O
texto abaixo é de autoria de Adélia Prado.
Para
maiores informações sobre a autora, favor acessar: https://www.ebiografia.com/adelia_prado/.
Boa
leitura!
QUERO
MINHA MÃE
Abel
e eu estamos precisando de férias. Quando começa a perguntar quem tirou de não
sei onde a chave de não sei o quê, quando já de manhã espero não fazer comida à
noite, estamos a pique de um estúpido enguiço. Sou uma pessoa grata? Às vezes o
que se nomeia gratidão é uma forma de amarra. Entendo amor ao inimigo, mas
gratidão o que é? Tenho problemas neste particular. Se aviso: passo na sua casa
depois do almoço, acrescento logo se Deus quiser, não sendo grata, temo que me
castigue com um infortúnio. Bajulo Deus, esta é a verdade, tenho o rabo preso
com Ele, o que me impede de voar. Como posso alçar-me com Ele grudado à cauda?
Uma esquizofrenia teológica, eu sei, quando fica tudo confuso assim, meu
descanso é recolher-me como um tatu-bola e repetir até passar a crise, Senhor, tem
piedade de mim. Até em sonhos repito, Senhor, tem piedade de mim, é perfeito.
Sensação de confinamento outra vez, minha pele, minha casa, paredes, muro, tudo
me poda, me cerca de arame farpado. Coitada da minha mãe, devia estar nesta
angústia no dia em que me atingiu: “trem ordinário” Com certeza não suportava a
ideia, o fardo de ter-que-dar-conta-daquela-roupa-de-graxa-do-meu-pai, daquele
caldo escuro na bacia, fedendo a sabão preto e ela querendo tempo pra ler,
ainda que pela milésima vez, meu manual de escola, o ADOREMUS, a REVISTA DE
SANTO-ANTONIO. Mãe, que dura e curta vida a sua. Me interditou um reloginho de
pulso, mas não teve meios de me proibir ficar no barranco à tarde, vendo os
operários saírem da oficina, sabia que eu saberia o motivo. Duas mulheres, nos
comunicávamos. Tá alegre, mãe? A senhora não liga de ficar em casa, não? Posso
ir no parque com a Dorita? Vai chamar tia Ceição pra conversar com a senhora?
Nem na festa da escola, nem na parada pra ver eu carregar a bandeira ela não
foi. Não dava para ir de “mantor” porque era de dia com sol quente, gastei cinquenta
anos pra entender. Teve uma lavadeira, a Tina do Moisés, que ela adorava e
tratava como rainha. Sua roupa acostumou comigo, Clotilde, nem que eu queira,
não consigo largar. Foi um tempo bom de escutar isto, descansei de vê-la
lavando roupa com o olhar perdido em outros sítios, sentindo e querendo, com
toda certeza, o que qualquer mulher sente e quer, mesmo tendo lavadeira e
empregada. Tenho sonhado com a mãe tomando conta de mim, me protegendo os
namoros, me dando carinho, deixando, de cara alegre, meus peitinhos nascerem e
até perguntando: está sentindo alguma dor, Olímpia? É normal na sua idade. Com
certeza aprendeu, nas prédicas às Senhoras do Apostolado, como as mães cristãs
deviam orientar suas filhas púberes. Te explico, Olímpia, porque pode te
acontecer na escola, não precisa levar susto, não é sangue de doença. Achei
minha mãe bacana, uma palavra ainda nova que só os moleques falavam. Coitadas
da Graça e da Joana, que nem isso ganharam dela. Morreu antes de me ensinar a
lidar com as incômodas e trabalhosas toalhinhas. mãe, mãezinha, mamãezinha,
mamãe, e o reino do céu é um festim, quem escondeu isto de você e de mim?
Muito bonito! Saudade da minha mãezinha!
ResponderExcluirQue lindo conto! Amei ler.
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