O
texto abaixo foi o último publicado por Carlos Heitor Cony na Folha de São
Paulo em 31 de dezembro de 2017.
Não
há como negar que com Cony morre um pedaço importante da crônica, um gênero bem
brasileiro de literatura.
Em
um país tão pobre de cultura, perder esse autor significa também perder a
oportunidade de ter acesso a novos textos geniais.
De
qualquer maneira, resta a obra já escrita que ainda manterá viva sua chama
durante muito tempo!
Descanse
em paz!
Para
saber mais sobre Carlos Heitor Cony, favor acessar: http://www.academia.org.br/academicos/carlos-heitor-cony/biografia.
Boa
leitura!
UMA
CARTA E O NATAL
RIO
DE JANEIRO - Este será o primeiro Natal que enfrentaremos, pródigos e lúcidos.
Até o ano passado conseguimos manter o mistério —e eu amava o brilho de teus
olhos quando, manhã ainda, vinhas cambaleando de sono em busca da árvore que
durante a noite brotara embrulhos e coisas. Havia um rito complicado e que
começava na véspera, quando eu te mostrava a estrela onde Papai Noel viria, com
seu trenó e suas renas, abarrotado de brinquedos e presentes.
Tu
ias dormir e eu velava para que dormisses bem e profundamente. Tua irmã, embora
menor, creio que ela me embromava: na realidade, ela já devia pressentir que
Papai Noel era um mito que nós fazíamos força para manter em nós mesmos. Ela
não fazia força para isso, e desde que a árvore amanhecesse florida de pacotes
e coisas, tudo dava na mesma. Contigo era diferente. Tu realmente acreditavas
em mim e em Papai Noel.
Na
escola te corromperam. Disseram que Papai Noel era eu —e eu nem posso repelir a
infâmia e o falso testemunho. De qualquer forma, pediste um acordeão e uma
caneta— e fomos juntos, de mãos dadas, escolher o acordeão.
O
acordeão veio logo, e hoje, quando o encontrar na árvore, já vai saber o preço,
o prazo de garantia, o fabricante. Não será o mágico brinquedo de outros
Natais.
Quanto
à caneta, também a compramos juntos. Escolheste a cor e o modelo, e abasteceste
de tinta, para "já estar pronta" no dia de Natal. Sim, a caneta
estava pronta. Arrumamos juntos os presentes em volta da árvore. Foste dormir,
eu quedei sozinho e desesperado.
E
apanhei a caneta. Escrevi isto. Não sei, ainda, se deixarei esta carta junto
com os demais brinquedos. Porque nisso tudo o mais roubado fui eu. Meu Natal
acabou e é triste a gente não poder mais dar água a um velhinho cansado das
chaminés e tetos do mundo.
Linda crônica, amei ler!
ResponderExcluirMuito boa a crônica..
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