A
crônica abaixo é da autoria de Rubem Alves.
Para
maiores informações sobre o autor, favor consultar: http://www.releituras.com/rubemalves_bio.asp.
Boa
leitura!
OS
ARTISTAS
Meu
pai foi homem rico em tempos antes do meu nascimento. Lembro-me só dos tempos
de pobreza dos quais não tenho nem uma só memória triste. Isso deve soar
estranho aos pais que pretendem dar felicidade aos seus filhos e tranqüilidade
a si mesmos locupletando-os com brinquedos que logo ficam velhos e são
abandonados. O que dá alegria às crianças não é a multiplicidade dos brinquedos
mas a simplicidade dos desejos. Eu desejava pouco; portanto o pouco que eu
tinha era muito.
Albert
Camus escreveu nos Primeiros Cadernos: "Que pode um homem desejar de
melhor do que a pobreza? Não disse miséria nem o trabalho sem esperança do
proletário moderno. Mas não vejo o que pode desejar-se mais do que a pobreza
ligada a um ócio ativo".
No
meu ócio ativo entenda-se ócio ativo como o tempo livre para fazer o que eu
quisesse, sem a perturbação da presença dos adultos -eu fazia meus próprios
brinquedos. Está tudo contado no livro que escrevi para minhas netas
"Quando eu era menino" (Papirus).
Mas
antes de ir à falência e ficar pobre meu pai era dono de muita coisa na cidade.
Fábricas, imóveis, serraria. Novidadeiro, apresentou à população pacata de Boa
Esperança um assombro do progresso: água açucarada colorida endurecida e fria
em torno de um pauzinho que era para ser chupada. Era o picolé que durante
muitos dias foi o grande assunto das rodas de conversas dos ricos e dos pobres.
Como é que a água mole ficava dura? Era também dono do cinema que passava
filmes mudos explicados aos berros por um italiano. Profissão que não existe
mais: explicador de filmes...
Pois
um dia chegou a Boa Esperança pela jardineira que vinha de Três Pontas um
casalzinho diferente, dois moços, que tinha ares de cidade grande. Ficaram
perdidos ao descer da jardineira porque lá não havia nem pensão e nem hotel.
Para agravar o embaraço havia o fato de serem artistas de teatro que chegavam
àquele lugarzinho perdido para se apresentarem num espetáculo.
Sem
saber o que fazer, foram procurar o Diano, meu pai, apelido do nome mais
estranho que já vi, Herodiano... Meu pai logo se apressou e levou os dois para
se hospedarem na sua casa. Alugaram o cinema do meu pai por uma noite e
prometeram pagar com o lucro do espetáculo.
Meu
pai, olhando para aquele casalzinho, pensou: "Mas ninguém vai gastar
dinheiro para ver esses dois. Eles vão dar um espetáculo para ninguém..."
Meu
pai não suportava ver ninguém sofrer. Pois sabem o que ele fez? Comprou a
lotação inteira do seu próprio cinema e distribuiu os bilhetes pelo povo,
gratuitamente.
O
cinema ficou lotado. Ninguém recusa presente dado. O espetáculo foi um sucesso.
Os artistas ficaram exultantes. Foram pagar o aluguel. Meu pai não aceitou.
Saíram de Boa Esperança com a cara cheia de risos e o bolso cheio... de
dinheiro do meu pai...
O
nome do artista homem nunca me foi dito. Mas o nome da artista mulher era Dercy
Gonçalves. É possível que ela nem mais se lembre desse ocorrido.
Esse
episódio me veio à memória porque, se não me engano, no dia 23 de junho a
eterna Dercy completou 100 anos. Ô, mulher maravilhosa. O tempo não pode com a
alma dela!
Fonte: http://cronicasbrasil.blogspot.com.br/search/label/Dercy.
Linda crônica!!
ResponderExcluirQue crônica legal! Gostei muito de ler.
ResponderExcluir