O conto abaixo é da autoria de Paulo
Maldonado.
Para maiores informações sobre o autor,
favor acessar: http://www.umacoisaeoutra.com.br/literatura/paulom.htm.
Boa leitura!
CONTRÁRIOS
Porque empregadas domésticas levam
sobras de fartura das patroas, depois de um sábado de faxina, a mãe chega com
um monte de bugigangas. No meio do pacote, um violãozinho de brinquedo, dois
palmos se tanto, sem cordas, quebrado.
O menino não vê mais nada. Obceca
encantado. Toda curiosidade e capacidade lúdica de seu espírito à espera
daquele instrumento. Improvisa. Pede cola à vizinha para tapar rachadura do
tampo e lustra com bombril. Dia seguinte, no terreiro da escola de samba, só
larga do pé do vigia ao conseguir cordas velhas de violão e lascas de
goma-laca. Com palitos de sorvete e pirulito, improvisa rastilho, pestana e
novas cravelhas. Lustra o compensado. Trabalha como refinado luthier, obrando
um Stradivarius. Afina a gosto as cinco cordas, sobe para a laje da casa e, sem
a mãe saber dele, só sai ao anoitecer. Imita a posição de mãos dos violeiros e
toca.
Simbiose perfeita, entre o pequeno
violão e o moleque da morada de tijolo aparente, em rua de barro. Ali, onde a
adversidade, uma vez em um milhão, encontra caminho na arte de suportar
vicissitude, dor, solidão. Menino observador de coisas olha pardais no farpado
de cercas, andorinhas no fio de luz, diferencia formato de folhas e flores,
nuanças de verde, noites de lua com claro-escuro e grilos, com sutis
dessemelhanças de estrelas e ruídos. Percebe comportamento de bichos e pessoas:
cor de olhos, tom de pele, pena e pelagem, tipo de boca, dentes, canto, voz.
Passa tempo na quadra com sambistas, sente ritmos e a melodia, passos de dança.
Tudo observa e escuta. É espontaneamente moldado para o oficio das artes. Está
pronto para aprender a tocar sem parar e se tornar um artista em perfeição. Tem
futuro garantido se continuar improvisando, superar contrários e deslembrar que
o pai sumiu faz tempo, quase sempre falta comida, toda semana vê presunto
desovado na vala, o irmão menor morreu de descaso do posto de saúde, teve bala
perdida no filho da vizinha, não está mais na escola porque a mãe trabalha e
precisa de tomar conta da irmã que mal começa a andar.
Fonte: http://www.umacoisaeoutra.com.br/literatura/paulom.htm.
Tão bonito esse conto! Emocionante!
ResponderExcluirMuito bom!
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