O
texto abaixo é da autoria de Ignácio de Loyola Brandão.
Para
saber mais sobre esse autor, favor acessar: http://www.releituras.com/ilbrandao_bio.asp.
Boa
leitura!
O
RISCO DA MEIA DA MOÇA
Cedo
ainda, pai e filha entraram na lanchonete deserta. O homem escolheu a mesa no
canto, junto à janela. Magro, óculos de lentes espessas, parecia cansado.
Indagou da menina:
—
O que você quer?
—
Chocolate.
—
E para comer?
—
Pão de queijo. E o senhor?
—
Acho que nada.
Enquanto
ela comia com lentidão, o pai olhava atento, como que preocupado. Havia um
breve brilho de alegria nos olhos dele, talvez contentamento por estar com ela.
No entanto, não parecia muito à vontade. A manhã de maio era límpida, fresca.
—
O que é vaidoso, pai?
—
Onde você ouviu isso?
—
A professora disse para um menino que ele fazia muita pose na classe, que era
vaidoso. É coisa ruim?
—
Depende.
—
O que é depende?
O
homem não respondeu. Seu olhar se tornou pensativo. Como explicar, em poucas
palavras, ou em palavras simples, o significado de depende?
—
É coisa boa, pai?
—
Pode ser.
—
Ou é ruim?
—
Pode ser. Às vezes, uma pessoa quer brincar com a outra, carinhosamente, e diz:
você é vaidoso. Ou então, faz ironia, para cutucar o outro, mexer. Se a pessoa
é muito cheia de si, é vaidosa, não vai gostar.
—
Pai, o que é ironia? E uma pessoa cheia de si?
O
homem novamente não respondeu. No entanto, parecia contente com a curiosidade
da filha. Ela tomou mais um pouco do chocolate, fazendo barulho com a boca.
—
Não faça isso, é feio. Coisa de gente mal-educada.
—
Sou bem-educada?
—
Ao menos, tenho tentado.
Ele
viu que o pão de queijo tinha sido devorado. Talvez a menina quisesse outro.
Virou-se um pouco, tirou umas moedas do bolso, contou.
—
Quer outro pão de queijo?
—
Posso?
—
Por que não?
—
Outro dia, na padaria, comi um pão na chapa e você não comeu nada, estava sem
dinheiro. Você tem dinheiro, pai?
—
Pode comer outro. Sossegada.
Desta
vez, ele pediu um pão de queijo com recheio, ela mordeu, o requeijão escorreu.
Ela riu, os dois riram.
—
Surpresa, pai! Que delícia! Quer provar?
Os
olhos dele indicavam que sim, ele disse não.
—
Quando chove, a água não leva a cor das flores?
—
O quê?
—
Quem pinta o céu de azul?
—
É o azul do ar.
—
Por que o vidro é transparente?
—
Vamos fazer uma lista das coisas que você quer saber e no sábado nos sentamos
no Ibirapuera e resolvemos tudo.
A
menina não prestou atenção, estava olhando uma mulher que tinha entrado,
morena, muito bonita.
—
Viu a meia dela, pai?
—
Não. O que tem?
—
É moderna, tem um risco no meio, atrás. Você me compra uma?
—
No seu aniversário.
—
Vou ficar maravilhosa como aquela mulher?
—
Vai.
—
Por que não olha para ela, pai?
—
Já olhei. Uma mulher dessas é um sonho, filha.
—
Sonhos não acontecem?
—
Depende da gente.
—
Depende... o que é depende?
O
pão de queijo se acabava, ela queria desfrutar ao máximo. Ao terminar, ficou
olhando pela janela. O salão de festas da lanchonete estava bem à frente, todo
colorido.
—
O que é aquilo?
—
Para festas de aniversário.
—
Vamos fazer a minha ali?
—
O seu aniversário demora.
—
Mas vamos fazer?
Ele
pareceu indeciso entre dizer não e desiludir e dizer sim, ela esperar e ele não
poder cumprir.
—
Depende...
—
Depende, quer dizer coisa ruim, não é?
—
Vou tentar tudo. Agora, vamos embora.
Eles
se levantaram, o homem começou a apanhar a bandeja.
—
O que está fazendo pai?
—
Limpando a mesa, é costume.
—
Eles não têm empregados?
O
homem não soube responder. Apanhou tudo e levou ao lixo, em cuja tampa estava
escrito obrigado. A menina deu a mão ao homem, caminharam para a saída. Na
calçada, ela se voltou para ele:
—
Não sabemos muita coisa, não é pai? Ou o senhor não gosta de responder
perguntas?
—
Um dia saberemos.
—
Saberemos? E se a mulher olhasse para você, pai?
O
homem não respondeu, mas sabia que carregaria dentro dele, quem sabe para
sempre, o belo rosto da mulher, já que não tinha visto o risco da meia.
Fonte: http://paginas-cronicas.blogspot.com.br/2011/09/o-risco-da-meia-da-moca-ignacio-de.html.
Fonte: http://paginas-cronicas.blogspot.com.br/2011/09/o-risco-da-meia-da-moca-ignacio-de.html.
Que linda crônica, gostei de ler!
ResponderExcluirLindo o conto..Gostei muito..
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