResponderExcluir