O
texto abaixo é de autoria de Raduan Nassar.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://www.releituras.com/rnassar_bio.asp.
Boa
leitura!
AÍ
PELAS TRÊS DA TARDE
(para
José Carlos Abbate)
Nesta
sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis escreventes
dividiram entre si o bom senso do mundo, aplicando-se em idéias claras apesar
do ruído e do mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o
homem moderno (espécie da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um
tanto excluído), largue tudo de repente sob os olhares a sua volta, componha
uma cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais
escribas mais severos, dê um largo "ciao" ao trabalho do dia, assim como
quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em
hora tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza dos armários,
que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos olhares
interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se
instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí
os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a
importância das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em
pêlo, mas sem ferir o decoro (o seu decoro, está claro), e aceitando ao mesmo
tempo, como boa verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um
banhista incerto, assome em seguida no trampolim do patamar e avance dois
passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez, embaixo, o surto
abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem pressa, degrau por
degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, que
cobrem a boca com a mão enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles
calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre
com a mesma cara de louco ainda não precipitado) e se achegue depois, com
cuidado e ternura, junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no
terraço. Largue-se nela como quem se larga na vida, e vá ao fundo nesse
mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos e, com um impulso do pé (já não
importa em que apoio), goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.
Texto
extraído do livro "Menina a caminho", Companhia das Letras - São
Paulo, 1997. pág.71.
Fiquei imaginando a cena e rindo sozinha. Gostei de ler!
ResponderExcluirAchei estranho kk
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