Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 94
Participam deste capítulo
Cyro - Tarcísio Meira
Ester - Glória Menezes
Baby - Cláudio Cavalcanti
Mestre Jonas - Gilberto Martinho
Rosa - Ana Ariel
Pedrão - Waldir Onofre
Pé-na-Cova - Antônio Pitanga
Das Dores - Ruth de Souza
Cesário - Carlos Eduardo Dolabella
Paulus - Emiliano Queiroz
CENA 1 - PORTO AZUL - SITIO - EXTERIOR - DIA
CYRO REUNIU OS MINEIROS NUM SÍTIO PRÓXIMO À CHOUPANA DE MESTRE JONAS. OS HOMENS ESTAVAM SÉRIOS, CONCENTRADOS NAS PALAVRAS DO MÉDICO.
CYRO - Tenho uma notícia muito importante para vocês. Baby me autorizou a lhes revelar... (os homens se mexeram, inquietos) É que vamos assinar a escritura amanhã em cartório. Às três horas da tarde, vocês todos serão proprietários. São ao todo 20 homens que vão deixar de ser explorados e hão de ter uma vida melhor.
PÉ-NA-COVA - (explodiu, atônito) Vou ser mesmo dono do cinema?
CYRO - (sorriu, satisfeito) Ele não acredita ainda!
PEDRÃO - (incrédulo) E eu, dono do mercado?
CYRO - Você é dono do prédio e do terreno do mercado.
PEDRÃO - (beliscou-se diante dos amigos) Vou ter comida de graça, gente!
MESTRE JONAS - (galhofou) Me empresta 10 reais aí, Pedrão!
OS HOMENS RIRAM, DEMORADAMENTE, ABRAÇANDO-SE.
CYRO - Tudo graças ao coração de um rapaz que vocês bem conhecem...
BABY ACABARA DE CHEGAR E OUVIU AS PALAVRAS FINAIS DE CYRO VALDEZ.
BABY - (aproximou-se e falou em voz alta) Só quero que uma coisa fique bem assentada desde já (todos os olhos convergiram para o filho do comendador) Uma parte da renda dessas propriedades... parte que vamos discutir amanhã... será arrecadada para o hospital do Cyro.
A UMA SÓ VOZ TODOS OS HOMENS APROVARAM A CONDIÇÃO.
CYRO - Que é isso, Baby? Eu não pedi nada...
BABY - Mas eu faço questão de lhe dar, ora! A gente vai erguer aqui o maior hospital do Estado!
DE REPENTE, O RUÍDO DE MOTORES DE CARROS E O TIROTEIO QUE ABALOU A PEQUENA ALDEIA DE PESCADORES. OS HOMENS SE MOVIMENTARAM, RÁPIDOS.
CYRO - (gritou) Cuidado!
OS MINEIROS JOGARAM-SE AO CHÃO, COMO SE FOSSEM COMANDOS EM AÇÃO. OUVIRAM A VOZ NERVOSA DE ROSA, QUE OS PROCURAVA, AOS GRITOS!
ROSA - Jona! Cyro! Vejam isto!
ENTREGOU UM BILHETE AO MÉDICO. CYRO ABRIU-O, APRESSADAMENTE.
CYRO - (leu-o, em voz alta) “Um aviso. Se querem continuar tendo o direito de viverem em paz, não vão à cidade, amanhã, assinar as escrituras de posse.”
MESTRE JONAS - Que acha disso, Cyro?
CYRO - Nós vamos amanhã, à cidade, assinar a escritura de posse.
CORTA PARA:
CENA 2 - PORTO AZUL - CASA DE D. BÁRBARA - SALA - INTERIOR - NOITE
O RELÓGIO, O VELHO CARRILHÃO DA CASA DE D. BÁRBARA, TINHA BATIDO MEIA-NOITE E MEIA. CYRO AINDA LIA OBRAS DE AUTORES ESTRANGEIROS SOBRE CIRURGIA CARDÍACA, QUANDO OUVIU BATEREM COM NERVOSISMO À PORTA DA FRENTE. LEVANTOU-SE E CORREU A ATENDER.
MESTRE JONAS NÃO ESCONDIA O DESCONTROLE. A SEU LADO, DAS DORES SEGURAVA-LHE O BRAÇO.
MESTRE JONAS - Cyro, precisamos de você, urgente!
CYRO - Que foi?
MESTRE JONAS - Uma mulher está precisando de você!
CYRO - Vanda Vidal?
DAS DORES - (arregalando os olhos) A gente não tá falando dessa moça.
MESTRE JONAS - Por que tu falou no nome de Vanda Vidal?
CYRO - (fugindo ao assunto) Nada... É que eu tinha de ir à cidade falar com ela. Amanhã... talvez. Ela está precisando de mim... é por isso!
MESTRE JONAS - Não, Cyro. A gente sente muito vir te aborrecer a esta hora. Mas se trata de uma moça que fomo ver agora, pra atendê um chamado. Pensamo antes que fosse até um golpe contra você. Mas num é não, Cyro!
DAS DORES - A moça tá mesmo em desespero e só chama por ocê. Pediu pelo amor de Deus... pra gente te levá lá ainda hoje pra falá com ela.
CYRO - Quem é ela? O que tem ela? Está muito doente?
MESTRE JONAS - Ela não disse o que tem. Ou nem sabe o que tem. Tá sofrendo muito. Falando até em se matar. Se chama Dona Zélia e mora pras bandas da Serrinha.
O MÉDICO APANHOU A PEQUENA PASTA DE APARELHOS E MEDICAMENTOS DE URGÊNCIA.
CYRO - Então, vamos embora!
CENA 3 - FLORIANÓPOLIS - CASA DE ESTER - SALA - INTERIOR - NOITE
O CARRO DE LUXO PRATA ACABARA DE PARAR DIANTE DA RESIDÊNCIA DE ESTER. O HOMEM ESPADAÚDO PREMIU O BOTÃO E ENTROU NA CASA.
CESÁRIO - Dá licença!
ESTER - Entre!
CESÁRIO - (entrou, sorrindo maliciosamente) Fiquei muito comovido com o seu chamado.
ESTER - (com frieza) Sim, eu o mandei chamar. Mas não é para o que o senhor pensa. Aliás... quero preveni-lo de que passei a andar armada.
ABRIU UMA GAVETA E MOSTROU-LHE A PEQUENA ARMA DOURADA. ALISOU-LHE A CORONHA E MOVEU O TAMBOR. DEIXOU-A SOBRE A MESINHA DE CENTRO, AO ALCANCE DA MÃO. FITOU O HOMEM À SUA FRENTE, IMPERTURBÁVEL, COMO SE NADA DE MAIS ESTIVESSE OCORRENDO.
ESTER - Sou uma mulher só. Tenho uma profissão honrada; como sabe, sou promotora pública e não posso estar à mercê de um sujeito que entra na minha casa... para abusar da minha hospitalidade... para desafiar a minha fraqueza. Isto é inconcebível. Um desrespeito à pessoa humana! Um absurdo! O que o senhor fez... foi revoltante!
CESÁRIO - (limpou os lábios com a língua com cinismo) Mas até que a senhora topou!
ESTER - (ordenou) Não me fale nesse tom! Eu não quero me exaltar. Tão sórdido é o seu cinismo... que eu prefiro ignorá-lo. Chamei-o aqui unicamente... para lhe dizer que nossas relações estão cortadas definitivamente. Sua entrada nesta casa está terminantemente proibida e se voltar saiba que estou preparada para enfrentá-lo!
CESÁRIO - Bem... agora a senhora vai me dar a chance de dizer alguma coisa (procurou uma cadeira para sentar-se) Eu não fiz nada de mal. Pensei até em estar fazendo um bem... afinal, como a senhora mesma disse... é uma mulher só. E uma mulher não pode curtir o tempo todo uma dor-de-cotovelo tão grande. Tem necessidade de outro “pinta”...
ESTER - O senhor só diz bobagens!
CESÁRIO - Ainda não terminei. O pior vem aí. O caso é o seguinte: gamei pela senhora!
ESTER - (estremeceu de raiva) Exijo que me respeite!
CESÁRIO - Gamei, pronto! Sou franco, não sou? É a única mulher que podia substituir a Tula. E substituiu muito bem.
ESTER - O seu mal é que o senhor voa alto demais. Procure uma moça de sua condição, de sua educação. Não terá problemas.
CESÁRIO - Se educação é problema, eu me igualo à senhora. Dinheiro eu tenho. Demais até. Vou receber toda a grana de Júlia. E são milhões...
ESTER - Não estou falando em termos de comparação e nem que o senhor fosse um príncipe, não lhe daria confiança!
CESÁRIO - Mas deu! A verdade é essa! Toda mulher tem um momento de desabafo. A senhora teve e eu aguentei esse momento... A senhora foi até um pouco além...
ESTER - (espantada) O que quer dizer com isso?
CESÁRIO - Quero lhe dizer simplesmente que a senhora não pode ter se esquecido de que eu servi para aguentar seus piores momentos.
ESTER - Continuo não entendendo nada!
CESÁRIO - Bem... tá certo que tenha uma profissão honrada e de prestígio. É uma senhora muito distinta... e tem de manter uma aparência...
ESTER - (vermelha de ira, respondeu agressiva) Eu não mantenho aparências! Eu sou uma mulher honesta!
CESÁRIO ERGUEU-SE, FUNDOU A MÃO NO BOLSO DO PALETÓ E PUXOU UM ENVELOPE CINZA. DE DENTRO DELE RETIROU ALGUMAS FOTOS.
CESÁRIO - Muito bem... então veja isto! (entregou as fotografias à mulher) Que diria o Dr. Paulus... o Prefeito Otto Muller... ou mesmo o Dr. Cyro Valdez, seu ex-marido... se vissem a senhora... assim?
ERA COMO SE UM LIVRO PORNOGRÁFICO, ASSINADO POR ELA, FOSSE REVELADO AO MUNDO. ESTER EMPALIDECEU ATÉ A DERRADEIRA GOTA DE SANGUE. ALI ESTAVAM FOTOS ALTAMENTE COMPROMETEDORAS ENVOLVENDO CESÁRIO E A PROMOTORA DO ESTADO. ESTER SEMINUA, ATIRADA AOS BRAÇOS MUSCULOSOS DO HOMEM QUE ELA REPUDIAVA. EXPRESSÕES DE DELÍRIO SEXUAL. FOTOS QUE – UMA VEZ NAS MÃOS DA IMPRENSA – ACABARIAM DE VEZ COM A CARREIRA RECÉM-INICIADA E COM OS PROPÓSITOS DE HONESTIDADE, SERIEDADE E LINHAGEM DE ESTER MULLER OU VALDEZ OU O QUE QUER QUE FOSSE – PENSAVA ELA, ENQUANTO EXAMINAVA O GRUPO DE CENAS HABILMENTE ESCOLHIDAS PELO FOTÓGRAFO. ESTER NÃO ACREDITAVA NO QUE VIA.
ESTER - O que é isto? Como se explica isto?
CESÁRIO - Taí, ué! Eu não inventei!
ESTER - Mas como se explica?!
CESÁRIO - Não se lembra? A senhora bebeu um pouco demais... a gente saiu pra dar um passeio...
CESÁRIO RIA.
ESTER - Eu não fiz nada disso!
CESÁRIO - Mas taí, ué! Não é truque!
ESTER - O senhor... bateu as fotos!
CESÁRIO - Quis guardar uma lembrança...
ESTER - Eu entendo. O senhor é capaz de tudo por dinheiro! Compreendo! O senhor quer dinheiro! Vai fazer chantagem com as fotos! Casou-se com Júlia e foi só pelo dinheiro dela! Agora sou eu a vítima! Quanto... quanto quer pelas fotos? Pode dar seu preço!
CESÁRIO MAL OLHOU PARA AS FOTOS. ABANDONOU-AS SOBRE A PEQUENA MESA DE MÁRMORE BRANCO.
CESÁRIO - Taí. São suas.
ESTER - Quantos?
CESÁRIO - (sério e firme, olhando-a nos olhos) Não é dinheiro que eu quero, Dona Ester. Fica aí pra senhora ver bem... mas eu tenho os negativos...
ESTER - O que você pretende, miserável?
A VOZ DE PAULUS CORTOU O DIÁLOGO.
PAULUS - (off) Ester! Ester!
ASSUSTADA, REUNIU O MAÇO DE FOTOGRAFIAS NERVOSAMENTE.
ESTER - Leve estas fotos daqui! Suma com isso!
CESÁRIO RECOLHEU-AS AO ENVELOPE, ENQUANTO O ADVOGADO APARECIA NA SALA.
PAULUS - (encarando com ódio o ex-comparsa) Que foi? O que ele está fazendo aqui?
CESÁRIO - Nada. Eu vim... buscar o resto das minhas coisas que ficou tudo aí. Dona Ester, volto amanhã pra gente terminar a nossa conversa...
PAULUS - (furioso) Que conversa?
CESÁRIO - Sobre... umas coisas que Júlia deixou. Eu quero dar pra Dona Ester... ela não quer aceitar. Sabe... herança de Júlia.
ESTER - (ordenou, descontrolada ante a ironia do rapaz) Vá embora!
CESÁRIO - Tou indo. Boa noite. Volto amanhã.
FIM DO CAPÍTULO 94
... E NA PRÓXIMA QUINTA, CAPÍTULO INÉDITO!
... E NA PRÓXIMA QUINTA, CAPÍTULO INÉDITO!
Pobre Ester, está numa fria! E, quem será a mulher que precisa de Cyro? Fiquei muito curiosa.
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