O
texto abaixo é de autoria de Antônio Prata.
Para
maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Prata.
Boa
leitura!
O
TAXISTA DE CABELOS BRANCOS
Dos
taxistas aqui da esquina, só sei o nome do Adão. Na primeira vez que peguei seu
táxi, ele apontou para fora da janela, disse “olha só, as goiabeiras da
Henrique Schaumann tão carregadas” e, quando reparei nas goiabas que brotavam
no canteiro central da avenida, já éramos amigos de infância. Adão conhece
todas as árvores frutíferas espalhadas pela cidade e, sempre que me leva a
algum lugar, faz um relatório detalhado de seu esparso pomar: conta que as
jacas do parque da Luz tão quase caindo em cima dos carros, que a mangueira da
avenida Pacaembu tá atraindo um bando de maritacas, que houve um bafafá na zona
leste porque a prefeitura ameaçou cortar um abacateiro, lá na rua Padre
Adelino.
Muito
diferente do Adão é o taxista de cabelo branco. Seu nome não sei e admito que,
até a última quinta, não estava interessado em saber. Havia, entre mim e o
taxista de cabelo branco, um certo desconforto. Veja, não sou homem de
alimentar inimizades e costumo preferir o acordo ao conflito, mas em algumas
ocasiões não há consenso possível: antes da última Copa do Mundo eu reclamei do
Dunga, o sujeito resolveu apoiar o obtuso treinador e, irritado, fez um longo
discurso defendendo a supremacia da prudência, da ordem e da disciplina sobre a
ousadia, a criatividade e a beleza – como eu poderia ficar calado?
Estou
longe de ser um aventureiro. Sou caseiro e covarde como um cocker-spaniel.
Talvez por isso mesmo, por procurar no mundo o que não trago em mim, é que
prefira o gol de bicicleta, o “Soneto da fidelidade” e um solo de chaleira de
Hermeto Pascoal à seleção alemã, aos enxadristas russos, à ponte Rio-Niterói. O
taxista de cabelo branco, contudo, não pensa como eu. Quando tentei convencê-lo
de que o futebol não tinha nenhum sentido senão pela beleza, ele riu, e, como todos
os arautos da mediocridade, mencionou 82 com desprezo. Eu afirmei que preferia
a derrota de 82 à vitória de 94, e foi aí que a conversa melou de vez; ele
bufou, ligou o rádio e aquele ruído instalou-se entre nós, definitivamente.
Não,
não definitivamente. Na última quinta, eu e o taxista de cabelo branco
estávamos na Vinte e Três de Maio, a caminho de Congonhas, imersos em nossa
silenciosa discórdia, quando tocou meu celular. Durante os últimos meses, eu e
minha mulher vínhamos procurando uma lugar para morar. Depois de um sem-número
de tristes visitas a quintais azulejados, pesadelos de cerejeira &
esquadrias de alumínio, finalmente encontramos uma linda casa com jardim, uma
mesa à sombra duma jabuticabeira, onde vislumbramos cafés da manhã que entrariam
pela tarde, almoços que entrariam pela noite e os filhos, claro, que em breve
entrarão em nossas vidas. Fizemos uma proposta um pouco abaixo do que o
proprietário estava pedindo, ele ficou de pensar, sumiu e, quando já estávamos
quase desistindo de receber uma resposta, eis que meu celular começa a tremer e
gritar, exibindo o nome do homem na telinha, pequeno oráculo de cristal
líquido. Atendi, nervoso. Ele disse que topava, fechamos negócio.
Quando
desliguei, já estávamos no aeroporto, o carro encostando no meio-fio, com o
pisca-alerta ligado. “Comprei uma casa!”, eu disse, exultante, ao motorista.
“Vou pegar dinheiro do banco, vou pagar juros por muitos e muitos anos, mas
terei uma casa!”. O taxista de cabelo branco me sorriu, genuinamente feliz. “Não
tem problema pagar pro banco. Importante é que a casa é sua. É um grande passo
na vida.”
Sorri
de volta, entendendo e compartilhando a alegria de meu ex-antípoda:
endividar-se para garantir um teto e um jardim era o meio caminho entre nós
dois, um ato contendo a mesma medida de ousadia e prudência. Apertamos as mãos
e fui para o Rio de Janeiro, contente com meu futuro e acreditando na concórdia
universal.
Muito boa essa crônica!
ResponderExcluirQue texto gostoso!
ResponderExcluirAmei ler!