O conto abaixo é da autoria de Charles
Perrault.
Para maiores informações sobre o autor,
favor acessar: http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Perrault.
Boa leitura!
O BARBA-AZUL
Era uma vez um homem que tinha belas
casas na cidade e no campo, baixela de ouro e prata, móveis trabalhados e
carruagens douradas; mas, por desventura, esse homem tinha a barba azul: isto o
fazia tão feio e tão terrível que não havia mulher nem moça que não fugisse ao
vê-lo.
Uma de suas vizinhas, dama de alta
linhagem, tinha duas filhas absolutamente belas. Ele pediu-lhe uma delas em
casamento, deixando a escolha à vontade materna. Nenhuma das duas o queria, e
cada uma o passava à outra, pois nenhuma podia decidir-se a aceitar um homem de
barba azul. Aborrecia-as também a circunstância de ele já ter desposado várias
mulheres sem que ninguém soubesse o que era feito delas.
Para travar relações com as moças,
Barba-Azul levou-as, juntamente com a mãe e as três ou quatro melhores amigas,
e algumas jovens da vizinhança, a uma das suas casas de campo, onde passaram
nada menos de oito dias. E eram só passeios, caçadas e pescarias, danças e
festins e merendas: ninguém dormia, levavam a noite a pregar peças uns aos
outros; afinal, tudo correu às mil maravilhas, e a mais nova das meninas
começou a achar que o dono da casa não tinha a barba tão azul, e que era homem
muito digno. E, logo que tornaram à cidade, realizou-se o casamento.
Ao cabo de um mês, Barba-Azul disse à
mulher que tinha de fazer uma viagem à província, de seis semanas, no mínimo,
para um negócio de importância; que lhe pedia se divertisse à vontade durante a
ausência dele – mandasse buscar suas boas amigas, levasse-as ao campo, se
quisesse, comesse do bom e do melhor.
- Aqui estão – disse-lhe – as chaves dos
dois grandes guarda-móveis; aqui as da baixela de ouro e de prata que só se usa
nos grandes dias; aqui as dos meus cofres, onde está o meu ouro e a minha
prata, as dos cofres de minhas jóias e aqui a chave de todas as dependências da
casa. Esta chavezinha é a chave do gabinete que fica no extremo da grande
galeria do porão: pode abrir tudo, pode ir aonde quiser, mas neste pequeno
gabinete eu lhe proíbo de entrar, e o proíbo de tal maneira que, se acontecer
abri-lo, não há nada que você não possa esperar da minha cólera.
Ela prometeu cumprir à risca tudo quanto
acabava de ser ordenado: e ele, depois de beijá-la, toma sua carruagem e parte.
As vizinhas e as boas amigas não
esperaram, para ir à residência da jovem esposa, que as mandassem buscar, tão
sôfregas estavam de ver-lhe todas as riquezas da casa, não havendo ousado ir lá
enquanto o marido se achava por causa de sua barba azul, que lhes fazia medo. E
ei-las, sem perda de tempo, a percorrer os quartos, gabinetes, vestiários, cada
um mais belo que os outros. Subiram depois aos guarda-móveis, onde não se
cansavam de admirar o número e a beleza das tapeçarias, dos leitos, dos sofás,
dos guarda-roupas, dos veladores, das mesas e dos espelhos, nos quais a gente
se via da cabeça aos pés, e cujos ornatos, uns de vidro, outros de prata, ou de
prata dourada, eram os mais belos e magníficos que já se poderiam ter visto.
Não cessavam de exagerar e invejar a felicidade da amiga, a quem, no entanto,
não alegravam todas essas riquezas, ansiosa que estava de abrir o gabinete do
porão.
Sentiu-se tão premida pela curiosidade
que, sem refletir que era uma indelicadeza deixar sozinhas as visitas, desceu
até lá por uma escadinha oculta, e com tamanha precipitação que por duas ou
três vezes pensou em quebrar o pescoço. Chegando à porta do gabinete, aí se
deteve algum tempo, lembrando-se da proibição que o marido lhe fizera e
considerando que lhe poderia acontecer uma desgraça por haver sido desobediente;
mas a tentação era tão forte que ela não a pôde vencer: tomou da chavezinha e
abriu, trêmula, a porta do gabinete.
A princípio não viu coisa alguma, porque
as janelas se achavam fechadas; momentos depois começou a notar que o assoalho
estava todo coberto de sangue coalhado, no qual se espelhavam os corpos de
várias mulheres mortas, presas ao longo das paredes (eram todas mulheres que
Barba-Azul desposara e que havia estrangulado). Cuidou morrer de susto, e a
chave do gabinete que acabava de retirar da fechadura, caiu-lhe da mão. Após
haver recobrado um pouco o ânimo, apanhou a chave, fechou a porta e subiu ao
quarto para refazer-se; não o conseguia, porém, devido à sua grande
perturbação.
Tendo notado que a chave do gabinete
estava manchada de sangue, limpou-a duas ou três vezes, mas o sangue não
desaparecia; lavou-a, esfregou-a com sabão e pedra-pomes; debalde: o sangue
ficava sempre, pois a chave era fada, e não havia meio de limpá-la
inteiramente: quando se tirava o sangue de um lado, ele voltava do outro.
Barba-Azul regressou de sua viagem logo
nessa noite, e disse haver recebido, no caminho, notícias de que o negócio que
o levara a partir acabara de realizar-se com vantagem para ele. A mulher fez
quanto pôde para se mostrar encantada com esse breve retorno.
No dia seguinte ele pediu-lhe as chaves,
e ela as entregou, porém a mão tremia tanto que Barba-Azul adivinhou sem
esforço todo o ocorrido.
- Por que é – perguntou-lhe – que a
chave do gabinete não está junto com as outras?
- Devo tê-las deixado lá em cima, sobre
a minha mesa.
- Quero a chave aqui, já!
Depois de várias delongas, a mulher teve
que levá-la. Barba-Azul examinou-a e disse:
- Por que há sangue nesta chave?
- Não sei nada disso – respondeu a pobre
criatura, mais pálida que a morte.
- Você não sabe nada – continuou ele –
mas eu sei muito bem; você quis entrar no meu gabinete! Está certo, senhora, lá
entrará e irá ter o seu lugar ao lado das que lá encontrou.
Ela se atirou aos pés do marido,
chorando e pedindo-lhe perdão, com todos os sinais de um arrependimento sincero
de não haver sido obediente. Bela e aflita como estava, seria capaz de
enternecer um rochedo; mas Barba-Azul tinha o coração mais duro que um rochedo:
- Tem de morrer, senhora, e
imediatamente.
- Visto que tenho que morrer – respondeu
ela, fitando-o com os olhos banhados de lágrimas – dê-me um pouco de tempo para
rezar a Deus.
- Dou-lhe meio quarto de hora – replicou
Barba-Azul – e nem um momento a mais.
Quando ela se viu sozinha, chamou a irmã
e disse-lhe:
- Minha irmã, sobe ao alto da torre, eu
te suplico, para ver se meus irmãos não vêm; eles me prometeram que me viriam
ver hoje, e, se os vires, faze-lhes sinal para que se apressem.
A irmã subiu ao alto da torre, e a pobre
aflita gritava-lhe de vez em quando:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
E a irmã respondia:
- Não vejo nada a não ser o Sol que
brilha e a erva que verdeja. Entrementes, Barba-Azul, com um grande cutelo na
mão, gritava para a esposa com toda a força:
- Desce depressa, ou eu subirei aí.
- Mais um momento, por favor -,
respondia-lhe a mulher. E logo, baixinho:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
E a irmã Ana respondia:
- Não vejo nada a não ser o Sol que
brilha e a erva que verdeja.
- Desce depressa – bradava Barba-Azul -,
ou eu subirei aí.
- Já vou – respondeu a mulher. E depois:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
- Só vejo – respondeu a irmã Ana – uma
grossa poeira que vem desta banda.
- São meus irmãos?
- Infelizmente não, minha irmã; é um
rebanho de carneiros.
- Não queres descer? – bradava Barba
Azul.
- Mais um momento – respondia a mulher.
E depois:
- Ana, minha irmã, não vês ninguém?
- Vejo – respondeu ela – dois cavaleiros
que vêm deste lado, mas ainda estão muito longe… Louvado seja Deus! – exclamou
um instante depois. – São meus irmãos; estou lhes fazendo sinal, tanto quanto
me é possível, para que se apressem.
Barba Azul pôs-se a gritar tão alto que
a casa estremeceu. A pobre mulher desceu e atirou-se aos pés dele, desgrenhada
e em prantos.
- Isto não adianta nada – disse Barba Azul.
– Tens de morrer.
Em seguida, segurando-a com uma das mãos
pelos cabelos e erguendo-a com a outra o cutelo no ar, ia cortar-lhe a cabeça.
A pobre mulher, voltando-se para ele, rogou-lhe que lhe concedesse um breve
momento para se recolher.
- Não, não – disse ele -, e encomenda
bem tua alma a Deus. E ia erguendo o braço… Neste momento bateram à porta com
tanta força que Barba Azul se deteve instantaneamente. Abriram e logo se viu
entrar dois cavaleiros que, sacando da espada, correram direto a Barba Azul.
Ele reconheceu que eram os irmãos da
esposa, um deles dragão e o outro mosqueteiro, e fugiu sem demora para
salvar-se; mas os dois irmãos o perseguiram tão de perto que o alcançaram antes
que ele pudesse atingir a escada externa. Atravessaram-no a fio de espada, e o
deixaram morto. A pobre dama estava quase tão morta quanto o marido, nem lhe
restavam forças para beijar os irmãos.
Verificou-se que Barba-Azul não tinha
herdeiros, razão por que sua mulher se tornou dona de todos os seus bens.
Empregou parte deles no casamento de sua irmã Ana com um jovem fidalgo, que a
amava desde muito tempo; outra parte na compra do posto de capitão para seus
dois irmãos, e o resto no casamento dela própria com um homem muito distinto,
que lhe fez esquecer o mau tempo que ela
passara com Barba Azul.
Fonte: http://br.hellokids.com/c_26888/leia/contos-para-criancas/contos-classicos/os-contos-de-fadas-do-charles-perrault/o-barba-azul-conto-do-fadas.
Que legal esse conto! E que final surpreendente!
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