quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

SESSÃO LEITURA - BOLA MURCHA 18/07/1991 - OTTO LARA RESENDE

O texto abaixo é de autoria de Otto Lara Resende.
Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.ebiografia.com/otto_lara_resende/.
Boa leitura!

BOLA MURCHA 18/07/1991

Em matéria de futebol, costumo dizer que sou Botafogo desativado. Suspeito que estou assim antes de se desativar o próprio Botafogo. Aliás, hoje ninguém me pergunta qual é o meu time. Me perguntam qual o meu signo. Touro. Sou de Touro e logo sabem que sou. Nos dias que correm, e agora correm que nem o Senna, brasileiro acredita mais em horóscopo do que em carteira de identidade.
Quando o Maurinho Branco assaltou minha casa e não roubou muito, mas roubou tudo, esquecemos de lhe perguntar qual era o seu signo. Se ele fosse de Touro, ia começar um diálogo assim: “Ô meu irmão, desculpe, também sou Touro”. E daí acabávamos descobrindo que temos um mesmo ascendente (astrológico, claro), ele tomava um cafezinho e se despedia como um cavalheiro. Iria assaltar alguém de Áries.
O Nelson Rodrigues, que sabia, mas não enxergava quem era a bola, dependurou as chuteiras no céu. As chuteiras já não são imortais. O João Saldanha foi cobrir a Copa na Itália e de lá tomou rumo ignorado. Gosta muito de viagem e de aventura, o João. Nem sequer almoçou comigo no Final do Leblon, como tinha prometido. O Sandro Moreyra entrou vivo num hospital e saiu morto. Estou sempre me perguntando por que diabo chamam hospital de casa de saúde. Há anos que o Armando Nogueira parou de escrever “Na grande área”. A coluna do Cláudio Mello e Souza sumiu.
Aí é que desanimei de vez. O meu futebol era muito mais lido do que assistido. Em 1958 eu morava em Bruxelas e vi o delírio que o Brasil despertava. Pelé e Garrincha eram a dupla de mais cartaz no mundo. Nem os Beatles, que eram quatro e tiveram o cuidado de aparecer depois, lhes chegavam aos pés. No polo Norte, em 1965, vendo o sol da meia-noite, um esquimó me pulou no pescoço na maior alegria e agitação.
Só depois vim a saber a razão. Porque eu era brasileiro. “Pelé! Pelé!” — gritava ele, eufórico. O esquimó fedia um pouco a peixe, mas tudo bem. Dava gosto ser brasileiro. O futebol unia todo mundo num só grito. Rico e pobre, branco e negro, analfabeto e intelectual. Até o Kissinger gostava. Agora, escreve o Villas-Bôas Corrêa: “Para mim, chega”. Despediu-se do futebol. Um alucinado que não perdia jogo. Com o Brasil ruim de bola como anda, precisamos providenciar uma alma nova para este paisão perdido no meio do campo.

Fonte: https://midias.gazetaonline.com.br/_midias/pdf/2011/12/12/bom_dia_para_nascer-558505-4ee5f0d27f5a1.pdf.

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