O
texto abaixo é de autoria de Rubem Braga.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.ebiografia.com/rubem_braga/.
Boa
leitura!
BILHETE A UM CANDIDATO
“Olhe
aqui, Rubem. Para ser eleito vereador, eu preciso de três mil votos. Só lá no
Jockey, entre tratadores, jóqueis, empregados e sócios eu tenho, no mínimo
mesmo, trezentos votos certos; vamos botar mais cem na Hípica, Bem,
quatrocentos. Pessoal de meu clube, o Botafogo, calculando com o máximo de
pessimismo, seiscentos. Aí já estão mil.
“Entre
colegas de turma e de repartição contei, seguros, duzentos; vamos dizer, cem.
Naquela fábrica da Gávea, você sabe, eu estou com tudo na mão, porque tenho
apoio por baixo e por cima, inclusive dos comunas; pelo menos oitocentos votos
certos, mas vamos dizer, quatrocentos. Já são mil e quinhentos.
“Em
Vila Isabel minha sogra é uma potência, porque essas coisas de igreja e
caridade tudo lá é com ela. Quer saber de uma coisa? Só na Vila eu já tenho a
eleição garantida, mas vamos botar: quinhentos. Aí já estão, contando
miseravelmente, mas mi-se-ra-vel-men-te, dois mil. Agora você calcule: Tuizinho
no Méier, sabe que ele é médico dos pobres, é um sujeito que se quisesse entrar
na política acabava senador só com o voto da zona norte; e é todo meu, batata,
cem por cento, vai me dar pelo menos mil votos. Você veja, poxa, eu estou
eleito sem contar mais nada, sem falar no pessoal do cais do porto, nem
postalistas, nem professoras primárias, que só aí, só de professoras, vai ser
um xuá, você sabe que minha mãe e minha tia são diretoras de grupo. Agora bote
choferes, garçons, a turma do clube de xadrez e a colônia pernambucana como é
que é!
“E
o Centro Filatelista? Sabe quantos filatelistas tem só no Rio de Janeiro? Mais
de quatro mil! E nesse setor não tem graça, o papai aqui está sozinho! É como
diz o Gonçalves: sou o candidato do olho-de-boi!
“E
fora disso, quanta coisa! Diretor de centro espírita, tenho dois. E o eleitorado
independente? E não falei do meu bairro, poxa, não falei de Copacabana, você
precisa ver como é lá em casa, o telefone não para de tocar, todo mundo pedindo
cédula, cédula, até sujeitos que eu não vejo há mais de dez anos. E a turma da
Equitativa? O Fernandão garante que só lá tenho pelo menos trezentos votos. E o
Resseguro, e o reduto do Goulart em Maria da Graça, o pessoal do fórum… Olhe,
meu filho, estou convencido de que fiz uma grande besteira: eu devia ter saído
era para deputado!”
Passei
uma semana sem ver meu amigo candidato; no dia 30 de setembro, três dias antes
das eleições, esbarrei com ele na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, todo
vibrante, cercado de amigos; deu-me um abraço formidável e me apresentou ao
pessoal: “este aqui é meu, de cabresto!”
Atulhou-me
de cédulas.
Meu
caro candidato:
Você
deve ter notado que na 122ª seção da quinta zona, onde votei, você não teve
nenhum voto. Palavra de honra que eu ia votar em você; levei uma cédula no
bolso. Mas você estava tão garantido que preferi ajudar outro amigo com meu
votinho. Foi o diabo. Tenho a impressão de que os outros eleitores pensaram a
mesma coisa, e nessa marcha da apuração, se você chegar a trezentos votos ainda
pode se consolar, que muitos outros terão muito menos do que isso. Aliás, quem
também estava lá e votou logo depois de mim foi o Gonçalves dos selos.
Sabe
uma coisa? Acho que esse negócio de voto secreto no fundo é uma indecência, só
serve para ensinar o eleitor a mentir: a eleição é uma grande farsa, pois se o
cidadão não pode assumir a responsabilidade de seu próprio voto, de sua opinião
pessoal, que porcaria de República é esta?
Vou
lhe dizer uma coisa com toda franqueza: foi melhor assim. Melhor para você.
Essa nossa Câmara Municipal não era mesmo lugar para um sujeito decente como
você. É superdesmoralizada. Pense um pouco e me dará razão. Seu, de cabresto, o
Rubem.
Que escritor genial foi Rubem Braga! Amei ler!
ResponderExcluirCoitado kkkk Muito bom!
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