O
conto abaixo é da autoria do escritor inglês Thomas Hardy.
Para
saber mais sobre o autor, favor consultar: http://educacao.uol.com.br/biografias/thomas-hardy.jhtm.
Boa
leitura!
O
RELATO DE UM HOMEM SUPERSTICIOSO
–
Houve algo de muito estranho na morte de William. Deveras, muito estranho
– suspirou com melancolia o homem na parte de trás do vagão. Era o pai do
granjeiro, que até agora havia guardado silêncio.
–
O que pode haver sido? –perguntou o Sr. Lackland.
–
William, como muitos sabem, era um homem singular, calado. Era possível
senti-lo quando estava próximo. E se estava em casa ou em outro lugar
qualquer, próximo a alguém, algo úmido adensava o ar, como se a porta do porão
estivesse aberta de lado a lado. Bem, era domingo. William estava
aparentemente em bom estado de saúde. O sino chamava os paroquianos à
igreja para o primeiro ofício. O sacristão disse que havia anos não
sentia em suas mãos o sino tão pesado e que ele temia que isso
significasse uma morte na paróquia.
Era
domingo, como disse. Na semana anterior, numa noite, a senhora de William
estivera até tarde passando roupas, já que havia lavado para o Sr. e para
a Sra. Hardcome. O marido havia terminado o jantar e ido para cama,
como de costume, há uma ou duas horas. Enquanto passava roupas, ela o ouviu
descendo a escada. Ele parou para calçar as botas, que estavam ao pé da
escada, onde sempre as deixava, e depois passou pela sala de estar – onde ela continuava
trabalhando –, em direção à porta. Esta era a única maneira de passar da
escada ao exterior da casa. Nenhum dos dois disse qualquer palavra.
William não era homem de falar muito e a mulher estava ocupada com a sua
tarefa. Ela não fez caso disso, achando que o marido havia saído
para fumar o cachimbo ou para uma breve caminhada noturna. Assim, continuou
passando roupas. Pouco depois, concluiu seu trabalho e, dado que seu
marido não regressara ainda, o esperou por um tempo, enquanto guardava a tábua
e outras coisas, e deixava pronta a mesa para o desjejum matinal. O
marido demorava a voltar, mas supondo que ele logo voltaria, ela decidiu
deitar-se, cansada que estava. Deixando a porta sem chave, seguiu em direção à
escada, depois de escrever com giz na porta: “Lembre-se de fechar a porta” (já
que ele era um homem muito esquecido).
Para
a sua grande surpresa – e, digamos, alarme –, ao chegar ao pé da escada, deu-se
conta de que as botas de seu marido continuavam ali, onde ele as havia deixado
quando subiu para descansar. Tendo subido e chegado ao dormitório, ela
encontrou o marido na cama, dormindo como uma pedra. Como poderia
ter ele voltado sem que ela não o visse ou escutasse, isto estava além de sua
compreensão. Ele deve ter passado, silenciosamente, por suas costas, enquanto
guardava a tábua de passar roupas. Mas este pensamento não a deixou
satisfeita.
Era
de todo impossível que ela não o percebesse entrar em uma sala de estar tão
pequena.
Ela
não pôde desenredar este mistério, e isto a perturbava. Todavia, decidiu não
incomodar o marido para inquiri-lo, e se deitou de vez.
No
dia seguinte, ele se levantou bem mais cedo do que ela e saiu tranquilamente
para trabalhar. Portanto, a mulher aguardou o seu retorno para o almoço
com grande ansiedade para ouvir a explicação. Meditar sobre o assunto durante toda
a manhã a havia deixado ainda mais sobressaltada. Quando chegou para
comer, ele disse, antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa: “Qual é o
significado destas palavras escritas com giz na porta?”. Ela lhe contou tudo e
lhe perguntou sobre a noite anterior. William declarou que jamais saíra
da cama depois de deitar-se, tendo tirado a roupa, deitado e dormido quase
instantaneamente, somente se levantando quando o relógio bateu as cinco. Então,
partiu para o trabalho.
Betty
Privett estava tão segura de que ele havia saído quanto de sua própria
existência, e quase certa de que ele não havia retornado. Não gostava de
discutir com ele; assim, deixou o assunto como se um equívoco de sua
parte. Quando caminhava, mais tarde, por Longpuddle Street, encontrou-se
com Nany, filha de Jim Weedle. Disse:
–
Sim, Mrs. Privett – disse Nancy. – Não conte a ninguém, mas ontem, como
era a Véspera de Verão, alguns de nós fomos ao pórtico da igreja e só voltamos
para casa por volta de uma hora da madrugada.
–
Como? – disse Mrs. Privett. – Foi ontem? Deus, não me
recordava. Tive muito trabalho.
Não
posso me lembrar de quando é Véspera de Verão ou quando é Festa de São
Miguel.
Sempre
tenho muito que fazer.
–
Sim, e nós nos assustamos bastante com o que vimos.
–
O que vocês viram?
–
Bem, Nancy, vejo que está sonolenta hoje!
–
Vocês certamente não se lembrarão, tendo ido para outros lugares ainda
tão jovens, mas por aqui se crê que, na Véspera do Verão, as formas
pálidas de todas as pessoas da paróquia que estão próximas da morte num prazo
de um ano podem ser vistas entrando na igreja. Os que conseguem
vencer a doença ou enfermidade saem depois de um momento; os que estão
condenados
a morrer, não voltam a sair.
–
E o que foi que você viu? – perguntou novamente a mulher de William.
–
Bem – começou Nancy, retrocedendo –, não preciso dizer o que vimos ou a quem
vimos.
–
Você viu o meu marido – disse Betty Privett, serenamente.
–
Bem, já que você falou – disse Nancy, lentamente –, creio que nós o
vimos. Mas estava muito escuro e estávamos assustados, e certamente pode
não ter sido ele.
–
Nancy, não precisa continuar. Ele nunca saiu da igreja: eu sei tão bem
quanto você.
Nancy
não disse nem sim nem não àquela firme declaração e se calou. Mas três
dias depois, William Privett estava ceifando com John Chiles os campos de Mr.
Hardcome. No calor do dia, os homens sentaram-se para comer alguma coisa sob
uma árvore, esvaziando uma garrafa de vinho. Depois, ficaram sentados, a
dormir. John Chiles foi o primeiro a acordar, e quando olhou o
companheiro de trabalho, viu um desses grandes e brancos seres que nós chamamos
– por assim dizer – mariposas de moinho, que saiu da boca aberta de William
enquanto dormia e ganhou distância, voando. John achou que isto era muito
estranho, já que William estivera trabalhando num moinho durante vários anos. Depois
olhou o céu e percebeu, pelo andar do Sol, que eles haviam dormido por um longo
tempo e, como William não acordava, John o chamou e disse que era hora de
voltar ao trabalho. Seu amigo permanecia imóvel, e quando John o tocou,
percebeu que ele estava morto.
Mas
vejam: neste mesmo dia, o velho Hookhorn desceu ao Longpuddle para buscar um cântaro
de água. E, quando regressou, a que pessoa disse haver visto descendo o
arroio pela outra margem, senão William, que estava muito pálido e
envelhecido? Isto surpreendeu sobremaneira Philip Hookhorn, já que fazia
vários anos que o pequeno filho de William – seu único filho – havia se afogado
enquanto brincava nesse mesmo lugar... E isto havia atacado o bom juízo de
William, eis que nunca mais foi visto próximo do Longpuddle depois desse fato,
e todos sabiam que ele tomava um caminho que lhe custava meia milha a mais para
evitar esse local. Mais tarde, disse-se que William não
poderia ter estado no arroio, já que se encontrava, nesse momento, a duas
milhas de distância; isto sem contar o fato de que faleceu no mesmo momento em
que foi visto.
–
Uma história melancólica – observou o homem, depois de um minuto de silencio.
–
Sim, sim. Bem, a vida tem bons e maus momentos – disse o pai do granjeiro.
Fonte: http://www.contosdeterror.com.br/index.php/contos-classicos/431-o-relato-de-um-homem-supersticioso.pdf.
Verdade, uma história melancólica!
ResponderExcluirMeio misterioso esse conto..gostei!
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