Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 22
Participam deste capítulo
Cyro – Tarcísio Meira
Ester - Glória Menezes
Orjana - Neusa Amaral
Prof. Valdez - Enio Santos
Bárbara - Zilka Salaberry
Clara - Lícia Magna
CENA 1 - CASA DE ESTER - SALA - INTERIOR - NOITE
DEPOIS DE CIRCUNDAR O QUARTEIRÃO E TOMAR A LINHA DA PRAIA, ESTER RESOLVEU MUDAR OS PLANOS. LEMBROU-SE DE SUA CASA. VAZIA.
CYRO - Por que você se mudou daqui?
ESTER - Fui obrigada.
CYRO - Por ele, seu marido?
ESTER - Não. Pelas circunstâncias. Estávamos brigando na justiça pela posse do nosso filho. E ele ganhou. O menino teria de ficar na sua casa. Ele então propôs que eu ficasse com o Ivanzinho... e eu aceitei. É uma situação estranha e desagradável, porque nós nos odiamos. Mas eu não tinha escolha.
CYRO - Acho estranho que ele tenha aceito, já que podia ter o menino, sem ter você dentro de casa.
ESTER - (com um tom vingativo na voz) Ele também não tinha escolha.
CYRO - (franziu a testa) Não entendo...
ESTER - Essa é uma outra história... (pediu, aflita) Por favor, vamos mudar de assunto.
CYRO - (segurou-lhe as mãos) Por que você não confia em mim? Está sempre se fechando... temendo que eu não aceite ou não compreenda, não sei o que.
ESTER - Há momentos de nossa vida em que a gente prefere esquecer... ou pelo menos não lembrar.
CYRO - Eu entendo... não quero torturar você. Só sinto que talvez eu pudesse ajudá-la...
ESTER - Não! Infelizmente, você não me pode ajudar em nada!
CYRO - (com aspereza) Em outras palavras, você não precisa de mim!
ESTER - Não se trata de precisar ou de não precisar. Trata-se de ter o direito... de ter capacidade...
CYRO - (transtornado) Capacidade de que?
ESTER - De amar! De amar!
CYRO - Você acha que não tem?
ESTER BAIXOU OS OLHOS E ENCOSTOU A TESTA NO PEITO DE CYRO, ENQUANTO SUAS MÃOS PROCURAVAM AS DELE.
ESTER - Não! Quem passou pelo que passei, não pode mais amar, nada pode fazer para dar felicidade a alguém. Foi por isso que lhe pedi para se afastar de mim.
CYRO - Mas você está vendo que isso não é mais possível! Nós estamos aqui e...
ESTER - (cortou) ... e vai ser pela última vez!
CYRO - (afirmou, enérgico) Não! Não vai ser pela última vez! Intimamente, você sabe que não!
ESTER - (fazia força para não explodir numa crise de choro) É preciso... entenda! É preciso! Você viu, eu moro na mesma casa, sob o mesmo teto, com o homem a quem odeio! O homem que me obrigou à maior humilhação a que uma mulher pode ser submetida! Pense nisso!
CYRO - Mas essa é uma situação que tem de ser solucionada. Eu posso tirá-la de lá!
ESTER - (chamou-o à razão) E meu filho? Vou deixar que seja criado por um monstro e se transforme num monstro também?
A VEEMÊNCIA DA MULHER DEIXOU O MÉDICO SEM AÇÃO. O FILHO. SIM, HAVIA O FILHO.
CYRO - (insistiu) Eu preciso de uma decisão sua.
ESTER - A respeito de que?
CYRO - De nós!
ESTER CRUZOU A SALA E ENCHEU DOIS COPOS COM PEDRAS DE GELO, DERRAMANDO DUAS DOSES DE UÍSQUE PURO. ENTREGOU UM DOS COPOS AO MÉDICO. CYRO SEGUROU-O, SEM VONTADE.
CYRO - Naquela noite da festa... quando me despedi do seu marido, eu vi... Ele e você vão ser vítimas de um desastre.
ESTER - (estremeceu) Como você sabe?
CYRO - Vi... um carro capotando numa estrada... e vi você gritando. Parece bobagem... e tomara que seja mesmo. Mas eu ia morrer de remorso se por desgraça acontecesse e eu não lhe tivesse avisado. Você talvez não leve a sério... eu mesmo fico muito constrangido... me sinto um pouco charlatão, vidente... mas a verdade é que essas coisas já me aconteceram outras vezes. Posso ver o que vai acontecer...
ESTER - (visivelmente impressionada) Você é um homem estranho, Cyro! Muito estranho!
CYRO - Não. Sou um homem como os outros, mas amo você e não quero que nada lhe aconteça.
CYRO PUXOU-A PARA SI, COMO SE TIVESSE MEDO DE PERDÊ-LA E A BEIJOU NOS LÁBIOS, COM O PENSAMENTO NA TRÁGICA PREMONIÇÃO.
ESTER - (no limite de suas forças) Que vai ser de nós? Que vai ser de nós?
CORTA PARA:
Cyro (Tarcisio Meira) e Ester (Gloria Menezes) |
CENA 2 - PORTO AZUL - CASA DE BÁRBARA - SALA - INTERIOR - DIA
CLARA, A CRIADA, OLHOU PELA JANELA E VOLTOU-SE, AFLITA, PARA A VELHA BÁRBARA.
CLARA - São eles, sim! Vêm vindo aí, com mala e tudo!
BÁRBARA - Então os sem-vergonhas vieram mesmo! É preciso não ter um pingo de... Eu não quero nem olhar pra cara deles! Vou lá pra dentro...
A VELHA RAPIDAMENTE DESAPARECEU NO FUNDO DO CASARÃO, ENQUANTO CLARA ESCONDEU-SE POR TRÁS DE UM POSTIGO, SEM SABER O QUE FAZER.
CLARA - A senhora num vai recebê eles?
BÁRBARA - (sem se deter) Não. Receba você. Diga que eu tou no quarto, com dor de cabeça, invente qualquer coisa.
CYRO TOCOU A CAMPAINHA. SORRIA MALICIOSO. ENTROU COM ORJANA E O PROF. VALDEZ, AS MALAS ENCHENDO UM BOM PEDAÇO DA SALA DECORADA COM FLORES NATURAIS E VELHOS MÓVEIS EM ESTILO COLONIAL.
CYRO - Dona Bárbara?
CLARA - (constrangida) Tá no quarto, com dor de cabeça, doutô! Os senhores fiquem à vontade...
CYRO - Ela está doente? Então... eu vou lá ver.
CLARA - (deu um salto, postando-se à frente do rapaz) Eu acho que ela num qué... acho melhó o sinhô não i...
CYRO - Mas eu sou médico!
CLARA - Então é melhó eu i perguntá a ela se ela qué que o sinhô vá lá. Com licença!
A EMPREGADA SAIU, DEIXANDO OS RECÉM-CHEGADOS INTRIGADOS COM SEUS MODOS ESTRANHOS.
PROF. VALDEZ - (comentou, acre) Pra mim, essa velha não tá com enxaqueca, coisa nenhuma! Fez isso só pra não nos receber!
ORJANA - Você está certo de que ela concordou?
CYRO - Claro, mãe! Eu sou algum louco?
PROF. VALDEZ - Eu também não estou acreditando. Ou então ela está preparando alguma!
CYRO - (recriminou-o) Veja se o senhor também não fica com prevenção. O que eu quero é que vocês vivam bem. Que acabem com essa inimizade tola. Passem uma borracha no passado.
ORJANA - Seria bom. Mas só o fato de estar de novo aqui, nesta casa, me dá uma coisa...
BÁRBARA - Talvez seja remorso.
TODOS OS OLHOS VOLTARAM-SE PARA A FIGURA MAL-HUMORADA, CARA DE POUCOS AMIGOS, QUE ACABARA DE ENTRAR NA SALA DE VISITAS. BÁRBARA EVITAVA OLHAR OS RECÉM-CHEGADOS, MAS NÃO PÔDE FUGIR DO ABRAÇO CARINHOSO DO NETO.
CYRO - Minha avó! (beijou-a, feliz) A senhora está com uma aparência ótima. Nem parece que está com enxaqueca!
BÁRBARA – Mas estou! Ou você quer saber mais do que eu?
AINDA INDECISA, SEM SABER AO CERTO O QUE FAZER – FUGIR? FICAR? – ORJANA APROXIMOU-SE E BEIJOU A MÃE NO ROSTO.
CYRO - Assim!
ORJANA - (falou com timidez) Cyro disse que... que acertou com a senhora nós virmos para cá...
BÁRBARA - É, ele falou comigo. Ele é um demônio!
CYRO ABRIU UM SORRISO DE CRIANÇA FELIZ.
PROF. VALDEZ - (arriscou, em meio tom, evitando encarar a ex-esposa) É preciso sinceridade nisso.
CYRO - Vovó vive muito só neste casarão. Vai ser bom pra ela...
ORJANA - Nós não queremos que a senhora faça isso constrangida.
CYRO - Quem disse que ela está constrangida? Se estivesse, ela dizia. Não é, vovó?
BÁRBARA ESTENDEU UM OLHAR DE CENSURA PARA O NETO.
BÁRBARA - (pouco à vontade) Claro!
CYRO - Vamos levar essas malas pros quartos!
O RAPAZ SEGUROU DUAS MALAS PELAS ALÇAS E AGUARDOU A INICIATIVA DA AVÓ.
ORJANA - Onde vamos ficar?
BÁRBARA - (sem fitar a filha de criação, respondeu com modos duros) Você fica no quarto que era seu!
ORJANA SURPREENDEU-SE A SORRIR, COM LÁGRIMAS NOS OLHOS. FATO QUE NÃO PASSOU DESPERCEBIDO A BÁRBARA.
BÁRBARA - O rapaz fica no quarto ao lado do seu.
PROF. VALDEZ - E eu?
BÁRBARA - Você? (fez uma careta) Você pode ficar no quarto dos fundos... em cima da garagem.
PROF. VALDEZ - Ótimo!
CYRO - Ótimo, por quê?
PROF. VALDEZ - Porque assim eu fico bem longe dela!
BÁRBARA IA RESPONDER, VERMELHA DE RAIVA, MAS O NETO, MAIS UMA VEZ, INTERPÔS-SE.
CYRO - Não ligue, vovó! O vovô anda meio rabugento...
BÁRBARA - Você não precisa me dizer. Conheço esse velho desde menino. Vivi com ele 13 anos. Nunca prestou! Nunca!
FIM DO CAPÍTULO 22
...e na próxima quinta, o 23. capítulo!
Gostei tanto desse capítulo! Só quero ver como vão ser as coisas quando Cyro não estiver no casarão, Bárbara, Orjana e o Professor Valdez vão nos garantir boas risadas rsrsrs.
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