O texto
abaixo é de autoria de Rubem Braga.
Para
saber mais sobre o autor, favor acessar: https://www.ebiografia.com/rubem_braga/.
Boa
leitura!
O
VERÃO E AS MULHERES
Talvez
tenha acabado o verão. Há um grande vento frio cavalgando as ondas, mas o céu
está limpo e o sol é muito claro. Duas aves dançam sobre as espumas assanhadas.
As cigarras não cantam mais. Talvez tenha acabado o verão.
Estamos
tranquilos. Fizemos este verão com paciência e firmeza, como os veteranos fazem
a guerra. Estivemos atentos à lua e ao mar; suamos nosso corpo; contemplamos as
evoluções de nossas mulheres, pois sabemos o quanto é perigoso para elas o
verão.
Sim,
as mulheres estão sujeitas a uma grande influência do verão; no bojo do mês de
janeiro elas sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial;
seus olhos brilham devagar, elas começam a dizer uma coisa e param no meio,
ficam olhando as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir
um estranho passarinho. Seus cabelos tornam-se mais claros e às vezes os olhos
também; algumas crescem imperceptivelmente meio centímetro. Estremecem quando
de súbito defrontam um gato; são assaltadas por uma remota vontade de miar; e
certamente, quando a tarde cai, ronronam para si mesmas.
Entregam-se
a redes; é sabido, ao longo de toda a faixa tropical do globo, que as mulheres
não habituadas a rede e que nelas se deitam ao crepúsculo, no estio, são
perseguidas por fantasias e algumas imaginam que podem voar de uma nuvem a
outra nuvem com facilidade. Sendo embaladas, elas se comprazem nesse jogo
passivo e às vezes tendem a se deixar raptar, por deleite ou preguiça.
Observei
uma dessas pessoas na véspera do solstício, em 20 de dezembro, quando o sol ia
atingindo o primeiro ponto do Capricórnio, e a acompanhei até as imediações do
Carnaval. Sentia-se que ia acontecer algo, no segundo dia da lua cheia de
fevereiro; sua boca estava entreaberta: fiz um sinal aos interessados, e ela
pôde ser salva.
Se
realmente já chegou o outono, embora não o dia 22, me avisem. Sucederam muitas
coisas; é tempo de buscar um pouco de recolhimento e pensar em fazer um poema.
Vamos
atenuar os acontecimentos, e encarar com mais doçura e confiança as nossas
mulheres. As que sobreviveram a este verão.
Gostei desse conto, muito bom!
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