Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 104
Participam deste capítulo
Cyro - Tarcísio Meira
Otto - Jardel Filho
Paulus - Emiliano Queiroz
Von Muller - Jorge Cherques
Catarina - Lídia Mattos
Lia - Arlete Salles
CENA 1 - MANSÃO DE OTTO MULLER - SALA - INTERIOR - DIA
TAMBÉM VON MULLER PREOCUPARA-SE COM A RESSONÂNCIA DA REPORTAGEM, ASSUNTO-BOMBA EM TODOS OS RECANTOS DA CAPITAL E DAS CIDADES MAIS PRÓXIMAS. NAQUELA TARDE, O EX-CARRASCO NAZISTA PROCUROU O FILHO EM SUA RESIDENCIA. ENCONTROU OTTO MULLER GRUDADO AOS JORNAIS.
OTTO - Estava esperando você, papai. Precisamos conversar.
VON MULLER - Ia... Ia. Eu já saberr do que se trata. Li jornais.
PAULUS - Estamos num beco sem saída. O escândalo não vai resolver coisa alguma, se Naná não está disposta a impedir a posse dos novos proprietários.
OTTO - Podemos obrigá-la a impedir!
VON MULLER - Acabo de saberr que Naná foi viajar, parra fugir das repórteres... naturalmente querr fugirr de nós também.
OTTO - Então, nada feito. E eu não sei mais o que fazer. Em último caso, vou impedir pela força.
PAULUS - (voltou-se para o velho alemão) Estava exatamente dizendo que ele não pode fazer isso. Vai perder a prefeitura em questão de horas. Qualquer ato menos honesto e o governo manda intervir e aí será muito pior para ele.
VON MULLER - Non, non pode. Você tem de estarr dentro da lei, Otto.
OTTO - Mas se eu não posso agir dentro da lei, o que é que eu faço?
VON MULLER - Você pode, e vai agirr. Eu trazer o solução.
OS OLHARES SE CONCENTRARAM NO ROSTO ODIENTO DO EX-CRIMINOSO DE GUERRA. VON MULLER SE LEMBRAVA DAS TRAMAS MAQUIAVÉLICAS DA GESTAPO PARA INCRIMINAR UM HOMEM.
OTTO - Não há solução a não ser que consigamos impedir a viagem de Naná e a obriguemos a assinar o impedimento... pela força.
VON MULLER - (sorriu sinistramente) Nana vai darr procuração parra Dr. Paulus agirr em nome dela... sem que parra isso tenhamos que interromperr viagem...
OTTO - Como, papai? Não entendo...
VON MULLER - Vamos falsificar assinatura dela!
PAULUS - (quase pulou da cadeira) Falsificar?! Mas... como?
OTTO - (recriminou-o) Fale baixo, idiota!
VON MULLER - Otto não poderr usarr seu cargo parra tomar medidas mais enérgicas. Serria o mesmo que se destituir, pois ele ter de dar satisfação à assembleia e às autoridades. Mas, dentro da lei, ele poderr agirr com razão.
PAULUS - Falsificar uma assinatura não é andar dentro da lei!
OTTO - (tornou a investir contra o assecla) Só nós sabemos disso, imbecil! E se você não der com a língua nos dentes, ninguém jamais saberá o que fizemos.
PAULUS - (trêmulo e indeciso) Sinceramente... eu tenho... medo. No momento em que for descoberto, não só você terá de prestar contas... mas eu também. Confesso que gostaria de me limpar para poder ter um futuro junto da mulher que amo. E desta maneira... parece que afundamos cada vez mais!
OTTO - Se quiser, saia da jogada! Eu o despeço. Mas vou fazer tudo para que você não se case com Ester! Será que não entende? É a única oportunidade que temos de lutar contra aqueles patifes que estão escondendo e protegendo Cyro Valdez. Agora, se você não está de acordo em que devemos destruir esse homem, afaste-se definitivamente de nós. Eu e papai agiremos sozinhos contra ele!
VON MULLER - Se perdermos esse oportunidade, jamais conseguirremos vencê-lo.
OTTO - O que devemos fazer, papai?
VON MULLER - Onde estão cartas de Elisa? Por elas, posso fazer um estudo de seu letra.
OTTO ABRIU A GAVETA DA ESCRIVANINHA E ENTREGOU AO PAI O MAÇO DE CARTAS. VON MULLER EXAMINOU ALGUMAS DETIDAMENTE. AJEITOU-AS SOBRE A MESA.
VON MULLER - (com entusiasmo) Eu conseguirr... Mas eu precisarr de um advogado de confiança.
PAULUS - Está certo... contem comigo. Mas devemos ter muito cuidado. Depois disso, Otto, não podemos nos comprometer em outra coisa tão perigosa. Pense no seu cargo... pense no que nos acontecerá se isso que estamos fazendo vier a público. Seremos todos presos, Otto! Você, principalmente, será o maior prejudicado... você sabe que não se pode brincar com a lei. Muito menos um prefeito!
OTTO - Droga! Largue tudo, se quiser! Mas não agoure! Ninguém vai descobrir nada!
PAULUS - Então... vamos lá... vamos tratar da procuração de Elisa Liberato.
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O CERCO CONTRA CYRO VALDEZ FORA PERFEITO E A AÇÃO DO DELEGADO NÃO PODERIA TER SIDO MAIS RACIONAL. O EMISSÁRIO FINGINDO-SE DOENTE, TINHA IDO À VILA EM BUSCA DE SOCORROS MÉDICOS. CYRO NÃO O TINHA ATENDIDO, MAS O DR. TOLEDO VERIFICARA, AO PRIMEIRO EXAME, QUE O HOMEM NADA REGISTRAVA DE MAL.
VEIO A FALSA CONFISSÃO. O EMISSÁRIO SE DECLARARA PAGO POR ESTER PARA LHE TRAZER UM RECADO. A MULHER ESPERAVA CYRO NUM HOTEL, À BEIRA DA ESTRADA, NAS PROXIMIDADES DA PONTA DOS MARISCOS. APESAR DOS CONSELHOS DE JONAS E DOS DEMAIS COMPANHEIROS, CYRO CAIU NUMA CILADA.
A LUTA FOI DESLEAL. UM HOMEM SÓ CONTRA UM CHOQUE POLICIAL. MAS OS PODERES MENTAIS DO MÉDICO, OU SEJA LÁ O QUE FOSSE, FAVORECERAM SUA FUGA, MESMO COM O EIXO DO CARRO QUEBRADO. CYRO CONSEGUIU FUGIR PARA UM POVOADO PRÓXIMO E ALI, AO LADO DOS AMIGOS, OPÔS RESISTÊNCIA FÉRREA AOS HOMENS DO DELEGADO. E FUGIU.
CENA 2 - MANSÃO DE OTTO MULLER - SALA - INTERIOR - NOITE
OTTO MULLER ENTROU LÍVIDO EM SUA RESIDENCIA, PUXANDO DE UMA PERNA. VIU LIA DE COSTAS, PREPARANDO UM DRINQUE E DONA CATARINA LENDO UM ROMANCE, ESTIRADA NO SOFÁ.
CATARINA - (perguntou, ao vê-lo de cara fechada) Era Cyro mesmo?
OTTO - Não, mamãe! Não era ele! Conseguiu escapar mais uma vez. Quem foi preso foi um companheiro dele.
LIA VOLTOU-SE, GARGALHOU DOIDAMENTE. OTTO OLHOU-A ESPANTADO, COM AS MÃOS CRISPADAS.
OTTO - O que é que ela tem, mamãe?
LIA - Estou alegre! Porque não prenderam o Dr. Cyro! Bem feito, Otto! Bem feito! Bem feito!
CATARINA - Ela bebeu demais, meu filho.
OTTO - Percebe-se. Agora deu para isso.
LIA - (tomando mais uma dose) Bebi sim. E vou beber muito mais. Sabe pra que, Otto? Pra esquecer que sou casada com um tipo como você!
O ALEMÃO FECHOU OS PUNHOS, AMEAÇADOR. LIA IGNOROU-LHE A RAIVA.
OTTO - Você está me irritando!
LIA - Eu sei que estou te irritando. Você não gosta quando alguém lhe diz verdades. Você prefere que todo mundo finja na sua frente. Que minta para você.
OTTO - Ninguém nunca me mentiu, nem fingiu para mim...
LIA - (levou as mãos à boca) Meu Deus do Céu! Só fazem mentir e fingir pra você! Sua mãe, eu... Dr. Paulus, seus assessores... seus capangas todos! Todos mentem para você!
OTTO - Todos podem ser hipócritas, fingidos... mas mamãe não! Mamãe nunca mentiu pra mim!
E OTTO CORREU PARA A VELHA.
LIA - (impiedosa) Quando ela diz que você é o homem mais forte do mundo... o mais belo... o mais ágil... o mais poderoso... ela está mentindo! Porque ela sabe que você é um covarde, um pretensioso, um fraco, um débil mental, com jeito de bicha! E ela mente, por sentir pena de você! O que todos sentem é só isso. Pena. Pena de você!
OTTO LEVANTOU-SE E ESBOFETEOU VIOLENTAMENTE A ESPOSA.
OTTO - Mentirosa! Mentirosa! Má! Má!
LIA BERRAVA AINDA, ENQUANTO OTTO SUBIA ARFANTE A ESCADA QUE O CONDUZIRIA AOS SEUS APOSENTOS.
LIA - O mais forte! O mais belo! O mais ágil! O mais poderoso homem do mundo! Viva Otto Muller! O machão! Viva!
CATARINA ERGUEU AS SAIAS E APREENSIVA, CORREU ATRÁS DO FILHO. SUBIU APRESSADA AS ESCADAS E ENTROU NO QUARTO DE OTTO MULLER. OTTO RESFOLEGAVA, DEITADO SOBRE O COBERTOR ROSA.
CATARINA SENTOU-SE AO SEU LADO E ALISOU-LHE A TESTA. PEGOU NO TELEFONE, ALI, NA MESINHA DE CABECEIRA E DISCOU NERVOSAMENTE UM NÚMERO.
CATARINA - Dr. Max! Venha depressa! Otto está passando mal! Por favor! Obrigada! (voltou-se para o filho) Meu amor, ela está bêbada! E pessoa embriagada só diz bobagens! Ela tem inveja, porque eu digo a você que é o homem mais belo do mundo! Ela queria que você pedisse a ela para dizer! Como você nunca pediu... ela se sente... em segundo plano na sua vida! É com isso que ela não se conforma. Tem ciúmes porque eu e você nos damos muito bem. (Otto a observava, assustado, com o coração aos saltos; a mão comprimindo o peito) Você, meu filho, ainda é o homem mais belo do mundo, o mais forte, o mais atraente!
OTTO - (com a voz afinando) Não sou! Não sou! Você está mentindo!
CATARINA - Olhe... espere... eu tenho uma coisa aqui para provar o que estou dizendo! (remexeu em alguns papéis numa gaveta e retirou uma revista alemã) Veja isto aqui (a revista datava de 1938. Berlim) É a descrição de um homem de raça pura... é idêntico a você... veja. O mesmo físico, o mesmo semblante... a mesma cor dos olhos. Tudo! Parece até aquele artista de cinema... famoso... como é mesmo o nome dele? Ah, Yul Brynner! Lembra-se? Cabecinha careca como a sua!
OTTO - Você está mentindo!
CATARINA - (folheou rapidamente a revista) E depois... veja isto aqui! Olhe! As medidas exatas de um halterofilista! São exatamente as suas medidas! Eu não estou mentindo, veja!
OTTO PEGOU NA REVISTA E FIXOU O MODELO. UM ALEMÃO DE PEITO LARGO E BRAÇOS CHEIOS DE MONTANHAS.
OTTO - Estou vendo!
CATARINA - Observe... medida do pescoço... a sua. Do pulso... exatamente a sua. Medida do antebraço... sua também! Está vendo, não está?
OTTO - Estou.
CATARINA - Então, acha que eu tenho necessidade de mentir?
OTTO - (fechou a revista e caiu nos braços da mãe, a soluçar) Ninguém gosta de mim, mamãe! Só você! Só!
CATARINA - Oh, meu querido! Mas que bobagem! Chorar por causa disso! Lia é uma tonta! Não existe ninguém como você na face da terra! (pegou na ponta do queixo do filho e cochichou-lhe ao ouvido) Há muitas mulheres apaixonadas por você! É que ninguém quer dizer ou pode dizer a verdade! Você é um homem muito importante! Casado! Queria ver se você fosse um artista de cinema ou de televisão, por exemplo! Se tivesse oportunidade de aparecer nas telas! Seria um ídolo, meu filho! Capaz de despertar paixões nas mulheres mais honestas e recatadas! Elas iriam morrer de desejo por você!
OTTO - É verdade, mamãe? Você acha?
CATARINA LEVANTOU-SE, APANHOU UM ESPELHO DE MÃO E ENTREGOU-O AO FILHO. OTTO EVITOU OLHAR-SE NO PEQUENO OBJETO EM FORMA DE CORAÇÃO.
CATARINA - Veja como é bonito!
ENQUANTO A MÃE BEIJAVA-LHE A TESTA E SE AFASTAVA DO QUARTO, OTTO MOVEU A MÃO E EMPUNHOU O ESPELHO. SORRIA, MOVENDO O ROSTO PARA TODOS OS LADOS. E SE CONVENCIA, DEFINITIVAMENTE, DE QUE NÃO EXISTIA OUTRO HOMEM MAIS BELO EM QUALQUER PARTE DO MUNDO.
OTTO - (com ar feliz) Machão e belo!
Cheguei a sentir pena de Otto, que carente! Mas, muito mau!
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