Ele
era ator e diretor, mais diretor que ator, mas, acima de tudo, um grande
provocador.
Nosso
homenageado desta semana é Antônio Abujamra.
Abujamra
demonstrou por muitos anos ser um artista que transitava entre o erudito e o
popular. Prova disso é que fez sucesso na TV como o bruxo Ravengar, da novela
Que Rei Sou Eu?, e apresentou um programa de entrevistas acima da média como
era o Provocações, na TV Cultura de São Paulo, em que as perguntas fugiam
sempre do trivial.
A
figura inteligente de Abu, como era chamado pelos amigos, vai fazer muita falta
em um ambiente intelectual tão pobre, como é o do Brasil.
Obrigado,
Abu, pelas provocações e representações!
Descanse
em paz!
Para
saber mais sobre esse artista, favor consultar: http://www.museudatv.com.br/inicio/?p=1727.
Com
o objetivo de homenageá-lo, reproduzimos abaixo três vídeos.
O
primeiro traz pequeno trecho de sua participação na novela Que Rei Sou Eu?, de
1989.
Para
maiores informações sobre a novela, favor acessar: http://www.teledramaturgia.com.br/que-rei-sou-eu/.
Os
dois seguintes contêm duas declamações de textos, que ele fazia frequentemente
no início e no final de seu programa Provocações.
No
segundo, interpreta trecho do texto "Eu sei, mas não devia" da
escritora Marina Colasanti.
Para
saber mais sobre essa autora, favor consultar: http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=615391.
Por
fim, nos brinda com pequena parte do texto “Esquece o Futuro”, do autor francês
Montaigne.
Se desejar mais informações sobre Montaigne,
favor acessar: http://www.e-biografias.net/michel_de_montaigne/.
PRIMEIRO VÍDEO
Eu
sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A
gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que
não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar
para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo
as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais
cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a
amplidão.
A
gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar
o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode
perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair
do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A
deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A
gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a
guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os
números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas
negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa
duração.
A
gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso
ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado
quando precisava tanto ser visto.
A
gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar
para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a
fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada
vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter
com que pagar nas filas em que se cobra.
A
gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver
anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir
publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável
catarata dos produtos.
A
gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de
cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na
luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À
lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de
madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter
sequer uma planta.
A
gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando
não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta
acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco
o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto
do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de
semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A
gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se
acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e
baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos
poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)
Fonte:
http://www.youtube.com/watch?v=PCn47IfUEWk
O
TEXTO DO VÍDEO
ESQUECE
O FUTURO
Esquece
o futuro. Ele não te pertence. O presente te basta. Mas é preciso ser rápido
quando ele é mau presente, e andar devagar quando se trata de saboreá-lo.
Expressões como “passar o tempo” espelham bem a maneira de viver dessa gente
prudente, que imagina não haver coisa
melhor para fazer da vida. Deixam passar o presente, esquivam-se,
ignoram o presente, como se estar vivo fosse coisa desprezível.
A
natureza nos deu a vida em condições tão favoráveis, que só mesmo por nossa
culpa ela poderá se tornar pesada e inútil.
Fonte:
http://excentricidadeseesquisitices.blogspot.com.br/2011/08/esquece-o-futuro.html.
Realmente vai fazer muita falta. Lindas declamações! Merecida homenagem!
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