O
texto abaixo é de autoria de Mário Prata.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://marioprata.net/sabe-o-mario/.
Boa
leitura!
CULPA
Por
que a culpa?
É
o que eu tenho perguntado à minha psicanalista.
No
princípio era o verbo e eu achava que só eu me sentia culpado. Com o passar do
tempo (e da verba) fui descobrindo que todo criador tem culpa. Não no cartório.
Mas na consciência.
Vou
tentar explicar.
Todo
mundo acha que a pessoa que vive de criar, ou seja, um criador, não faz nada o
dia inteiro. Fica só pensando. É verdade. O problema é que ninguém considera o
trabalho de pensar como ofício. Daí a culpa ensimesmada. Será que só pode ser
considerado trabalhador o sujeito que fica o dia inteiro numa mesa de
escritório, ouvindo pela janela olha a uva de Atibaia, melancia barata,
melancia barata?
Você
vê uma frase num out-door tipo refresca até pensamento. São três palavrinhas
mágicas. O sujeito que inventou isso deve ganhar uma fortuna por mês. O que
ninguém entende é que ele trabalha há vinte neste ofício. Pode ser que a frase
tenha saído de um estalo. Mas um estalo vinte anos depois. Não precisa ser
nenhuma brastemp para se ter uma ideia dessas. Ou precisa? Mas o povo pensa:
ganhar essa fortuna para escrever uma bobagem dessas?
Cada
vez que lanço um livro, estreio uma peça de teatro ou vou ao cinema ver um
filme com roteiro meu, me dá pânico. Fico pensando: o pessoal vai pensar que eu
escrevi isso na maior moleza. Que eu sou um vagabundo. E eu, realmente, fico
achando que sou? Algumas mulheres trabalhadeiras já me jogaram isso na cara. E
tome divã!
Para
aliviar meu sofrimento, penso no Romário que trabalha umas dez horas por mês e
ganha 100 mil dólares. Será que ele tem culpa? O Chico Buarque, que fica meses
sem trabalhar, jogando futebol, será que ele acorda com culpa? E o Erasmo
Carlos, tem uma culpa tremendona?
Vou
almoçar fora e quase emendo com o fim do dia. Bebendo cerveja. Mas pensando.
Pensando nessas besteiras que vocês estão a ler agora. Depois, no fim do mês,
vou receber a grana de um simpático funcionário que deve – com certeza – ganhar
menos do que eu para trabalhar ali, o mês inteiro. Fazendo o meu cheque. Não
tem jeito de não bater a culpa.
Juro
que eu trabalho, gente. Penso, invento, crio. E esses funcionários fantasmas,
que trabalham em várias repartições e nunca comparecem? Será que eles não têm
culpa? Será que só eu me sinto culpado neste país?
Uma
vez perguntei para o Chico Buarque, que acabava de acordar às duas da tarde, se
ele não tinha culpa. Já tive. Superei. E o Caetano Veloso que nunca acorda
antes das quatro (da tarde)?
Conta
uma lenda que quando Einstein esteve no Brasil foi recepcionado pelo
Austregésilo de Athayde. O imortal andava com um caderninho para ir anotando as
ideias para seus livros e ensaios. Perguntou se o genial Einstein não fazia o
mesmo. No que ele respondeu: Não. Só tive uma ideia na vida. E o pior, é que
essa ideia tinha só três letrinhas. Aquela famosa língua dele para fora denota
um certo sinal de culpa. Deve ter morrido, relativamente, cheio de culpas.
Foram
anos e anos de culpa para conseguir escrever esta crônica. Mas saiu. Mas não
adiantou nada. Continuo com culpa. Acho que eu nunca deveria ter saído do Banco
do Brasil. Não bater ponto desnorteia a minha vida.
Uma ótima crônica, gostosa de ler, adorei!
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