O texto abaixo é de autoria de Walcyr Carrasco.
Boa leitura!
TRUQUE NO ASSALTANTE
JURO QUE É VERDADE. Tenho uma amiga especializada em se livrar
de assaltantes. Sua arma: a imaginação. Maria Adelaide é escritora. Madura, de aparência frágil, é o tipo de vítima ideal. Foi assaltada várias vezes. Acabou desenvolvendo uma estratégia. Certa vez andava pela rua do Curtume, vindo de um encontro profissional. Notou que um rapaz vinha em sua direção, a mão enfiada dentro do casaco. Prestes a sacar a arma. Olhou em torno. Ninguém! Não teve dúvidas. Saltitou em direção a ele, com um sorriso de orelha a orelha!
— Você! Finalmente nos encontramos! Como vai sua mãe?
Faz tanto tempo que não nos vemos!
O rapaz hesitou, em dúvida. Maria Adelaide continuou, rápida.
— E a Cidinha, tem visto a Cidinha? Como é que ela está?
— Bem…
Abraçou o rapaz.
— Agora eu preciso ir. Mas vê se não some, hein?! Telefona! Fugiu em direção ao carro, deixando o ladrão parado, com ar de dúvida. Na vez seguinte, saía com uma amiga da Pinacoteca do Estado, na avenida Tiradentes. Lá adiante viu um trombadinha se aproximando. Não teve dúvidas. Virou-se para a amiga e começou a brigar, aos gritos!
— Você nunca podia ter feito isso comigo! Ah, mas você não presta. O que você fez não tem perdão. Você vai me pagar!
A amiga arregalou os olhos, chocada com a gritaria, cada vez maior.
O trombadinha aproximou-se, já enfiando a mão no bolso. Adelaide gritou ainda mais. Parecia prestes a partir para as vias de fato.
— Não me responda! Fica quieta, você não tem o direito de falar!
O ladrão ainda tentou estabelecer contato:
— Dona… dona…
— Fica quieto você também! — gritou para o assaltante.
— Você não sabe o que ela me fez.
— Mas o que foi que ela aprontou? .
— Ela acabou com a minha vida!
O possível assaltante pensou um segundo e aconselhou:
— Mata ela.
— É o que eu devia fazer! Acabar com você, ouviu? — vociferou Adelaide para a amiga.
O rapaz foi embora — possivelmente para não ser envolvido em crimes maiores. Quando estava longe, a amiga recuperou a fala.
— Que eu fiz?
— Nada. Eu vi que o ladrão vinha em nossa direção. A rua estava vazia e aprontei um escândalo. Assim, ele desistiu. Vamos embora?
Partiu sorridente, com a amiga cambaleante.
A última vez foi em uma floricultura da avenida dos Bandeirantes. Acabava de comprar um buquê. O rapaz entrou de arma em punho.
— Passa a carteira!- E você, dá o dinheiro! — gritou para a vendedora.
A caixa ficou paralisada. Adelaide respondeu, fria.
— Estou só com cartões de crédito, sem dinheiro. Não adianta você levar minha carteira, não vai ter lucro nenhum.
— Não quero nem saber! Passa a grana.
Adelaide voltou-se furiosa e interpelou a caixa.
— Não ouviu o que ele disse? Se ele está roubando, é por que tem necessidade e precisa do dinheiro. Passa a grana!
O assaltante fez que sim, feliz pela compreensão.
— É isso mesmo! Se eu assalto é porque preciso!
Levou todo o dinheiro da floricultura. Adelaide continuou incólume, com a bolsa fechada. Seu segredo:
— Preciso de um segundo para pensar. Se sou pega de surpresa, entrego tudo. Mas quando tenho chance… invento uma história.
A imaginação ainda é a melhor arma para enfrentar as dificuldades da vida moderna!
Amei ler essa crônica!
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