quinta-feira, 13 de novembro de 2014

SESSÃO LEITURA - RELATO DE UM HOMEM SUPERSTICIOSO

O conto abaixo é da autoria do escritor inglês Thomas Hardy.
Para saber mais sobre o autor, favor consultar: http://educacao.uol.com.br/biografias/thomas-hardy.jhtm.
Boa leitura!

O RELATO DE UM HOMEM SUPERSTICIOSO

– Houve algo de muito estranho na morte de William.  Deveras, muito estranho – suspirou com melancolia o homem na parte de trás do vagão.  Era o pai do granjeiro, que até agora havia guardado silêncio.
– O que pode haver sido? –perguntou o Sr. Lackland.
– William, como muitos sabem, era um homem singular, calado. Era possível senti-lo quando estava próximo.  E se estava em casa ou em outro lugar qualquer, próximo a alguém, algo úmido adensava o ar, como se a porta do porão estivesse aberta de lado a lado.  Bem, era domingo.  William estava aparentemente em bom estado de saúde.  O sino chamava os paroquianos à igreja para o primeiro ofício.  O sacristão disse que havia anos não sentia em suas mãos o sino tão pesado  e que ele temia que isso significasse uma morte na paróquia.
Era domingo, como disse.  Na semana anterior, numa noite, a senhora de William estivera até tarde passando roupas, já que havia lavado para o Sr. e para  a Sra. Hardcome.  O marido havia terminado o jantar e ido para cama, como de costume, há uma ou duas horas. Enquanto passava roupas, ela o ouviu descendo a escada.  Ele parou para calçar as botas, que estavam ao pé da escada, onde sempre as deixava, e depois passou pela sala de estar – onde ela continuava trabalhando –, em direção à porta.  Esta era a única maneira de passar da escada ao exterior da casa.  Nenhum dos dois disse qualquer palavra. William não era homem de falar muito e a mulher estava ocupada com a sua tarefa.  Ela não fez caso disso, achando que o marido havia saído para fumar o cachimbo ou para uma breve caminhada noturna. Assim, continuou passando roupas.  Pouco depois, concluiu seu trabalho e, dado que seu marido não regressara ainda, o esperou por um tempo, enquanto guardava a tábua e outras coisas, e deixava pronta a mesa para o desjejum matinal.   O marido demorava a voltar, mas supondo que ele logo voltaria, ela decidiu deitar-se, cansada que estava. Deixando a porta sem chave, seguiu em direção à escada, depois de escrever com giz na porta: “Lembre-se de fechar a porta” (já que ele era um homem muito esquecido).
Para a sua grande surpresa – e, digamos, alarme –, ao chegar ao pé da escada, deu-se conta de que as botas de seu marido continuavam ali, onde ele as havia deixado quando subiu para descansar.  Tendo subido e chegado ao dormitório, ela  encontrou o marido na cama, dormindo como uma pedra.  Como poderia ter ele voltado sem que ela não o visse ou escutasse, isto estava além de sua compreensão. Ele deve ter passado, silenciosamente, por suas costas, enquanto guardava a tábua de passar roupas.  Mas este pensamento não a deixou satisfeita. 
Era de todo impossível que ela não o percebesse entrar em uma sala de estar tão pequena. 
Ela não pôde desenredar este mistério, e isto a perturbava. Todavia, decidiu não incomodar o marido para inquiri-lo, e se deitou de vez.
No dia seguinte, ele se levantou bem mais cedo do que ela e saiu tranquilamente para trabalhar.  Portanto, a mulher aguardou o seu retorno para o almoço com grande ansiedade para ouvir a explicação. Meditar sobre o assunto durante toda a manhã a havia deixado ainda mais sobressaltada.  Quando chegou para comer, ele disse, antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa: “Qual é o significado destas palavras escritas com giz na porta?”. Ela lhe contou tudo e lhe perguntou sobre a noite anterior.  William declarou que jamais saíra da cama depois de deitar-se, tendo tirado a roupa, deitado e dormido quase instantaneamente, somente se levantando quando o relógio bateu as cinco. Então, partiu para o trabalho.
Betty Privett estava tão segura de que ele havia saído quanto de sua própria existência, e quase certa de que ele não havia retornado.  Não gostava de discutir com ele; assim, deixou o assunto como se um equívoco de sua parte.  Quando caminhava, mais tarde, por Longpuddle Street, encontrou-se com Nany, filha de Jim Weedle. Disse:
– Sim, Mrs. Privett – disse Nancy.  – Não conte a ninguém, mas ontem, como era a Véspera de Verão, alguns de nós fomos ao pórtico da igreja e só voltamos para casa por volta de uma hora da madrugada.
– Como? – disse Mrs. Privett.  – Foi ontem?  Deus, não me recordava.  Tive muito trabalho. 
Não posso me lembrar de quando é Véspera de Verão ou quando é Festa de São Miguel. 
Sempre tenho muito que fazer.
– Sim, e nós nos assustamos bastante com o que vimos.
– O que vocês viram?
– Bem, Nancy, vejo que está sonolenta hoje!
– Vocês certamente não se lembrarão, tendo ido para outros lugares ainda  tão jovens, mas por aqui se crê que, na Véspera do Verão,  as formas pálidas de todas as pessoas da paróquia que estão próximas da morte num prazo de  um ano podem ser vistas entrando na igreja. Os que conseguem vencer a doença ou enfermidade saem depois de um momento; os que estão
condenados a morrer, não voltam a sair.
– E o que foi que você viu?  – perguntou novamente a mulher de William.
– Bem – começou Nancy, retrocedendo –, não preciso dizer o que vimos ou a quem vimos.
– Você viu o meu marido – disse Betty Privett, serenamente.
– Bem, já que você falou – disse Nancy, lentamente –, creio que nós o vimos.  Mas estava muito escuro e estávamos assustados, e certamente pode não ter sido ele.
– Nancy, não precisa continuar.  Ele nunca saiu da igreja: eu sei tão bem quanto você.
Nancy não disse nem sim nem não àquela firme declaração e se calou.  Mas três dias depois, William Privett estava ceifando com John Chiles os campos de Mr. Hardcome. No calor do dia, os homens sentaram-se para comer alguma coisa sob uma árvore, esvaziando uma garrafa de vinho. Depois, ficaram sentados, a dormir.  John Chiles foi o primeiro a acordar, e quando olhou o companheiro de trabalho, viu um desses grandes e brancos seres que nós chamamos – por assim dizer – mariposas de moinho, que saiu da boca aberta de William enquanto dormia e ganhou distância, voando.  John achou que isto era muito estranho, já que William estivera trabalhando num moinho durante vários anos. Depois olhou o céu e percebeu, pelo andar do Sol, que eles haviam dormido por um longo tempo e, como William não acordava, John o chamou e disse que era hora de voltar ao trabalho.  Seu amigo permanecia imóvel, e quando John o tocou, percebeu que ele estava morto.
Mas vejam: neste mesmo dia, o velho Hookhorn desceu ao Longpuddle para buscar um cântaro de água.  E, quando regressou, a que pessoa disse haver visto descendo o arroio pela outra margem, senão William, que estava muito pálido e envelhecido?  Isto surpreendeu sobremaneira Philip Hookhorn, já que fazia vários anos que o pequeno filho de William – seu único filho – havia se afogado enquanto brincava nesse mesmo lugar... E isto havia atacado o bom juízo de William, eis que nunca mais foi visto próximo do Longpuddle depois desse fato, e todos sabiam que ele tomava um caminho que lhe custava meia milha a mais para evitar esse local.  Mais tarde,  disse-se  que William não poderia ter estado no arroio, já que se encontrava, nesse momento, a duas milhas de distância; isto sem contar o fato de que faleceu no mesmo momento em que foi visto.
– Uma história melancólica – observou o homem, depois de um minuto de silencio.
– Sim, sim. Bem, a vida tem bons e maus momentos – disse o pai do granjeiro.
Fonte: http://www.contosdeterror.com.br/index.php/contos-classicos/431-o-relato-de-um-homem-supersticioso.pdf.

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