O
texto abaixo é de autoria de Carlos Eduardo Novaes.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa644/carlos-eduardo-novaes.
Boa
leitura!
O
SONHO DO FEIJÃO
Dona
Abgail sentou-se na cama, sobressaltada, acordou o marido e lhe disse que havia
sonhado que iria faltar feijão. Não era
a primeira vez que esta cena ocorria.
Dona
Abgail, consciente de seus afazeres de dona de casa, vivia constantemente
atormentada por pesadelos desse gênero. E de outros gêneros, quase todos
alimentícios. Ainda bêbado de sono, o marido esticou o braço e apanhou a
carteira sobre a mesinha de cabeceira: "Quanto é que você quer?" A
mulher pensou um pouco e pediu o suficiente para comprar 15 quilos,
"depois se a situação se agravar você me dá para comprar mais 15".
Levantou-se rápida, mudou de roupa e ligou para sua amiga, dona Etelvina, que
era uma espécie de líder das donas de casa de Irajá.
-
Alô, Etelvina? Eu estou com o pressentimento de que vai faltar feijão.
-
Feijão também? Então deixa eu avisar rápido às outras.
Em
menos de cinco minutos a notícia se espalhou por toda a cidade. As donas de
casa possuem uma misteriosa rede de comunicação por onde os boatos se propagam
com a rapidez de um Boeing-747. É só alguém dizer que vai faltar, por exemplo,
azeite, no Leblon, que em três minutos já se forma uma fila no Méier.
Ao
sair para comprar o feijão, dona Abgail atrasou-se um pouco para deixar seus
quatro filhos na escola. Quando parou na porta do supermercado, viu uma fila
enorme que se estendia por mais de 80 metros. Perguntou a uma das enfileiradas.
-
Que fila é essa?
-
É a do feijão.
Perfilou-se
arrependida por ter revelado o seu sonho. Se não tivesse espalhado a notícia
poderia fazer sua compra tranquilamente, pois ninguém saberia que o feijão ia
faltar. Depois, dona Abgail começou a encontrar outras amigas, estabeleceu-se
um animado bate-papo e acabou achando que aquela fila estava ótima. Era uma das
melhores que já frequentara.
Existem
algumas donas de casa que têm uma atração toda especial por fila. Para muitas
há qualquer coisa de heroico numa fila: a espera, a paciência e o que é mais
importante, a entrada triunfal em casa sobraçando o tão disputado produto. Esta
é a realização suprema da dona de casa, daí elas não permitirem que suas
empregadas as substituam nas filas.
Quando
chegou a sua hora de comprar, dona Abgail percebeu que as prateleiras já
estavam vazias. Voltou-se para dona Etelvina ao seu lado e comentou: "Eu
não disse que iria faltar feijão?"
Ao
sair notaram que já havia mais três filas formadas:
-
Essa fila é de quê?
-
De pasta de dentes.
-
E essa?
-
Essa é de papel higiênico.
-
E essa? É pra quê?
-
Pra nada. É pra quem não tem o que fazer.
Dona
Abgail, que já não arranjara o feijão, pensou que deveria levar alguma outra
coisa. Entrou na fila do papel higiênico e convidou dona Etelvina para
acompanhá-la, "assim a gente aproveita e conversa um pouco". Dona
Abgail comprou 30 rolos de papel higiênico e voltou para casa. Deu de cara com
o marido que assustou-se ao vê-la chegar assim carregada e não resistiu em
perguntar:
-
Tem alguém desarranjado aqui em casa?
Com
um apartamento pequeno, dona Abgail ficou sem saber onde colocar aqueles 30
rolos. Resolveu recorrer à sua vizinha dona Olga, companheira de mais de 10
anos de fila:
-
Olga, será que eu posso deixar uns 10 rolinhos de papel higiênico em sua casa?
-
Pode. Mas por quê?
-
Porque como vai faltar eu resolvi estocá-lo.
-
Vai faltar? Não me diga. E você não me avisou nada?
Dona
Olga se arrumou rapidamente e correu ao supermercado. Já tinha oito filas,
sendo que três ela só de papel higiênico. Para provar sua organização, as donas
de casa fizeram uma fila para papel branco. Outra para papel rosa e outra para
o azul. Dona Olga entrou na fila do azul que combinava com os azulejos de s eu
banheiro. Comprou 20 rolos (dona Olga era viúva e não tinha as mesmas condições
econômicas de dona Abgail, que podia comprar 30 rolos), cumprimentou algumas
conhecidas de fila e perguntou:
-
Alguém aí sabe o que vai faltar amanhã?
-
Não sei - disse uma senhora que parecia ser a coordenadora da fila - mas parece
que vai faltar azeitona.
-
Verde ou preta?
-
Ainda não decidimos.
-
Se for verde você me telefona que eu venho.
A
coordenadora informou também a dona Olga que provavelmente faltaria arroz. Dona
Olga retornou à sua casa e tratou de avisar a dona Abgail que faltaria arroz.
-
Oba - gritou dona Abgail - essa fila é das boas. E correu ao quarto para botar
o despertador para as cinco horas.
Dia
seguinte levantou-se, fez o café do marido e saiu. A fila ainda estava pequena.
Entrou e, caminhando lentamente, foi esbarrar no balcão de enlatados: "Ué,
mas eu vim para a fila do arroz".
-
Mas o arroz não vai faltar - disse-lhe um empregado - não aqui. Parece que está
faltando em Bangu.
-
E o senhor sabe se tem fila por lá?
-
Olha, até as seis horas a fila dava a volta no quarteirão.
Dona
Abgail não pensou duas vezes. Pegou um táxi e foi para Bangu. Realmente a fila
estava gigantesca. Saltou e indagou: "Essa é a fila do arroz?"
-
Não, é do óleo de soja.
-
Mas como do óleo de soja? Não tem óleo de soja.
-
Eu sei - respondeu uma enfileirada - mas quando chegar nós já estamos na fila.
A
fila foi andando, andando, e quando dona Abgail encostou no balcão o óleo de
soja ainda não havia chegado. Aí dona Abgail não teve outra alternativa, pensou
um pouco e comprou mais 30 rolos de papel higiênico.
Vai ter papel higiénico pra vinte anos kkkkkk. Amei ler, rindo muito aqui!
ResponderExcluirKsksksksksksk
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