MINHA DOCE VOVÓ
Minha avó paterna, Rosa, era uma grande cozinheira. Espanhola, baixinha, sempre vestida de cores escuras, usava fogão a lenha – que ela mesma rachava com um machado no quintal. Hoje, quando entro nos supermercados com tudo tão bem embalado, lembro de seu quintal cheio de vida, na cidade do interior onde morava. Muitas crianças talvez nunca tenham visto uma galinha de perto, um pintinho quebrando a casca do ovo ou escavado rabanetes e cenouras como eu fazia na horta de vovó. Lembro das rosquinhas de anis, do bolo de limão com glacê azedinho. Ou dos grandes almoços comemorativos, com pernil, cabrito, frangos assados, tortas de tipos diversos, sobremesas incríveis.
Meu doce predileto era o pudim de queijo parmesão. Uma receita das antigas, com a massa de ovos, leite, farinha e queijo parmesão assada em banho-maria. Quando vinha nos visitar, mal entrava pela porta, eu pedia:
– Vovó, faz pudim?
Ela sorria, sentindo-se querida e prestigiada. Botava o avental, tomava posse da cozinha. E depois me deixava lamber a tigela da massa, que delícia!
Eu cresci, entrei na faculdade, comecei a trabalhar. Vovó envelhecia. Para mim, parecia a mesma em seu vestido escuro, cabelos trançados e enrolados em um coque. Talvez, a seus olhos, eu também continuasse igual: um garoto, seu neto, a quem ela sempre chamava carinhosamente, sem perder o sotaque:
– Formigón!
Viúva, passou a morar um tempo na casa de cada filho. Quando chegava, eu pedia:
– Que vontade do pudim, do jeito que só a senhora sabe fazer!
Ela sorria, orgulhosa. Finalmente, certa vez ouviu meu pedido e foi para o fogão. No fim da tarde, entrei na cozinha. Vi uma massa informe dentro de uma tigela. A empregada sussurrou:
– Desandou.
Mas de noite, após o jantar, mamãe ofereceu:
– Vamos comer o pudim?
Vovó a encarou surpresa.
– Não deu errado? – perguntou.
– Eu pus para esfriar e ficou bom – explicou mamãe, colocando um bom pudim de queijo no centro da mesa.
Comemos. Vovó continuou em silêncio. Ainda sem entender.
Mais tarde, enquanto mamãe lavava os pratos, me explicou:
– Ela se atrapalhou, perdeu a mão. Fiz um pudim escondido e disse que era o dela.
Entendi com um nó na garganta. Mamãe fizera um esforço para vovó não perder a dignidade.
Voltei para a sala, onde vovó assistia televisão com meu pai e meu irmão menor. Sorri, alegre.
– Fui comer mais um pouquinho. O pudim estava uma delícia, vovó!
Ela me olhou intensamente. Percebi a incerteza, a desconfiança. Não se deixara enganar, acredito ainda. Mas seria tão difícil reconhecer que alguma coisa estava acontecendo em seu íntimo, que já não sabia fazer o pudim de tantos anos! Senti uma dor no peito. Lágrimas nos olhos. Tive consciência de que não poderia pedir mais o pudim. O símbolo de suas qualidades culinárias se transformara em fonte de humilhação. Nos olhamos uns instantes, com emoção. Por mais que os anos se passassem, continuaríamos unidos por nossa história repleta de aromas da cozinha: sopas nos caldeirões, carnes assadas, saladas de cebola e tomate, bolos saídos do forno. E, é claro, os inúmeros pudins de queijo que ela fez especialmente para mim ao longo de toda a vida.
Então, naquele momento, quando tudo estava sendo dito sem palavras, eu amei minha avó mais que nunca, como amo ainda hoje, mesmo depois de ela ter partido há tanto tempo. Nunca, nunca vou esquecer minha avó amorosa, que, com seus doces, tocou para sempre meu coração.
Walcyr Carrasco
Emocionante essa crônica, chego à chorar, porque nunca conheci avós e avôs, me lembro vagamente de um avô sendo velado na sala de casa, só me lembro disso, engraçado, só isso me lembro, nada mais!!
ResponderExcluirMari, muito linda e emocionante essa crônica ! Eu também não conheci minhas duas avós que morreram quando os filhos eram crianças e sempre senti falta de uma avozinha, que me contasse histórias antigas e me fizesse um doce que só ela soubesse fazer. Chorei também...Bjs.
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