O
texto abaixo é de autoria de Ignácio de Loyola Brandão.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://www.releituras.com/ilbrandao_bio.asp.
Boa
leitura!
O
HOMEM CUJA ORELHA CRESCEU
Estava
escrevendo, sentiu a orelha pesada. Pensou que fosse cansaço, eram 11 da noite,
estava fazendo hora-extra. Escriturário de uma firma de tecidos, solteiro, 35
anos, ganhava pouco, reforçava com extras. Mas o peso foi aumentando e ele
percebeu que as orelhas cresciam. Apavorado, passou a mão. Deviam ter uns dez
centímetros. Eram moles, como de cachorro. Correu ao banheiro. As orelhas
estavam na altura do ombro e continuavam crescendo. Ficou só olhando. Elas
cresciam, chegavam a cintura. Finas, compridas, como fitas de carne, enrugadas.
Procurou uma tesoura, ia cortar a orelha, não importava que doesse. Mas não
encontrou, as gavetas das moças estavam fechadas. O armário de material também.
O melhor era correr para a pensão, se fechar, antes que não pudesse mais andar
na rua. Se tivesse um amigo, ou namorada, iria mostrar o que estava
acontecendo. Mas o escriturário não conhecia ninguém a não ser os colegas de
escritório. Colegas, não amigos. Ele abriu a camisa, enfiou as orelhas para
dentro. Enrolou uma toalha na cabeça, como se estivesse machucado.
Quando
chegou na pensão, a orelha saia pela perna da calça. O escriturário tirou a
roupa. Deitou-se, louco para dormir e esquecer. E se fosse ao médico? Um
otorrinolaringologista. A esta hora da noite? Olhava o forro branco. Incapaz de
pensar, dormiu de desespero.
Ao
acordar, viu aos pés da cama o monte de uns trinta centímetros de altura. A
orelha crescera e se enrolara como cobra. Tentou se levantar. Difícil.
Precisava segurar as orelhas enroladas. Pesavam. Ficou na cama. E sentia a
orelha crescendo, com uma cosquinha. O sangue correndo para lá, os nervos,
músculos, a pele se formando, rápido. Às quatro da tarde, toda a cama tinha
sido tomada pela orelha. O escriturário sentia fome, sede. Às dez da noite, sua
barriga roncava. A orelha tinha caído para fora da cama. Dormiu.
Acordou
no meio da noite com o barulhinho da orelha crescendo. Dormiu de novo e quando
acordou na manhã seguinte, o quarto se enchera com a orelha. Ela estava em cima
do guarda-roupa, embaixo da cama, na pia. E forçava a porta. Ao meio-dia, a
orelha derrubou a porta, saiu pelo corredor. Duas horas mais tarde, encheu o
corredor. Inundou a casa. Os hospedes fugiram para a rua. Chamaram a polícia, o
corpo de bombeiros. A orelha saiu para o quintal. Para a rua.
Vieram
os açougueiros com facas, machados, serrotes. Os açougueiros trabalharam o dia
inteiro cortando e amontoando. O prefeito mandou dar a carne aos pobres. Vieram
os favelados, as organizações de assistência social, irmandades religiosas,
donos de restaurantes, vendedores de churrasquinho na porta do estádio,
donas-de-casa. Vinham com cestas, carrinhos, carroças, camionetas. Toda a
população apanhou carne de orelha. Apareceu um administrador, trouxe sacos de
plástico, higiênicos, organizou filas, fez uma distribuição racional.
E
quando todos tinham levado carne para aquele dia e para os outros, começaram a
estocar. Encheram silos, frigoríficos, geladeiras. Quando não havia mais onde
estocar a carne de orelha, chamaram outras cidades. Vieram novos açougueiros. E
a orelha crescia, era cortada e crescia, e os açougueiros trabalhavam. E vinham
outros açougueiros. E os outros se cansavam. E a cidade não suportava mais
carne de orelha. O povo pediu uma providência ao prefeito. E o prefeito ao governador.
E o governador ao presidente.
E
quando não havia solução, um menino, diante da rua cheia de carne de orelha,
disse a um policial: "Por que o senhor não mata o dono da orelha?"
Triste fim do orelhudo!
ResponderExcluirGostei de ler.
.. Que conto sinistro kkkkk
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