O
texto abaixo é de autoria de Carlos Eduardo Novaes.
Para
maiores informaçõe sobre o autor, favor acessar: enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa644/carlos-eduardo-novaes.
Boa
leitura!
O
DAY AFTER DO CARIOCA
O
dia em que o Rio de Janeiro derreteu
Aparentemente
aquele dia amanheceu igual a todos os outros do mês de janeiro. Céu azul,
lavado, um sol forte e musculoso ainda se espreguiçando, uma promessa de calor.
Manhã sob medida para turistas, estudantes em férias e desempregados. O Rio,
quando quer, sabe como nenhuma outra cidade se enfeitar para o verão. D. Odete
Araújo abriu a janela de sua casinha em Bangu e girou a cabeça como se tentando
perscrutar o tempo. Viu um cidadão parado na calçada segurando um cigarro. A
fumaça do cigarro subia em linha reta, parecia traçada a régua. Não havia a
mais leve brisa no ar. D. Odete respirou fundo, passou as costas da mão na
testa gotejante e comentou com a vizinha:
—
Acho que hoje chegaremos aos 45 graus.
Os
moradores de Bangu entendem mais do que todos de altas temperaturas. A vizinha
deu de ombros. Um grau a mais ou a menos não faz diferença neste inferno
suburbano. Na véspera, os termômetros de Bangu acusaram 44.8 graus, quebrando
os recordes dos anos de 84, 85, 86 e 87. D. Odete comentou num tom cabalístico
que aquele era o 13º dia consecutivo que o Rio se debatia com uma febre de 40
graus.
No
Centro da cidade, um movimento típico das manhãs de verão. As pessoas
procurando as sombras, procurando os bares, procurando diminuir o ritmo. Nada
de anormal. O contínuo Ademar Ferreira, porém, percebeu o termômetro digital,
que uma hora antes acusava 43 graus, agora marcando 48. O amigo, com quem
conversava numa esquina da Avenida Rio Branco, disse que os termômetros estavam
de miolo mole. Ontem vira um marcando 54 graus. Ademar continuou conversando,
tornou a olhar o termômetro: 49 graus. Notou certa inquietação no ar. Os
transeuntes se mexiam mais, tiravam o paletó, afrouxavam a gravata: 50 graus.
Outras pessoas começaram a perceber a escalada dos termômetros. O calor
aumentava: 51 graus. Um grupo preocupado se reuniu em torno de um orelhão e
ligou para o Serviço de Meteorologia. O que está acontecendo? Os cientistas
admitiam que a temperatura subia. vertiginosa, mas desconheciam as razões.
Estavam acompanhando uma frente fria encalhada na Patagônia.
As
pessoas se aglomeravam diante dos termômetros como se acompanhassem o movimento
de apostas no Jóquei: 53 graus. As expressões revelavam medo e tensão. O calor
tornava-se escaldante. Era como se tivessem ligado o forno da Rio Branco: 55
graus. Não dava mais para ficar exposto ao sol. As pessoas procuraram proteção
embaixo das marquises. Muitas, nervosas, se refugiavam em lojas e escritórios
com ar condicionado: 56 graus. Um bando de honrados cidadãos invadiu uma loja
de eletrodomésticos:
—
Liguem os ventiladores, pelo amor de Deus! — Infelizmente vendemos todos —
respondeu o vendedor, torcendo o lenço empapado de suor.
Na
Zona Sul o pânico se alastrava como um rastilho de pólvora. Edevaldo Santos,
vendedor de picolés na praia, notou que algo estranho acontecia quando abriu a
caixa de isopor e viu os palitos boiando num caldo de sorvete: 60 graus. Não
dava mais para atravessar a areia quente. Quem ficou na praia já não podia
sair. Dois helicópteros procuravam transportar os banhistas. Primeiro, velhos e
crianças! A praia, como a cidade, já estava sob o império do caos, apesar das
rádios e televisões pedirem calma à população. A corda que pendia dos
helicópteros era disputada a tapa: 65 graus. Faltava ar, a garganta secava, o
corpo parecia incandescente. A estudante Luísa Coelho lembrou-se de Joana
D’Arc. Teve início a invasão de bares, restaurantes, supermercados. Todos
corriam às prateleiras de bebidas. Água, refrigerantes, cerveja, vinho,
champanhe, qualquer líquido. Tinha gente bebendo Pinho-Sol.
O
trânsito enlouqueceu de vez. Os motoristas abandonavam seus carros nos
congestionamentos. Os ônibus eram largados em qualquer lugar. Os veículos
transformavam-se em fornos crematórios: 74 graus. Os pneus começaram a derreter.
Nas ruas as pessoas iam se desfazendo das roupas. Vários executivos foram
vistos se esgueirando pelos cantos, de cueca, meias e pasta. Começou a invasão
dos apartamentos com ar condicionado. Eles viraram uma espécie de abrigo
nuclear. Só na minha sala havia 67 pessoas se empurrando para botar a cara na
frente do aparelho: 80 graus. De repente ouviu-se um ruído e logo o silêncio do
ar-condicionado. A cidade ficara sem energia. O calor derreteu os cabos da
Light. O sol esquentava os vidros e o concreto dos prédios. Era insuportável o
calor nos apartamentos. A população desesperada saiu às ruas à cata de sombras.
Num poste em Madureira havia 23 pessoas espremidas e perfiladas ao longo de sua
tira de sombra: 84 graus!
Os
carros dos Bombeiros circulavam pelas ruas com um restinho de água molhando a
população. “Aqui, aqui! Joga aqui antes que eu pegue fogo!” Os chafarizes da
cidade. estavam mais cheios do que trem da Central. Milhares de. pessoas
mergulhavam na Lagoa Rodrigo dA Freitas. Só que esta, como as outras lagoas da
cidade, secava rapidamente. As poucas matas pegavam fogo. As ruas de terra
rachavam ao melhor estilo nordestino. O asfalto começou a borbulhar. Ploft! A
cidade se transformava num caldeirão: 88 graus. No cais do porto os marinheiros
se atiravam do convés como se os navios estivessem naufragando. No Santos
Dumont um avião da Ponte-Aérea, ao invés de levantar vôo, embicou dentro
d’água. O piloto foi aplaudidíssimo pelos passageiros.
A
temperatura estava em torno dos 94 graus. No Sumaré as antenas das emissoras de
televisão adernavam, desmaiando lentamente. O Pão de Açúcar começou a derreter
como um sorvete de casquinha. Uma mancha escura se espalhava pelo mar. No meio,
boiando, o bondinho com turistas americanos fotografando tudo. Outros morros
também derretiam. O Dois Irmãos, para surpresa geral, entrou em erupção. A
estátua de Cristo tinha desaparecido do alto do Corcovado. Dizem que, quando o
morro começou a desmanchar, Ele saiu voando com seus braços abertos. Todo mundo
já estava tendo visões e alucinações. Nas calçadas da Visconde de Pirajá — lado
da sombra — as pessoas se arrastavam aos gritos de “água, água”. Eram inúmeras
as miragens. O pipoqueiro Manuel de Souza jura que viu as Sete Quedas na Praça
Nossa Senhora da Paz.
As
17h12min, por fim, o sol começou a perder a força. As pessoas, ainda
desconfiadas, foram saindo de dentro das geladeiras, freezers, frigoríficos.
Nas câmaras frigoríficas da Cibrazem — contou-se … — havia 12 mil 344 pessoas.
Uma sensação de forno quente pairava sobre o Rio. Somente à meia-noite os
termômetros voltaram ao normal: 40 graus. Terminara o efeito-estufa, deixando
um rastro de dor e destruição. Não havia uma única gota d’água na cidade. Fomos
dormir e no Day After, como não havia trabalho, saímos todos para a praia. Pois
creiam: no meio do comércio de sanduíches naturais, chapéus, cocadas, óleo para
bronzear, o diabo, já tinha nego vendendo um aparelhozinho para dessalinizar a
água do mar.
Por isso gosto do frio kkkk
ResponderExcluirUm verdadeiro pesadelo kkkkkkk.
ResponderExcluir