A crônica que reproduzimos abaixo é da
autoria de Domingos Pellegrini.
Para maiores informações sobre o autor,
favor consultar: http://www.record.com.br/autor_sobre.asp?id_autor=2599.
Boa leitura!
SOBRE O
PROFESSOR DE HISTÓRIA
O professor de História, no seu primeiro
dia de aula, entra e os alunos nem percebem, conversando, falando ou jogando no
celular. Ele escreve na velha lousa um imenso H, e depois vai desenhando
cabeças com bigodes e barbas, enxada, foice. A turma foi prestando atenção,
trocando risinhos, e agora espera curiosa. Finalmente ele fala:
– Não vamos estudar aquela História com
H, só com heróis e grandes eventos! Vamos estudar a partir da nossa história,
daonde e como viemos. Por exemplo, como é seu sobrenome?
– Oliveira.
– Pois é, muitos Oliveiras têm esse nome
porque eram imigrantes europeus, fugidos de perseguições religiosas, então
adotavam nomes de árvores ou plantas, Oliveira, Pereira, Trigueiro e tantos
outros. E o seu sobrenome?
– Santos.
– Foi o nome adotado por muitos
ex-escravos ou filhos mestiços de fazendeiros com escravas. Você é, como diz o
IBGE, pardo, o que não é vergonha nem demérito algum, ao contrário, a maioria
do povo brasileiro é pardo. E o seu sobrenome?
– Vicentini.
– Origem italiana. Os italianos, como os
espanhóis, alemães, japoneses, vieram para cá para bater enxada, trabalhar nos
cafezais quando os escravos foram libertados.
O engraçadinho da turma levanta o braço:
– Meu sobrenome é Silva, professor. Tem
mais Silva na lista telefônica que formiga em formigueiro. Daonde eu vim?
– Da selva. Silva é selva, em latim. Foi
o nome dado pelos romanos antigos aos que vinham das florestas para morar na
cidade, eram os “da selva”. Se a gente pensar que a maioria das pessoas morava
no campo há meio século, e depois se mudou em massa para as cidades, a origem
do nome até se justifica.
A turma espera em silêncio: aonde ele
quer chegar?
– Proponho o seguinte. Vocês conversem
com seus pais, avós, tios, para saber dos antepassados. Da onde vieram, por
que, trabalharam e viveram onde e como. Cada um contará então a história de sua
família, e daí vamos situar essa história familiar na história social. Vamos
falar da cafeicultura, por exemplo, depois que alguém falar que seu avô
trabalhou com café.
Uma mocinha levanta a mão:
– Não só meu avô, professor, minha avó
conta que também trabalhava. Levantava às cinco, fazia café, dava de mamar ao
nenê, porque ela diz que sempre tinha um nenê no ombro, outro na barriga e uma
criança na barra da saia. Depois de fazer o café e tratar das galinhas,
recolher os ovos, tirar leite das vacas e cuidar da horta, ela ia levar marmita
pro meu avô e os filhos maiores no cafezal, e ficava lá também batendo enxada
até o meio da tarde, quando voltava pra preparar e janta e…
– Bem, só com isso que você contou
podemos estudar a cafeicultura e o feminismo, comparando as famílias daquele
tempo e de hoje, tantas mudanças. Cada um de vocês, com sua história, vai
acender o fogo do conhecimento em cada aula. Eu só vou botar lenha, dar as
informações, vocês vão dar vida à História, que aí, sim, vai merecer H
maiúsculo! Combinado?
Os alunos aplaudem, entusiasmados,
comentam: nossa, massa, uau, professor maneiro!… Saem, e depois ele, saindo, dá
com o diretor nervoso:
– Eu ouvi sua aula, professor, aqui ao
lado da porta, como faço com todo novato! O senhor tire essas ideias da cabeça,
viu? Vai ensinar conforme o programa, começando pelo descobrimento, as três
caravelas, a calmaria etc. Entendido? Ora, onde já se viu, História viva… Só
por cima do meu cadáver!
O professor novato vai pelo corredor,
sentindo-se morrer por dentro. Na sala dos professores, nas paredes estão
Tiradentes e o crucifixo de Jesus, dois mártires. Ele chora, perguntam por que,
apenas consegue dizer “não é nada, é uma longa História”.
Fonte: http://ativandoneuronios.com/2012/04/16/sobre-o-professor-de-historia-cronica-de-domingos-pellegrini/.
É bem assim mesmo, sempre existe alguém nos podando a criatividade. Amei a crônica!
ResponderExcluirNossa! Adorei a leitura, e é desse jeito mesmo que acontece.
ResponderExcluirBoa crônica!
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