Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair
CAPÍTULO 71
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
DIANA
DR. RAFAEL
RITINHA
DUDA
DAMIÃO
MOREIRA
CABO ELIAS
JOÃO
DELEGADO FALCÃO
LÁZARO
PEDRO BARROS
GUARDA
CENA 1 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - QUARTO DE LARA - INT. - DIA.
Era como se o próprio mundo estivesse ás escuras e a vida passasse a ser uma eterna madrugada de pavor. A reação inesperada e violenta de João Coragem – mesmo num ato de desespêro e revolta – deixou Maria de Lara perturbada. O regresso á fazenda e a visão das choupanas humildes, onde a felicidade se mostrava por inteiro no sorriso das crianças e dos pobres garimpeiros, levaram-na à crise de angústia. E daí para pensamentos menos cristãos. A morte centralizando tudo. Solução derradeira. Irremediável. De repente Diana tomara posse de sua alma. Era sempre assim. Nos momentos de vácuo, a outra surgia, preenchendo os espaços vazios, retocando o quadro amorfo e descolorido de sua vida. Agora, diante do espelho e de costas para o médico, Diana cantarolava, ajeitando os cabelos.
DIANA - Legal! Legal! (vIrou-se para o médico, bamboleante) O que deseja saber aqui, com a mamãe?
Rafael premiu o botão do gravador e a fita deslizou, lentamente, de um para outro carretel.
DR. RAFAEL - Diana, você socorreu Lara, ontem á noite?
Ela deu um passo em frente e segurou o microfone.
DIANA - Eu não! Ao contrário. Eu quis me manifestar e ela me impediu.
Num gesto tranquilo o especialista tirou um papel do bolso traseiro da calça e o entregou á moça.
DR. RAFAEL - Você sabe quem escreveu este bilhete?
DIANA - Não sei nada (respondeu, olhando o papel) Também fiquei meio assustada com o desespêro de Lara. A idiota conseguiu me contagiar. Me senti muito mal. Acho que fundiu minha cuca ...porque não me lembro de nada que ela fez, nem do que eu fiz...
DR. RAFAEL - Você quer dizer que perdeu os sentidos?
DIANA - É. E foi por muito tempo.
DR. RAFAEL - Então... não foi você, nem Lara, quem escreveu este bilhete?
DIANA - E não tenho a menor idéia de quem tenha sido!
Lentamente, em rotação muito baixa, a fita registrava o diálogo, enquanto Rafael, de ôlho colado na objetiva 16mm, filmava a intensa movimentação da mulher. Um dos pontos básicos do plano terapêutico do médico residia no mútuo conhecimento das personalidades. Se Diana conhecia a fundo hábitos, fraquezas e temperamento de Maria de Lara, esta deveria conhecer a outra. Os mistérios do inconsciente – quem sabe? – deixariam de o ser, com a objetividade do consciente. Era imprescindível que Lara conhecesse Diana. Rafael baixou a máquina, encostou-a numa pilha de livros e fitou a jovem. Depois de tudo, Diana teria de voltar ao seu mundo desconhecido.
CORTA PARA:
CENA 2 - RIO DE JANEIRO - CASA DE DUDA - SALA DE JANTAR - INT. - DIA.
O pano de xadrez cobria a pequena mesa quadrada, na qual Duda tomava o desjejum. Do outro lado, encoberta pelo jornal aberto diante do rosto, Ritinha lia. Duda fixava a manchete do dia.
RITINHA - (mastigando um biscoito, leu em voz alta) ”Após a reunião de ontem, a diretoria do Flamengo resolveu colocar o passe de Duda á venda. Procurado pela nossa reportagem, um alto dirigente declarou que o espírito de indisciplina do jogador foi o motivo básico que levou o Flamengo a negociar o passe do craque. Desde que foi revelado pelo clube da Gávea, Duda tem dado origem a diversos casos, tendo sido, inclusive, acusado como responsável pela saída do técnico Fausto Paiva. A venda do passe poderá causar novos problemas no seio da torcida, para a qual Duda continua a ser um ídolo”. (parou de ler e sorriu, sem graça, olhando o rosto entristecido do esposo. Continuou a leitura) “Segundo fontes ligadas ao futebol paulista, o Coríntians estaria interessado na compra do craque rubro-negro. Um emissário poderá chegar ao Rio, nas próximas horas...”
Damião acabara de chegar e ouvira as derradeiras palavras da mulher.
DUDA - Isto é certo, mesmo?
DAMIÃO - No duro. Venho do clube. Deixei os homens do Coríntians lá. Acho bom você dar um pulo até a Gávea. Saber como estão as coisas. Sabe como é... o interesse é seu.
DUDA - (levantando-se) Eu vou. Eu vou. Ritinha, veja o meu paletó.
Saiu acompanhado de Damião.
CORTA PARA:
CENA 3 - RIO DE JANEIRO - SEDE DO FLAMENGO - EXT. - DIA.
O carrão-esporte freou com estardalhaço diante da alta arquibancada do estádio. Duda saltou e atirou as chaves para as mãos do porteiro. Era um velho hábito. Ele se encarregaria de encontrar vaga dentro das instalações do clube. Entrou ligeiro, com Damião em seu encalço. Entrou na sala da direção.
CENA 4 - SEDE DO FLAMENGO - DIRETORIA - INT. - DIA.
DUDA - Licença, seu Moreira...
O homem virou a cabeça e encarou o jogador.
MOREIRA - Estava mesmo te esperando. Sente-se.
DUDA - Eu sei que os diretores do Coríntians estiveram hoje conversando sobre mim...
MOREIRA - Exato. Conversamos muito sobre você. O Flamengo chegou a um entendimento com o Coríntians e seu passe será vendido por 800 mil cruzeiros... (esperou a reação de Duda. O rapaz permaneceu calado) Bem... você receberá 15 por cento, como é de praxe. Os demais detalhes você mesmo acertará com o Coríntians. Eles estão dispostos a facilitar ao máximo sua ida para lá. (Duda sentiu que o pior estava por vir. O dirigente, meio embaraçado, concluiu) O negócio está fechado!
DUDA - Quer dizer... que eu não tenho direito a dar palpite? Vocês me vendem, assim, como se vende um bezerro, um animal?
MOREIRA - (com frieza) Isto é o futebol, meu caro! O clube não se interessa mais por você, pôs o seu passe á venda e tem o direito de negociá-lo.
DUDA - E se eu não quisesse ir para o Coríntians? Vamos dizer, por motivos de família.
MOREIRA - (com arrogãncia) Olha, rapaz, você está cheio de caraminholas na cabeça. Vá para casa e pense bem. Essa vai ser, talvez, sua última chance no futebol.
Moreira encaminhou-se para a porta e desapareceu, sem dar tempo ao jogador de replicar. Duda engoliu em sêco e deixou o estádio, desarvorado. Depois de anos de glória e de gols que fizeram vitórias memoráveis, era aquele o agradecimento dos homens que dirigiam o clube.
CORTA PARA:
CENA 5 - COROADO - DELEGACIA - CELA DE JOÃO - INT. - NOITE.
O som alegre da bandinha de Coroado penetrava pela janela estreita, de grades grossas, que se abria para as bandas da pracinha. João Coragem sentiu as passadas firmes e cutucou o companheiro de prisão. Com um imperceptível movimento de olhos, chamou sua atenção para o Cabo Elias. O policial parou diante da cela, moveu a chave na fechadura e abriu a porta de barras enferrujadas. Em meio ao ranger do ferro, o Cabo Elias ingressou na meia obscuridade ambiente. João deu um passo em frente, com as mãos paralelas, em atitude submissa, facilitando ao policial a manobra de fechamento das algemas. No mesmo instante a mão de Lázaro baixou, segura e forte, e a coronha do revólver caiu como uma pedra na parte lateral do crânio. Cabo Elias desabou como um boneco de pano. Ràpidamente os dois prisioneiros empurraram o corpo para debaixo da cama, colocaram as algemas sem fechá-las, em torno du pulso e sentaram-se, tranquilos, a pitar cigarros de palha. A primeira etapa fôra vencida sem dificuldade. Era o caminho para a libertação.
CORTA PARA:
CENA 6 - COROADO - PRAÇA - EXT. - NOITE.
Falcão fez um sinal e a bandinha cessou de tocar. Com gestos teatrais retirou do bolso interno do paletó um maço de papéis.
PEDRO BARROS - Obrigado, pode começar a cerimônia.
DELEGADO FALCÃO - (começou a ler) Povo da minha terra... gente boa de Coroado! Estamos aqui, numa homenagem muito justa ao patrono desta cidade... ao nosso muito querido e respeitado Coronel Pedro Barros. O verdadeiro pai de Coroado.
Esperou os aplausos. A pequena multidão permaneceu inerte, negando as palmas pretendidas pelo coronel. O velho, desarmado, pigarreou e cofiou a barba grisalha.
DELEGADO FALCÃO - (prosseguiu) Gente, isto aqui, há 30 anos atrás, não era nada. Não existia. Apenas o rio do garimpo! A cidade não era cidade. Era uma aldeia, com cabanas miseráveis, onde viviam os garimpeiros de então. (apontou dramàticamente para Pedro Barros) Este homem, aqui, um dia teve um sonho. Tranformar aquela meia dúzia de cabanas numa cidade. E começou a fazer do seu sonho realidade!
Barros enxugou uma lágrima fugidia e resmungou uma resposta qualquer.
DELEGADO FALCÃO - Ninguém pode deixar de reconhecer que foi este homem, aqui, quem mandou erguer a primeira casa de alvenaria! E foi ele, também, quem mandou erguer a igreja! Depois disso, o povo de fora começou a ser atraído para cá. A cidade não tinha nem nome. Foi Pedro Barros quem deu nome á ex-aldeia. Havia de se chamar Coroado! O nome de um diamante! Digno da grandeza de uma cidade que nascia para o progresso. Pedro Barros, ainda jovem...
A voz de Falcão perdia-se na amplidão da praça.
CORTA PARA:
CENA 7 - COROADO - DELEGACIA - CELA DE JOÃO - INT. - NOITE.
João e Lázaro continuaram sentados quando o guarda se aproximou de arma em punho.
GUARDA - Vim buscá ocês pra levá pra praça. Venham comigo.
Os dois homens não arredaram pé. O guarda entrou na cela.
JOÃO - (explicou, contrafeito) É que o Lázaro... não tá se sentindo bem.
Os olhos do policial enquadraram os punhos algemados dos rapazes. Não havia perigo, pensou.
GUARDA - (entrou na cela) O que é?
JOÃO - (segurando a cabeça do parceiro) Não sei...
O guarda mal teve tempo de abaixar-se para olhar o prisioneiro. A pancada lançou-o ao solo, sem defesa. Lázaro ameaçou novo golpe, com o bico da botina. João deteve-o.
JOÃO - Não precisa! A gente só amarra...
LÁZARO - Não adianta (disse, aplicando outra coronhada na cabeça dos dois policiais abatidos) Eles devem ficar dormindo até dá tempo da gente tá longe.
O bater de cascos na estrada de barro batido despertou a atenção dos fugitivos.
JOÃO - É Braz com os rapazes!
Ao longe a banda tornou a atacar um dobado contagiante, confundindo-se com as palmas da multidão.
CENA 8 - COROADO - PRAÇA - EXT. - DIA.
João montou rápido, seguido pelo comparsa. Braz estava mais atrás, acompanhado de seus homens de confiança. Em questão de segundos a multidão dispersou-se, abrindo um longo canal entre os jardins e o palanque, onde Pedro Barros, Falcão e outras figuras da cidade observavam atônitos. Lázaro atirava para o alto, enchendo de disparos os céus de Coroado. Com um movimento ágil e atrevido, João aproximou-se da estátua do coronel, fez pontaria e acertou no ôlho de granito, espatifando grande parte da escultura. Aos berros, o grupo, sempre atirando para o ar, desapareceu para os lados das montanhas, ante o espanto e a incredulidade da turba apavorada. Barros tremia de ódio, encarando Falcão. A imagem do ôlho furado enfurecia duplamente o coronel. Alguns, menos nervosos, riam discretamente, estimulados pela figura ridícula da estátua.
Era como se o próprio mundo estivesse ás escuras e a vida passasse a ser uma eterna madrugada de pavor. A reação inesperada e violenta de João Coragem – mesmo num ato de desespêro e revolta – deixou Maria de Lara perturbada. O regresso á fazenda e a visão das choupanas humildes, onde a felicidade se mostrava por inteiro no sorriso das crianças e dos pobres garimpeiros, levaram-na à crise de angústia. E daí para pensamentos menos cristãos. A morte centralizando tudo. Solução derradeira. Irremediável. De repente Diana tomara posse de sua alma. Era sempre assim. Nos momentos de vácuo, a outra surgia, preenchendo os espaços vazios, retocando o quadro amorfo e descolorido de sua vida. Agora, diante do espelho e de costas para o médico, Diana cantarolava, ajeitando os cabelos.
DIANA - Legal! Legal! (vIrou-se para o médico, bamboleante) O que deseja saber aqui, com a mamãe?
Rafael premiu o botão do gravador e a fita deslizou, lentamente, de um para outro carretel.
DR. RAFAEL - Diana, você socorreu Lara, ontem á noite?
Ela deu um passo em frente e segurou o microfone.
DIANA - Eu não! Ao contrário. Eu quis me manifestar e ela me impediu.
Num gesto tranquilo o especialista tirou um papel do bolso traseiro da calça e o entregou á moça.
DR. RAFAEL - Você sabe quem escreveu este bilhete?
DIANA - Não sei nada (respondeu, olhando o papel) Também fiquei meio assustada com o desespêro de Lara. A idiota conseguiu me contagiar. Me senti muito mal. Acho que fundiu minha cuca ...porque não me lembro de nada que ela fez, nem do que eu fiz...
DR. RAFAEL - Você quer dizer que perdeu os sentidos?
DIANA - É. E foi por muito tempo.
DR. RAFAEL - Então... não foi você, nem Lara, quem escreveu este bilhete?
DIANA - E não tenho a menor idéia de quem tenha sido!
Lentamente, em rotação muito baixa, a fita registrava o diálogo, enquanto Rafael, de ôlho colado na objetiva 16mm, filmava a intensa movimentação da mulher. Um dos pontos básicos do plano terapêutico do médico residia no mútuo conhecimento das personalidades. Se Diana conhecia a fundo hábitos, fraquezas e temperamento de Maria de Lara, esta deveria conhecer a outra. Os mistérios do inconsciente – quem sabe? – deixariam de o ser, com a objetividade do consciente. Era imprescindível que Lara conhecesse Diana. Rafael baixou a máquina, encostou-a numa pilha de livros e fitou a jovem. Depois de tudo, Diana teria de voltar ao seu mundo desconhecido.
CORTA PARA:
CENA 2 - RIO DE JANEIRO - CASA DE DUDA - SALA DE JANTAR - INT. - DIA.
O pano de xadrez cobria a pequena mesa quadrada, na qual Duda tomava o desjejum. Do outro lado, encoberta pelo jornal aberto diante do rosto, Ritinha lia. Duda fixava a manchete do dia.
RITINHA - (mastigando um biscoito, leu em voz alta) ”Após a reunião de ontem, a diretoria do Flamengo resolveu colocar o passe de Duda á venda. Procurado pela nossa reportagem, um alto dirigente declarou que o espírito de indisciplina do jogador foi o motivo básico que levou o Flamengo a negociar o passe do craque. Desde que foi revelado pelo clube da Gávea, Duda tem dado origem a diversos casos, tendo sido, inclusive, acusado como responsável pela saída do técnico Fausto Paiva. A venda do passe poderá causar novos problemas no seio da torcida, para a qual Duda continua a ser um ídolo”. (parou de ler e sorriu, sem graça, olhando o rosto entristecido do esposo. Continuou a leitura) “Segundo fontes ligadas ao futebol paulista, o Coríntians estaria interessado na compra do craque rubro-negro. Um emissário poderá chegar ao Rio, nas próximas horas...”
Damião acabara de chegar e ouvira as derradeiras palavras da mulher.
DUDA - Isto é certo, mesmo?
DAMIÃO - No duro. Venho do clube. Deixei os homens do Coríntians lá. Acho bom você dar um pulo até a Gávea. Saber como estão as coisas. Sabe como é... o interesse é seu.
DUDA - (levantando-se) Eu vou. Eu vou. Ritinha, veja o meu paletó.
Saiu acompanhado de Damião.
CORTA PARA:
CENA 3 - RIO DE JANEIRO - SEDE DO FLAMENGO - EXT. - DIA.
O carrão-esporte freou com estardalhaço diante da alta arquibancada do estádio. Duda saltou e atirou as chaves para as mãos do porteiro. Era um velho hábito. Ele se encarregaria de encontrar vaga dentro das instalações do clube. Entrou ligeiro, com Damião em seu encalço. Entrou na sala da direção.
CENA 4 - SEDE DO FLAMENGO - DIRETORIA - INT. - DIA.
DUDA - Licença, seu Moreira...
O homem virou a cabeça e encarou o jogador.
MOREIRA - Estava mesmo te esperando. Sente-se.
DUDA - Eu sei que os diretores do Coríntians estiveram hoje conversando sobre mim...
MOREIRA - Exato. Conversamos muito sobre você. O Flamengo chegou a um entendimento com o Coríntians e seu passe será vendido por 800 mil cruzeiros... (esperou a reação de Duda. O rapaz permaneceu calado) Bem... você receberá 15 por cento, como é de praxe. Os demais detalhes você mesmo acertará com o Coríntians. Eles estão dispostos a facilitar ao máximo sua ida para lá. (Duda sentiu que o pior estava por vir. O dirigente, meio embaraçado, concluiu) O negócio está fechado!
DUDA - Quer dizer... que eu não tenho direito a dar palpite? Vocês me vendem, assim, como se vende um bezerro, um animal?
MOREIRA - (com frieza) Isto é o futebol, meu caro! O clube não se interessa mais por você, pôs o seu passe á venda e tem o direito de negociá-lo.
DUDA - E se eu não quisesse ir para o Coríntians? Vamos dizer, por motivos de família.
MOREIRA - (com arrogãncia) Olha, rapaz, você está cheio de caraminholas na cabeça. Vá para casa e pense bem. Essa vai ser, talvez, sua última chance no futebol.
Moreira encaminhou-se para a porta e desapareceu, sem dar tempo ao jogador de replicar. Duda engoliu em sêco e deixou o estádio, desarvorado. Depois de anos de glória e de gols que fizeram vitórias memoráveis, era aquele o agradecimento dos homens que dirigiam o clube.
CORTA PARA:
CENA 5 - COROADO - DELEGACIA - CELA DE JOÃO - INT. - NOITE.
O som alegre da bandinha de Coroado penetrava pela janela estreita, de grades grossas, que se abria para as bandas da pracinha. João Coragem sentiu as passadas firmes e cutucou o companheiro de prisão. Com um imperceptível movimento de olhos, chamou sua atenção para o Cabo Elias. O policial parou diante da cela, moveu a chave na fechadura e abriu a porta de barras enferrujadas. Em meio ao ranger do ferro, o Cabo Elias ingressou na meia obscuridade ambiente. João deu um passo em frente, com as mãos paralelas, em atitude submissa, facilitando ao policial a manobra de fechamento das algemas. No mesmo instante a mão de Lázaro baixou, segura e forte, e a coronha do revólver caiu como uma pedra na parte lateral do crânio. Cabo Elias desabou como um boneco de pano. Ràpidamente os dois prisioneiros empurraram o corpo para debaixo da cama, colocaram as algemas sem fechá-las, em torno du pulso e sentaram-se, tranquilos, a pitar cigarros de palha. A primeira etapa fôra vencida sem dificuldade. Era o caminho para a libertação.
CORTA PARA:
CENA 6 - COROADO - PRAÇA - EXT. - NOITE.
Falcão fez um sinal e a bandinha cessou de tocar. Com gestos teatrais retirou do bolso interno do paletó um maço de papéis.
PEDRO BARROS - Obrigado, pode começar a cerimônia.
DELEGADO FALCÃO - (começou a ler) Povo da minha terra... gente boa de Coroado! Estamos aqui, numa homenagem muito justa ao patrono desta cidade... ao nosso muito querido e respeitado Coronel Pedro Barros. O verdadeiro pai de Coroado.
Esperou os aplausos. A pequena multidão permaneceu inerte, negando as palmas pretendidas pelo coronel. O velho, desarmado, pigarreou e cofiou a barba grisalha.
DELEGADO FALCÃO - (prosseguiu) Gente, isto aqui, há 30 anos atrás, não era nada. Não existia. Apenas o rio do garimpo! A cidade não era cidade. Era uma aldeia, com cabanas miseráveis, onde viviam os garimpeiros de então. (apontou dramàticamente para Pedro Barros) Este homem, aqui, um dia teve um sonho. Tranformar aquela meia dúzia de cabanas numa cidade. E começou a fazer do seu sonho realidade!
Barros enxugou uma lágrima fugidia e resmungou uma resposta qualquer.
DELEGADO FALCÃO - Ninguém pode deixar de reconhecer que foi este homem, aqui, quem mandou erguer a primeira casa de alvenaria! E foi ele, também, quem mandou erguer a igreja! Depois disso, o povo de fora começou a ser atraído para cá. A cidade não tinha nem nome. Foi Pedro Barros quem deu nome á ex-aldeia. Havia de se chamar Coroado! O nome de um diamante! Digno da grandeza de uma cidade que nascia para o progresso. Pedro Barros, ainda jovem...
A voz de Falcão perdia-se na amplidão da praça.
CORTA PARA:
CENA 7 - COROADO - DELEGACIA - CELA DE JOÃO - INT. - NOITE.
João e Lázaro continuaram sentados quando o guarda se aproximou de arma em punho.
GUARDA - Vim buscá ocês pra levá pra praça. Venham comigo.
Os dois homens não arredaram pé. O guarda entrou na cela.
JOÃO - (explicou, contrafeito) É que o Lázaro... não tá se sentindo bem.
Os olhos do policial enquadraram os punhos algemados dos rapazes. Não havia perigo, pensou.
GUARDA - (entrou na cela) O que é?
JOÃO - (segurando a cabeça do parceiro) Não sei...
O guarda mal teve tempo de abaixar-se para olhar o prisioneiro. A pancada lançou-o ao solo, sem defesa. Lázaro ameaçou novo golpe, com o bico da botina. João deteve-o.
JOÃO - Não precisa! A gente só amarra...
LÁZARO - Não adianta (disse, aplicando outra coronhada na cabeça dos dois policiais abatidos) Eles devem ficar dormindo até dá tempo da gente tá longe.
O bater de cascos na estrada de barro batido despertou a atenção dos fugitivos.
JOÃO - É Braz com os rapazes!
Ao longe a banda tornou a atacar um dobado contagiante, confundindo-se com as palmas da multidão.
CENA 8 - COROADO - PRAÇA - EXT. - DIA.
João montou rápido, seguido pelo comparsa. Braz estava mais atrás, acompanhado de seus homens de confiança. Em questão de segundos a multidão dispersou-se, abrindo um longo canal entre os jardins e o palanque, onde Pedro Barros, Falcão e outras figuras da cidade observavam atônitos. Lázaro atirava para o alto, enchendo de disparos os céus de Coroado. Com um movimento ágil e atrevido, João aproximou-se da estátua do coronel, fez pontaria e acertou no ôlho de granito, espatifando grande parte da escultura. Aos berros, o grupo, sempre atirando para o ar, desapareceu para os lados das montanhas, ante o espanto e a incredulidade da turba apavorada. Barros tremia de ódio, encarando Falcão. A imagem do ôlho furado enfurecia duplamente o coronel. Alguns, menos nervosos, riam discretamente, estimulados pela figura ridícula da estátua.
FIM DO CAPÍTULO 71
Falcão faz um discurso na praça de Coroado |
e no próximo capítulo...
*** João, Braz, Lázaro e os demais companheiros, agora foragidos da justiça, encontram uma casa abandonada, onde decidem passar um tempo.
*** Duda muda-se para São Paulo, contratado pelo Coríntinas, e revela a Hernani que separou-se de Ritinha!
NÃO PERCA O CAPÍTULO 72 DE
Toni gostei muito dessa cena de João furando à bala, o olho da estátua de Pedro Barros. Muito engraçado! Fiquei com pena de Duda, vendido como um objeto! E vem mais emoção por aí! Bjs.
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