O
texto abaixo é de autoria de Walcyr Carrasco.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.ebiografia.com/walcyr_carrasco/.
Boa
leitura!
MEU
CACHORRO
Meu
cachorro está doente. É um husky e tem 14 anos. Dizem os conhecedores da raça
que 12 anos é o tempo normal de vida. Mas sempre tive esperança de que fosse
muito além. A mãe viveu até os 17. Seu nome é Uno. Não é muito comum, mas tem
um motivo. Meu irmão e minha cunhada, há muitos anos, resolveram montar um
canil em Campinas. Só de huskies. Compraram macho e fêmea de uma linhagem
gloriosa. O avô, importado do Canadá, foi até capa de revista especializada.
Registraram o canil. Alimentaram o casal, deram vacinas e prepararam-se para
fazer fortuna. Logo uma ninhada estaria a caminho. Meu irmão fez as contas. Na
época, o husky era muito valorizado. Com um certo número de cãezinhos, teria um
bom lucro!
Nasceu
um. Sim, um somente! Ganhou o nome de Uno, e me foi dado de presente. A grana
ficou na imaginação.
Uno
me acompanha desde então, em várias fases da minha vida. Até no desemprego!
Cheguei a escrever crônicas para uma revista canina usando seu nome e sua foto.
Também um livro infanto-juvenil, Mordidas que Podem Ser Beijos, em que é o
protagonista. Muita coisa inventei. Mas não sua mania de fugir de casa. Quando
morei numa chácara na Granja Viana, Uno escalava o alambrado com a agilidade de
um gato. Assim são os huskies, um tanto felinos. Disparava até o lago e fugia
com um pato entre os dentes. Eu que me visse às voltas com a direção do
condomínio – donos são para quebrar o galho, devem pensar os cachorros.
Escondia-se na reserva florestal e só voltava ao entardecer, com o estômago
cheio!
Um
terror, o meu cachorro! Duas vezes, bravamente, capturou ouriços. Dezenas de
espinhos penetraram seu pelo. Entraram em sua boca. Eu nunca vira um espinho de
ouriço. É duro, pontudo! Impressionante. Fiquei a seu lado enquanto o
veterinário arrancava um por um.
Mudei
para a cidade. Meu cachorro envelheceu e passa longas horas deitado a meu lado
vendo televisão. Deve achar um absurdo tantos tiros, beijos, lágrimas e juras
de amor. Gosta de, simplesmente, ficar do meu lado. Ao olhá-lo, tenho uma
sensação de conforto. Às vezes se levanta, bota a cabeça nas minhas pernas e eu
coço suas orelhas. Sua boca se estica. Tenho a impressão de que é um sorriso.
Há
algum tempo começou a ficar doente. Ainda parece saudável. Seu pelo castanho
brilha. Mas surge uma coisa aqui, outra ali. Toma remédio para o coração.
Laxantes. Chega a uivar baixinho – huskies não latem.
É a
terceira vez que o envio ao veterinário em duas semanas. Agora, nem conseguia
ficar em pé, de tão frágil. Sinto angústia só de pensar em sua imensa solidão,
longe do tapete onde costuma dormir, sendo picado, mal comendo e,
principalmente, sem alguém que lhe acaricie o pelo. A doença deve ser um
mistério para ele mesmo.
O
amor de um cão é incondicional. Vejo mendigos na rua acompanhados de cachorros
esquálidos que não os abandonam e até os protegem nas noites escuras. Vejo
crianças a quem o cão ajuda a conhecer o afeto. Eu sei que meu cachorro está
partindo. Se não for agora será daqui a semanas ou meses, pois uma coisa vira
outra, e outra. Ou ele não conseguirá resistir ou chegará a um ponto em que
terei de dar um nó no coração e abreviar seu sofrimento. Eu tenho de resistir e
fazer o melhor. Coçar sua barriga e falar palavras docemente. E, se puder,
quando chegar a hora, colocá-lo em meu colo e dizer quanto o amo.
Quando
me sentei diante do computador, queria escrever linhas engraçadas, repletas de
bom humor. Foi impossível. Meu sentimento falou mais alto. Quem já amou um cão
entende minha dor.
Linda crônica! E é de fazer chorar, principalmente quem tem bichos idosos em casa. Amei ler!
ResponderExcluirMuito boa essa crônica!
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