O
texto abaixo é de autoria de Paulo Mendes Campos.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://brasilescola.uol.com.br/biografia/paulo-mendes.htm.
Boa
leitura!
MENINA
NO JARDIM
Em
seus 14 meses de permanência neste mundo, a garotinha não tinha tomado o menor conhecimento
das leis que governam a nação. Isso se deu agora na praça, logo na chamada República
Livre de Ipanema.
Até
ontem ela se comprazia em brincar com a terra. Hoje, de repente, deu-lhe um
tédio enorme do barro de que somos feitos: atirou o punhado de pó ao chão,
ergueu o rosto, ficou pensativa, investigando com ar aborrecido o mundo
exterior. Por um momento seus olhos buscaram o jardim à procura de qualquer
novidade. E aí ela descobriu o verde extraordinário: a grama. Determinada, levantou-se
do chão e correu para a relva, que era, vá lá, bonita, mas já bastante
chamuscada pela estiagem.
Não
durou mais que três minutos seu deslumbramento. Da esquina, um crioulão de
bigodes, representante dos Poderes da República, marchou até ela, buscando
convencê-la de que estava desrespeitando uma lei nacional, um regulamento
estadual, uma postura municipal, ela ia lá saber o quê.
Diga-se,
em nome da verdade, que no diálogo que se travou em seguida, maior violência se
registrou por parte da infratora do que por parte da Lei, um guarda civil feio,
mas invulgarmente urbano.
-
Desce da grama, garotinha - disse a Lei.
-
Blá blé bli bá - protestou a garotinha.
-
É proibido pisar na grama - explicou o guarda.
-
Bá bá bá - retrucou a garotinha com veemência.
-
Vamos, desce, vem para a sombra, que é melhor.
-
Buh buh - afirmou a garotinha, com toda razão, pois o sol estava mais agradável
do que a sombra.
A
insubmissão da garotinha atingiu o clímax quando o guarda estendeu-lhe a mão
com a intenção de ajudá-la a abandonar o gramado. A gentileza foi revidada com
um safanão. Dura lex sed lex.
-
Onde está sua mamãe?
A
garotinha virou as costas ao guarda, com desprezo. A essa altura levantou-se do
banco, de onde assistia à cena, o pai da garota, que a reconduziu, sob chorosos
protestos, à terra seca dos homens, ao mundo sem relva que o Estado faculta ao
ir e vir dos cidadãos.
A
própria Lei, meio encabulada com o seu rigor, tudo fez para que o pai da
garotinha se persuadisse de que, se não há mal para que uma brasileira tão
pequenininha pise na grama, isso de qualquer forma poderia ser um péssimo
exemplo para os brasileiros maiores.
-
Aberto o precedente, os outros fariam o mesmo - disse o guarda com imponência.
-
Que fizessem, deveriam fazê-lo - disse o pai.
-
Como? - perguntou o guarda confuso e vexado.
-
A grama só podia ter sido feita, por Deus ou pelo Estado, para ser pisada. Não
há sentido em uma relva na qual não se pode pisar.
-
Mas isso estraga a grama, cavalheiro!
-
E daí? Que tem isso?
-
Se a grama morrer, ninguém mais pode ver ela - raciocinou a Lei.
-
E o senhor deixa de matar a sua galinha só porque o senhor não pode mais ver
ela?
O
guarda ficou perplexo e mudo. O pai, indignado, chegou à peroração:
-
É evidente que a relva só pode ter sido feita para ser pisada. Se morre, é
porque não cuidam dela. Ou porque não presta. Que morra. Que seja plantado em
nossos parques o bom capim do trópico. Ou que não se plante nada. Que se
aumente pelo menos o pouco espaço dos nossos poucos jardins. O que é preciso
plantar, seu guarda, é uma semente de bom-senso nos sujeitos que fazem os regulamentos.
-
Buh bah - concordou a menina, correndo em disparada para a grama.
-
O senhor entende o que ela diz? - perguntou o guarda.
-
Claro - respondeu o pai.
-
Que foi que ela disse agora?
-
Não a leve a mal, mas ela mandou o regulamento para o diabo que o carregue.
Lindo texto, gostei muito!
ResponderExcluirInteressante essa crônica!
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