O texto abaixo é da autoria de Domingos Pellegrini.
Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa390086/domingos-pellegrini.
Boa leitura!
AVALIADOR DE TEMPESTADES
Cheguei à cidadezinha e saí do hotel para ver o poente, bebendo um vinho descansado depois da viagem cansativa. Anotei alguma coisa, o garçom ficou olhando. Anotei mais, ele não aguentou, veio perguntar:
_ O senhor é jornalista?
Resolvi inventar:
_ Sou avaliador de tempestades.
Ele passou pano na mesa, coçou a cabeça.
_ Avaliador…
_ De tempestades. Consulto a meteorologia e viajo para onde estão previstas tempestades. Depois vou à defesa civil, aos bombeiros, hospitais e oficinas, para saber dos estragos causados pela tempestade.
Ele balançou a cabeça, piscando para ajeitar os pensamentos.
_ E pra que serve avaliar tempestade?
_ As companhias de seguros precisam saber se os danos causados pelas tempestades não vão ser exagerados pelos segurados, para receber mais indenizações. Por exemplo, se eu verifico que só três carros foram danificados por queda de árvores, mas aparecem mais carros pedindo indenizações, serão carros que já estavam batidos e os donos querem se aproveitar da tempestade para a seguradora pagar os consertos.
Ele balançou a cabeça com olhar esperto, me animando a continuar:
_ É lógico que, cruzando os dados da magnitude das tempestades em algumas localidades, como quantidade de chuva e velocidade dos ventos, podemos calcular uma média de estragos noutras localidades que sofrerem tempestades de magnitude semelhante.
_ Puxa! – ele olhava através de mim, decerto visualizando torós e vendavais.
Voltou a me focar, sorrindo:
_ Então o senhor deve ganhar bem, né?
Mais que escritor, falei, e ele continuou a olhar borrascas e enchentes no horizonte, até falar com os olhos assim perdidos:
_ Eu sempre gostei de tempestade, desde menino. Minha mãe conta que uma vez, no meio duma tempestade que chacoalhava a casa, ela deu falta de mim, procurou pela casa toda, eu tinha sumido, tava lá fora no quintal admirando a tempestade.
Me encarou com um sorriso bom.
_ Admiro o senhor, faz um trabalho que eu queria fazer, mas deve exigir muito preparo, né?
Muito, falei, ele precisaria conhecer meteorologia, estatística, sociologia temporal, análise de ventos, correlação de forças tempísticas.
_ E onde o senhor fez o curso?
Falei que é especialização sem curso, formação autodidata com poucos profissionais no mundo. E voltei a fazer anotações, para ele me deixar só com minhas tempestades.
Ele foi servir outras mesas, mas volta e meia me olhava, eu voltava a inventar anotações na caderneta, ele mais intrigado ficava. Resolvi arrolhar o vinho para acabar de beber no hotel.
Quando dormi, nem vi quando a tempestade chegou. Amanhecendo, abri a janela, a chuva caía sobre árvores agitadas pelo vento. Batidas na porta, abri, era ele, com capa de chuva, guarda-chuva na mão, botas plásticas.
_ Posso ir junto com o senhor? Não atrapalho em nada! Posso ir?
Ir aonde, perguntei, ainda meio sonado, e ele abriu um sorriso cúmplice com olhar luminoso:
_ Ir com o senhor avaliar a tempestade! Posso ir?
E ficou feito menino respirando fundo, esperando eu dizer sim, vamos, vamos avaliar essa tempestade.
Fonte: http://revistaponto.com.br/conto/ponto-do-conto/tres-contos-de-domingos-pellegrini/.