O
texto abaixo é de autoria de Machado de Assis.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.academia.org.br/academicos/machado-de-assis/biografia.
Boa
leitura!
TRÊS
TESOUROS PERDIDOS
Uma
tarde, eram quatro horas, o Sr. X... voltava à sua casa para jantar. O apetite
que levava não o fez reparar em um cabriolé que estava parado à sua porta.
Entrou, subiu a escada, penetra na sala e... dá com os olhos em um homem que
passeava a largos passos como agitado por uma interna aflição.
Cumprimentou-o
polidamente; mas o homem lançou-se sobre ele e com uma voz alterada, diz-lhe:
–
Senhor, eu sou F..., marido da Sra. Dona E...
–
Estimo muito conhecê-lo, responde o Sr. X...; mas não tenho a honra de conhecer
a Sra. Dona E...
–
Não a conhece! Não a conhece! ... quer juntar a zombaria à infâmia?
–
Senhor!...
E o
Sr. X... deu um passo para ele.
–
Alto lá!
O
Sr. F..., tirando do bolso uma pistola, continuou:
– Ou
o senhor há de deixar esta corte, ou vai morrer como um cão!
–
Mas, senhor, disse o Sr. X..., a quem a eloquência do Sr. F... tinha produzido
um certo efeito, que motivo tem o senhor?...
–
Que motivo! É boa! Pois não é um motivo andar o senhor fazendo a corte à minha
mulher?
– A
corte à sua mulher! não compreendo!
–
Não compreende! oh! não me faça perder a estribeira.
–
Creio que se engana...
–
Enganar-me! É boa!... mas eu o vi... sair duas vezes de minha casa...
–
Sua casa!
– No
Andaraí... por uma porta secreta... Vamos! ou...
–
Mas, senhor, há de ser outro, que se pareça comigo...
–
Não; não; é o senhor mesmo... como escapar-me este ar de tolo, que ressalta de
toda a sua cara? Vamos, ou deixar a cidade, ou morrer... Escolha!
Era
um dilema. O Sr. X... compreendeu que estava metido entre um cavalo e uma
pistola. Pois toda a sua paixão era ir a Minas, escolheu o cavalo.
Surgiu,
porém, uma objeção.
–
Mas, senhor, disse ele, os meus recursos...
– Os
seus recursos! Ah! tudo previ... descanse... eu sou um marido previdente.
E
tirando da algibeira da casaca uma linda carteira de couro da Rússia, diz-lhe:
–
Aqui tem dois contos de réis para os gastos da viagem; vamos, parta! parta
imediatamente. Para onde vai?
–
Para Minas.
–
Oh! a pátria do Tiradentes! Deus o leve a salvamento... Perdoo-lhe, mas não
volte a esta corte... Boa viagem!
Dizendo
isto, o Sr. F... desceu precipitadamente a escada, e entrou no cabriolé, que
desapareceu em uma nuvem de poeira.
O
Sr. X... ficou por alguns instantes pensativo. Não podia acreditar nos seus
olhos e ouvidos; pensava sonhar. Um engano trazia-lhe dois contos de réis, e a
realização de um dos seus mais caros sonhos. Jantou tranquilamente, e daí a uma
hora partia para a terra de Gonzaga, deixando em sua casa apenas um moleque
encarregado de instruir, pelo espaço de oito dias, aos seus amigos sobre o seu
destino.
No
dia seguinte, pelas onze horas da manhã, voltava o Sr. F... para a sua chácara
de Andaraí, pois tinha passado a noite fora.
Entrou,
penetrou na sala, e indo deixar o chapéu sobre uma mesa, viu ali o seguinte
bilhete:
“Meu
caro esposo! Parto no paquete em companhia do teu amigo P... Vou para a Europa.
Desculpa a má companhia, pois melhor não podia ser. – Tua E...”
Desesperado,
fora de si, o Sr. F... lança-se a um jornal que perto estava: o paquete tinha
partido às oito horas.
–
Era P... que eu acreditava meu amigo... Ah! maldição! Ao menos não percamos os
dois contos! Tornou a meter-se no cabriolé e dirigiu-se à casa do Sr. X...,
subiu; apareceu o moleque.
–
Teu senhor?
–
Partiu para Minas.
O
Sr. F... desmaiou.
Quando
deu acordo de si estava louco... louco varrido!
Hoje,
quando alguém o visita, diz ele com um tom lastimoso:
–
Perdi três tesouros a um tempo: uma mulher sem igual, um amigo a toda prova, e
uma linda carteira cheia de encantadoras notas... que bem podiam aquecer-me as
algibeiras!...
Neste
último ponto, o doido tem razão, e parece ser um doido com juízo.
Amei esse conto! Que ótimo final!
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