O texto abaixo é da autoria de Stanislaw
Ponte Preta.
Para maiores informações sobre o autor,
favor consultar: http://www.releituras.com/spontepreta_bio.asp.
Boa leitura!
GOL DE PADRE
Da janela eu vejo os garotos no pátio do
colégio, durante o recreio. Sempre me dá uma certa saudade, porque eu já fui
menino. Aliás, embora pareça incrível, até mesmo pessoas como o senhor Janio
Quadros ou Dom Hélder Câmara - ou mesmo a veneranda Tia Zulmira - já foram
crianças. O importante é não deixar nunca que o menino morra completamente dentro
da gente, quando a gente fica adulta. Pobre daquele que abdicar completamente
de gostos infantis. Ficará velho muito mais depressa. O menino que a pessoa
conserva em si é um obstáculo no caminho da velhice. Dizem até que é por isso
que os chineses - de incontestável sabedoria - conservam o hábito de soltar
papagaio (ou pipa, se preferem) mesmo depois de homens feitos. Não sei se é
verdade. Nunca fui chinês.
Mas, quando começa o recreio no colégio,
da minha janela vejo o pátio e, quando a campainha toca, para o intervalo das
aulas, paro de trabalhar e fico na janela, como se estivesse no recreio também.
Agora mesmo os meninos estão lá, saindo
de todas as portas para o meio do pátio, onde um padre, com uma bola de futebol
novinha debaixo do braço, escolhe os times para um jogo de futebol. Os garotos
reclamam esta ou aquela escolha, mas o padre deve ter fama de zangado, pois
basta alguém reclamar, que ele, com um simples olhar, cala o reclamante.
-Você, do lado de
cá; você aí, para o lado de lá - vai ordenando o austero sacerdote. Quando os
times já estão formados, ele vai até o meio do pátio, onde seria o meio do
campo, se ali houvesse um campo demarcado, coloca a bola no chão e supervisiona
um "par ou ímpar" entre os dois centroavantes. O vencedor dará a
saída.
Ministro de Deus deve ser superior às
paixões clubístícas e vejo o padre apitar o jogo com tal precisão e com tamanha
autoridade que fico a imaginar: um padre, em dia de decisão de campeonato, pode
perfeitamente resolver o problema sempre premente da arbitragem. Um garoto
pegou a bola em off-side clamoroso,
como dizem os locutores esportivos. O padre apita, mas o garoto finge que não
ouve, foge pelo centro e emenda um bico, que passa pelo quíper adversário e vai
para o fundo das redes imaginárias. Todo o time do goleador grita e corre para abraçar
o companheiro. O padre, impassível, está apontando para o local onde o jogador
pegou a bola em off-side.
Este juiz é fogo, expulsou o que fizera o gol,
por não ter respeitado o seu apito, e expulsou um outro do mesmo time, porque
reclamara contra a sua decisão. Depois olha em volta, vê dois garotos sentados
num banquinho, lá atrás, e chama-os para substituir os indisciplinados. Os dois
correm felizes para preencher as vagas. Sua Senhoria dá nova saída e prossegue
a "pelada".
Futebol de garoto é muito mais de ataque
do que de defesa. Os técnicos do nosso futebol, que tanto têm contribuído para
enfear o espetáculo do esporte do século, armando mais as defesas do que os ataques,
na ânsia de não perder o emprego diante de uma goleada adversária, podiam
aprender muito com futebol de garoto. O principal é marcar mais gols, e não - como
querem os ditos técnicos - sofrer menos gols.
Baseados nesta verdade nascida com o
próprio futebol, o escore no jogo dos garotos, neste momento, é de 14 a 12. E
aí vem mais gol. O padre acaba de marcar um pênalti contra o time do lado de
lá. Um garoto da defesa segurou outro garoto do ataque adversário e tirou-lhe a
camisa para fora das calças, sob estrepitosa gargalhada de todo o recreio,
menos do padre. Este deu o pênalti, mas com a cara amarrada que vinha
conservando até ali.
Bola na marca, camisa pra dentro das
calças outra vez, o garoto que sofrera a falta correu e diminuiu a diferença.
Agora está 14 a 13, mas não há tempo para o empate. A campainha soa estridente
no pátio do colégio e o "juiz" dá por encerrado o tempo regulamentar,
com a vitória do time do lado de cá.
Pouco a pouco os meninos vão retornando
para suas salas, pelas mesmas portas por onde saíram. O padre ficou sozinho no
pátio. Caminhou até a bola e colocou-a outra vez debaixo do braço, sempre com um
ar sério e compenetrado. Eu já estava a pensar que ele era desses que deixaram
de ser meninos para sempre, quando ele me surpreende.
Olha para os lados, certifica-se de que
está sozinho no recreio e então joga a bola para o ar, controla no peito e
deixa a bichinha rolar para o chão. Levanta a batina e sai veloz pela ponta,
dribla um zagueiro imaginário e, na corrida, emenda no canto, inaugurando o
marcador.
Só faltou, ao baixar novamente a batina,
voltar correndo para o meio do campo, com os braços levantados a gritar:
Goooooooolllll!!!!
Fonte: http://pt.scribd.com/doc/111646633/GOL-DE-PADRE-E-OUTRAS-CRONICAS.
Que crônica legal! Gostei muito de ler!
ResponderExcluirUm pouco grande kk mas muito boa,,
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