Capitulo
20 - Surpresa
Viviane
se aproximou com a bandeja na mão do escritório do seu avô. Antes que pudesse
bater à porta, percebeu que o avô e o advogado falavam algo que a deixou
interessada. Ficou calada e aproximou o ouvido da porta, mas não pode ouvir
mais nada. Abriu a porta de leve, deixando uma pequena brecha. Súbito, seu
rosto empalideceu, sem que percebesse, derrubou a bandeja que estava em suas
mãos e, assustada, saiu correndo, quase esbarrando em Emanuela, que estava indo
para a biblioteca.
Alguém apareceu
na porta do escritório. Era o Dr. Tarcísio. Ele olhou para a bandeja e as os
cacos deixados pelas xícaras que haviam caído no chão.
— O que
aconteceu aqui? – perguntou, enquanto Emanuela ainda olhava para trás,
intrigada com o comportamento de Viviane.
— Jovem?
– Tarcísio chamou a atenção de Manu.
Emanuela
percebeu que o advogado falava com ela.
— O que
aconteceu? – perguntou ele um pouco confuso.
— Ah... Não
foi nada... Só um acidente.
O Dr.
Tarcísio fechou a porta intrigado. De repente, Gabriele chegou um pouco
assustada.
— O que
aconteceu Emanuela? – perguntou, enquanto via a garota apanhar a bandeja e os
cacos que havia no chão. – Por favor... Não faça isso. Deixe isso com os
empregados. Você pode se machucar. – e ajudando Emanuela a levantar-se. – Você
sabe o que aconteceu?
— Viviane...
Ela veio entregar a bandeja com o café. Eu não sei o que aconteceu, de repente,
ela derrubou a bandeja e saiu correndo.
Gabriele
pareceu extremamente preocupada, saiu e Emanuela seguiu atrás dela. Subiram a
escada e encontraram a senhorita Sônia descendo.
— Onde ela
está? – perguntou Gabriele à jovem governanta.
— Eu a vi
entrando no quarto. – respondeu Sônia imediatamente.
Gabriele
e Emanuela subiram e foram à porta do quarto de Viviane. Gabriele tentou abrir,
mas estava fechada.
— Vivi! –
chamou preocupada. – Viviane, minha filha. Por favor, abra a porta. O que
houve?
Nada se
ouviu.
— Minha
filha. Por favor, abra a porta para a sua mãe. Você está bem?
— Eu não
quero falar com ninguém. Me deixe em
paz! – Viviane respondeu do quarto.
— Abra a
porta, Vivi. – insistiu Gabriele - Eu quero saber o que aconteceu, minha filha.
Você está bem?
Viviane
parecia chorar dentro do quarto.
— Me deixa em paz! Me deixa em paz! Que droga! Por que voltou? Por quê? Faça como
sempre fez, apenas me deixe sozinha! Volte para a Itália e viva a sua vida. Por
que continua fazendo da minha vida um inferno?!
Emanuela
percebeu que aquelas palavras foram realmente duras, pois Gabriele pareceu
ficar um pouco deprimida. Ela fez um gesto como que pronta para bater à porta novamente,
mas desistiu. Apenas olhou para a porta e suspirou. Emanuela pode perceber seu
olhar de tristeza. Gabriela se recompôs e se preparava para sair, quando a
garota a tocou no braço.
— Não vai
tentar mais uma vez?
— Não...
É melhor deixá-la sozinha. A minha presença só a perturbaria mais ainda. –
disse, saindo.
***
O Dr.
Otávio olhou para Tarcisio que acabara de fechar a porta.
— O que
aconteceu? – perguntou ele.
— Não foi
nada... Parece que uma das empregadas derrubou a bandeja que carregava. Mas,
voltando ao assunto, o que o senhor pretende fazer depois de mudar o
testamento. O senhor vai fazer a cirurgia ou não? Vai informar à sua família?
Otávio
pareceu pensativo.
— Vou. Eu
já pensei bastante nisso.
— Então,
pretende fazer o mais rápido possível? Por que, se a situação é como o senhor
me disse, quanto mais tarde, menores serão as chances...
— Eu sei.
Mas, por enquanto, vou adiar dizer isso à família por mais uma semana. Passando
esse domingo, no próximo, é o aniversário da Viviane, quero que seja um dia sem
preocupações para ela. Depois disso, eu informo a todos tanto sobre minha
cirurgia.
***
Fabiano
encontrou com Rafael nos corredores do hospital. Os dois, naquele dia, estavam
muito ocupados.
— Muitas
cirurgias, Dr. Fabiano? – perguntou Rafael.
— E
como... – disse sorrindo. – E você?
— Você
sabe que eu não faço cirurgias ainda. No máximo, apenas acompanho. – e olhando
para os lados. – Já está sentindo falta daquela paciente? A Rebeca?
Fabiano
pareceu não se importar com a brincadeira do colega.
— Por que
eu sentiria falta? Afinal, pacientes vão e vem desse hospital.
Rafael
pareceu ficar um pouco mais sério.
— Mas o
que ela realmente tem? Quer dizer, a amnésia dela não deveria ter durado mais
que um dia...
Fabiano
pareceu pensativo.
— Tem
razão. A amnésia dela, se fosse devido ao traumatismo, deveria durar no máximo
24 horas.
— Isso
quer dizer...?
— Isso
quer dizer que na verdade é uma amnésia dissociativa retroativa. Pelo menos,
foi o que o Dr. Lúcio disse.
Rafael
ficou pensativo.
— Por
isso que ele disse a mim que duraria alguns dias... Mas a amnésia dissociativa
não é de ordem psicológica?
— Isso. –
respondeu Fabiano. – E retroativa é mais raro ainda. Ela não consegue se
lembrar de nada do que aconteceu antes do trauma. O Dr. Lúcio suspeita que algum
trauma psicológico tenha acontecido momentos antes do acidente e que talvez
seja até a causa do próprio acidente, visto que, segundo os peritos, o carro em
que ela estava não aparentava ter qualquer problema.
— Então,
ela poderia ter desmaiado ao volante ao passar por um trauma psicológico... –
disse Rafael pensativo.
— É uma
hipótese. Algo que ela viu momentos antes do acidente. Algo que lhe causou um
grande trauma psicológico causou essa amnésia.
— Essa
Rebeca é realmente um mistério. – comentou Rafael. – Não me admira que você
esteja interessado nela.
Fabiano
apenas se limitou a olhar o amigo de forma repreensiva.
— Mas
Fabiano... – disse ele com um tom preocupado. – Você acha que não seria
descuidado deixá-la morar sozinha? Quer dizer, você deve saber quais são os
sintomas...
— Eu já
resolvi isso. – disse ele, tentando se acalmar mais do que dar uma explicação
ao colega. - Hoje mesmo uma enfermeira começará a cuidar dela.
***
Depois de
algum tempo, Viviane abriu a porta. Assim que abriu, tomou um susto. Emanuela
estava em pé, encostada na porta do quarto da frente como que esperando por
ela.
— Posso
conversar com você um pouco? – perguntou Emanuela, olhando para Viviane.
— Eu não
tenho nada para conversar com você. – disse ela rispidamente.
— Mas eu
tenho algo para dizer. – disse Emanuela.
Emanuela
entrou no quarto de Viviane sem que Vivi tivesse qualquer reação.
— Já
disse que não tenho nada para conversar com você e não há nada que eu queira
ouvir de você.
Emanuela olhou
para Viviane.
— Para o
seu próprio bem, é melhor ouvir o que eu tenho a dizer.
Viviane
riu-se.
— Agora
está me ameaçando? Ok... Então fala logo. Não gosto de desperdiçar meu precioso
tempo com vermes aproveitadores como você.
Emanuela
não entendeu.
— Vermes aproveitadores
como eu? Do que está falando?
— Você
acha que eu não sei? Você e sua irmã estão querendo se aproveitar do meu avô.
— Eu não
sei mesmo do que está falando. – disse Emanuela ainda mais confusa.
Viviane
riu sarcástica.
— Ainda
com esse teatrinho? Vocês podem enganar a todos com sua atuação, mas não a mim.
Além do plano ridículo de vocês, que
tipo de favores vocês ofereceram ao meu avô para convencê-lo? – Vivi olhou
Emanuela de cima a baixo - Não me admiraria se vocês usassem o próprio corpo...
De
repente, ouviu-se um estalo seco. Emanuela acabara de dar uma tapa em Viviane. As
duas permaneceram em silêncio. Viviane segurava o rosto ainda sentindo o dor
causado pela tapa que Emanuela lhe dera.
— Não
acha que foi longe demais? – perguntou Emanuela, tentando não parecer tão
irritada quanto estava. – Mesmo que não respeite a mim nem a minha irmã,
deveria pelo menos respeitar o seu avô.
Viviane
olhava Emanuela com raiva.
— Se eu
respeito ou não, isso não é da sua conta. Saia do meu quarto agora!
— Entendo
que por alguma razão esteja com raiva... Mas não desconte as suas próprias
frustrações em pessoas que não tem nada a ver com isso.
Viviane
parecia confusa e irritada.
— Do que
está falando?
— A sua
mãe... – disse Emanuela com certa tristeza na voz. – Você não se importa nem um
pouco com ela. Estou aqui há pouco tempo e já percebi o quando você a trata
mal. Você acha que ela não sofre?!
Viviane
sorriu sarcástica.
— A forma
como eu trato a minha mãe não é da sua conta. Você como todos os outros também
caíram na atuação dela. Aquela mulher deixou de ser minha mãe há muito tempo.
— Você a
odeia tanto assim?
— Sim...
Eu a odeio. Quero que ela sofra da mesma forma que senti quando ela me deixou
aqui. Quero que ela se sinta rejeitada da mesma forma que eu me senti. E depois
que ela sofrer bastante, quero que ela desapareça da minha vida! Respondi a sua
pergunta? - e apontando para a porta - Agora, saia do meu quarto!
Emanuela
se dirigiu para a porta. Antes de sair, olhou para Viviane.
— Falo
por experiência própria... Você deveria ter muito cuidado com o que deseja. – e
com o olhar vago - Às vezes, elas acontecem e não importa o quando se
arrependa, não dá para voltar atrás depois. – disse, saindo.
Viviane
permaneceu calada por um instante. De repente, deitou-se na cama e chorou
tentando abafar o barulho com o travesseiro.
Logo ao
sair, Emanuela deu de cara com Gabriele que estava parada em frente à porta de
Viviane. Mariana também estava ali a esperando.
Emanuela
olhou para Gabriele e percebeu uma expressão melancólica no olhar. De repente, ela
pareceu perceber a presença da garota.
— Me desculpe pelo comportamento da minha
filha.
— Eu que
peço desculpas pelo que eu fiz. Por causa do que eu fiz e do que eu disse, ela
falou coisas horríveis de se ouvir.
Gabriele
sorriu compreensiva.
— Não a
julgue tão mal. No final das contas, eu sou culpada por isso. – disse, saindo
em seguida.
Emanuela
observou-a se afastando. Mariana olhou para a irmã.
— Tios
que passam a maior parte do tempo trabalhando... – disse - Irmã mimada que
odeia a própria mãe. Madrasta que se culpa, quando ela deveria se sentir
magoada. Avô que mente para as próprias netas. – suspirou - Que família
complicada. E eu pensava que ricos não tinham problemas.
Emanuela
olhou para a irmã.
— Só você
para pensar algo assim... O ser humano é complicado com ou sem dinheiro.
De
repente, Mariana lembrou-se de algo que tinha ouvido.
— Mas
Manu... Aquilo que você disse sobre ter cuidado com o que deseja e sobre falar
por experiência própria... Do que exatamente estava falando?
— Ah... Foi
só modo de expressão... – disse Emanuela aparentemente desconcertada - Quem
nunca desejou algo que não se arrependeu depois, não é?
Mariana
observou a irmã com curiosidade.
***
A
enfermeira chegou ao endereço que o Dr. Fabiano lhe dera. Entrou no prédio e
subiu até o 14° andar. Andou por um corredor e parou em frente ao apartamento
103. Era ali que Rebeca morava. Apertou a campainha, mas ninguém atendeu.
Tentou mais algumas vezes sem sucesso. Percebeu que alguém entrava no
apartamento vizinho e chamou a sua atenção.
— Com
licença. – disse ela. – Tem alguém morando nesse apartamento, não tem?
— Sim. –
respondeu a mulher que estava com algumas sacolas na mão. – Se não me engano,
chegou ontem... Ela, por acaso, está doente?
— Por
quê? – perguntou a enfermeira curiosa.
A mulher
se aproximou da enfermeira.
— Ela me
parecia muito abatida... – e em tom de confidência. – Parecia um pouco
depressiva, como se tivesse perdido um ente querido, você sabe.
—
Depressiva? – perguntou a enfermeira, ficando preocupada.
— Sim... Isso
me lembra um primo meu que tentou suicídio ano passado... – disse a mulher
displicente.
A enfermeira
pensou por alguns instantes.
— Quem
tem as chaves de todos os apartamentos? – perguntou a enfermeira de repente.
— O
síndico. – respondeu a mulher. – O que...?
— Você
pode me levar até ele? É urgente. A vida de uma pessoa pode estar em perigo.
Passaram-se
cinco minutos desde a chamada do síndico até que a porta do apartamento de
Rebeca fosse aberta. A enfermeira entrou junto com o síndico e a vizinha. Ao
chegarem ao quarto, a vizinha soltou um grito. No chão, Rebeca estava caída,
desacordava e em suas mãos um vidro de comprimidos vazio. A enfermeira correu e
verificou a pulsação de Rebeca.
— Ela
está m-morta? – perguntou a vizinha assustada.
— Não. Mas
corre perigo... – respondeu a enfermeira, tentando manter a calma e olhando
para o sindico. – Por favor, chame uma ambulância do Hospital Alcântara! Agora!
***
Rebeca
foi levada às pressas para a emergência e foi atendida com rapidez. Fabiano
logo descobriu que ela se encontrava no hospital. Duas horas se passaram até
que ele pudesse entrar no quarto dela.
Quando
entrou, logo percebeu que ela estava acordada.
— Você
está bem? – perguntou ele. – Disseram que você sofreu uma crise alérgica por
causa de um medicamento.
— Sim...
Eu o comprei na farmácia. Percebi na própria pele que não podemos nos automedicar.
Fabiano
deixou-se tranquilizar com um suspiro.
— Pensei
que você... – disse, parando a frase no meio.
— Pensou
o quê? – perguntou ela.
—
Desculpa, por um momento pensei que você... Você tinha tentado suicídio.
Rebeca
ficou um pouco surpresa.
— O quê?
Suicídio?
Fabiano
pareceu ficar sem jeito.
— Quer
dizer, pessoas com amnésia geralmente podem ficar deprimidas e vir a...
— Eu
entendi. – disse ela, interrompendo-o.
Os dois
ficaram em silêncio por um momento.
— Sabe,
Dr. Fabiano... – disse com o olhar vago - Não se lembrar de nada do que
aconteceu consigo mesma é realmente assustador. Não ter no que pensar ou não
reconhecer o rosto de qualquer pessoa... É realmente assustador. Mais do que
isso... Assustador e solitário. – e olhando para ele - Mas, apesar de não me lembrar
de nada, eu posso dizer com toda certeza, eu nunca desistiria da minha própria
vida.
Fabiano
sorriu um pouco envergonhado.
— Me
desculpe... Nem sou seu médico. Nem deveria estar aqui. Realmente, peço
desculpas.
— Então o
que está fazendo aqui? – perguntou ela como que querendo saber se ele sabia a
resposta para aquela pergunta.
Fabiano
sorriu com o olhar distante. Sentou-se próximo a cama onde Rebeca estava
deitada.
— Você me
perdoaria se eu dissesse que me preocupo com você porque me lembra outra
pessoa?
Rebeca
sorriu.
— Não
estou em condições de rejeitar qualquer ajuda ou preocupação, não importa o
motivo, estou?
— Tem
razão.
— E essa
pessoa... – disse ela - Quem era?
— É uma
história um pouco longa...
— Eu
tenho tempo agora, se quiser. Como pode ver, não tenho absolutamente nada para
fazer no momento. – disse.
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