quinta-feira, 22 de novembro de 2018

SESSÃO LEITURA - MINHA MÃE E O VASO DE CRISTAL - PAULO BRIGUET

O texto abaixo é de autoria de Paulo Briguet.
Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.folhadelondrina.com.br/blogs/paulo-briguet/.
Boa leitura!

MINHA MÃE E O VASO DE CRISTAL

Mãe,

Hoje faz sete anos que você partiu. É difícil acreditar que já faz tanto tempo. O número sete, como você sabe, é o número de Deus, da totalidade, da completude; mas a saudade que eu sinto é algo que nunca chega ao fim, de modo que você passou a fazer parte de mim, uma falta que amo e sem a qual não me reconheço. O silêncio entre duas palavras que digo é um silêncio seu; a luz que meus olhos não captam é uma luz sua; o intervalo entre duas preces que elevo a Deus é uma oração sua.
Hoje me lembrei de uma cena que deve ter ocorrido no ano de 1977, em nosso pequeno apartamento na Rua Vitorino Carmilo, em São Paulo. Eu estava brincando de Batman na sala - talvez a Fernanda fosse a Batgirl -, quando minha capa se enroscou em um pequeno vaso de cristal, espatifando-o no chão. Você ficou brava, pois era o seu vaso preferido. Diante dos cacos, eu prometi um dia compraria um vaso igual àquele para lhe dar de presente.
Infelizmente, você foi embora sem que eu cumprisse a promessa. Ao longo da vida, dei-lhe de presente vários vasos, mas nenhum igual àquele. Carrego-o na memória com nitidez: era pequeno, afunilado, de uma delicadeza ímpar.
Eu viria a quebrar outros vasos, principalmente na adolescência e na juventude. Quando você se angustiava com minhas longas noitadas, quando rezava para que eu voltasse à Igreja, quando se preocupava com meu extremismo político - era como se você estivesse diante dos cacos daquele vaso, suplicando pelo milagre de sua reconstituição. Mas agora não era brincadeira de Batman: era a própria vida. Hoje eu sei que aqueles cacos eram a minha alma.
Tenho sempre o mesmo sonho, mãe. Fui convidado para uma grande festa, e estou ansioso para participar dela. O lugar da festa varia bastante: pode ser na República da Humaitá, no Clube Atlético Mirandópolis, no Colégio Anglo de Araçatuba, na Casa Pia São Vicente de Paulo, no salão de festas do prédio da Tia Lia, na casa do Marcelo Rocha, no Bar do Paulinho, no Bar Brasil, numa casa com lareira em Curitiba, no Clube da Esquina, no campus da UEL.
O problema com esse sonho é que sempre, sempre alguma coisa me impede de ir à festa. Por algum motivo, bem na hora do grande evento, eu durmo, fico doente, perco o endereço ou sou chamado para algum trabalho emergencial. Às vezes chego a entrar na antessala da festa, mas bebo demais e sou expulso pelos seguranças.
Agora eu sei que o verdadeiro nome dessa festa é Céu. Enquanto eu estiver envolvido com problemas mundanos, não poderei entrar lá. Resta-me trabalhar e amar, o quanto puder, para que um dia possa comprar o vaso de cristal e levar-lhe de presente na eternidade.

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