O
texto abaixo é de autoria de Paulo Briguet.
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maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.folhadelondrina.com.br/blogs/paulo-briguet/.
Boa
leitura!
MINHA
MÃE E O VASO DE CRISTAL
Mãe,
Hoje
faz sete anos que você partiu. É difícil acreditar que já faz tanto tempo. O
número sete, como você sabe, é o número de Deus, da totalidade, da completude;
mas a saudade que eu sinto é algo que nunca chega ao fim, de modo que você
passou a fazer parte de mim, uma falta que amo e sem a qual não me reconheço. O
silêncio entre duas palavras que digo é um silêncio seu; a luz que meus olhos
não captam é uma luz sua; o intervalo entre duas preces que elevo a Deus é uma
oração sua.
Hoje
me lembrei de uma cena que deve ter ocorrido no ano de 1977, em nosso pequeno
apartamento na Rua Vitorino Carmilo, em São Paulo. Eu estava brincando de
Batman na sala - talvez a Fernanda fosse a Batgirl -, quando minha capa se
enroscou em um pequeno vaso de cristal, espatifando-o no chão. Você ficou
brava, pois era o seu vaso preferido. Diante dos cacos, eu prometi um dia
compraria um vaso igual àquele para lhe dar de presente.
Infelizmente,
você foi embora sem que eu cumprisse a promessa. Ao longo da vida, dei-lhe de
presente vários vasos, mas nenhum igual àquele. Carrego-o na memória com
nitidez: era pequeno, afunilado, de uma delicadeza ímpar.
Eu
viria a quebrar outros vasos, principalmente na adolescência e na juventude.
Quando você se angustiava com minhas longas noitadas, quando rezava para que eu
voltasse à Igreja, quando se preocupava com meu extremismo político - era como
se você estivesse diante dos cacos daquele vaso, suplicando pelo milagre de sua
reconstituição. Mas agora não era brincadeira de Batman: era a própria vida.
Hoje eu sei que aqueles cacos eram a minha alma.
Tenho
sempre o mesmo sonho, mãe. Fui convidado para uma grande festa, e estou ansioso
para participar dela. O lugar da festa varia bastante: pode ser na República da
Humaitá, no Clube Atlético Mirandópolis, no Colégio Anglo de Araçatuba, na Casa
Pia São Vicente de Paulo, no salão de festas do prédio da Tia Lia, na casa do
Marcelo Rocha, no Bar do Paulinho, no Bar Brasil, numa casa com lareira em
Curitiba, no Clube da Esquina, no campus da UEL.
O
problema com esse sonho é que sempre, sempre alguma coisa me impede de ir à
festa. Por algum motivo, bem na hora do grande evento, eu durmo, fico doente,
perco o endereço ou sou chamado para algum trabalho emergencial. Às vezes chego
a entrar na antessala da festa, mas bebo demais e sou expulso pelos seguranças.
Agora
eu sei que o verdadeiro nome dessa festa é Céu. Enquanto eu estiver envolvido
com problemas mundanos, não poderei entrar lá. Resta-me trabalhar e amar, o
quanto puder, para que um dia possa comprar o vaso de cristal e levar-lhe de
presente na eternidade.
Lindo e emocionante! Amei ler.
ResponderExcluirA crônica mais linda que li até hoje!
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