Capítulo 32 – Confissões
Emanuela acompanhava a irmã na biblioteca, que estava estudando. Ela
vasculhava as estantes em busca de algo que pudesse ler. Vez ou outra, também
percebia que a irmã se desligava do que estava fazendo e suspirava. De repente,
o celular de Mariana tocou, ao ver quem era, percebeu que era Rafael, um pouco
hesitante, apenas desligou.
— Quem era? – perguntou Emanuela curiosa.
Mariana pareceu ficar um pouco sem graça.
— Não era ninguém. Ando recebendo trotes ultimamente. – disse, se
sentindo mal pela mentira.
Depois disso, Emanuela percebeu que a irmã parecia estar tendo
dificuldades com os estudos.
— O que foi Mariana? – perguntou preocupada, se aproximando com um livro
e sentando-se perto da mesa onde a irmã estava. – Você está assim desde o
começo da semana. Sempre anda desligada e, às vezes, nem responde quando eu
falo.
— O que disse? – perguntou Mariana como se estivesse notado naquele
momento que a irmã estava falando com ela.
— É disso que estou falando... Você está muito desligada.
Mariana sorriu meio sem graça.
— É porque essa semana, o Dr. Otávio me chamou e disse que em breve
posso fazer a prova para entrar na faculdade que a Vivi frequenta. Então, estou
um pouco apreensiva, só isso.
Emanuela estranhou.
— Por que não me disse? Bem, se é esse o caso... Mas é estranho ficar
assim, quando tem se preparado há tanto tempo para fazer uma prova parecida.
— Também estou preocupada. Não queria ficar gastando o dinheiro dele
dessa forma. Essa faculdade é muito cara e não sei se me daria bem com tantas
pessoas de classe alta. Daí, fiquei em dúvida se eu não deveria esperar para
tentar na universidade pública.
— Você que sabe. Pode entrar nessa, depois, se não gostar, pode pedir ao
Dr. Otávio para tentar outra. Em todo caso, não é mais segredo que ele é nosso
avô, então, não seria algo extraordinário ele gastar o dinheiro dele, pagando a
mensalidade de alguma faculdade.
— Tem razão. É porque ainda não me acostumei totalmente à ideia de que é
nosso avô, quando nem sequer conhecíamos nosso pai.
As duas estavam nesse ponto da conversa, quando alguém bateu à porta,
entrando em seguida. Era Viviane, que, assim que entrou, olhou para Mariana.
— Mariana, pode sair um pouquinho? Quero conversar com você.
A garota pareceu ficar um pouco desconfortável.
— Agora? É que estou ocupada...
— Isso mesmo, tem que ser agora. – disse Vivi enfática, enquanto Mariana
ainda não se levantava de onde estava.
— Não vai? – perguntou Emanuela, estranhando.
— É... É claro que vou. – disse, levantando-se, tentando esconder o fato
de se sentir desconfortável com aquilo. Ela poderia imaginar sobre o que
Viviane queria conversar.
Mariana saiu da biblioteca e ficou do lado de fora com Vivi.
— O que quer agora?
— O que eu quero? Não se faça de desentendida. Quero saber sua decisão
final. Pelo que eu saiba, não me disse o que resolveu sobre Rafael. Vai
desistir dele ou não?
Mariana suspirou um pouco impaciente.
— Vivi, acho que já teve o suficiente com essa brincadeira. Eu já disse
a você, não vou me afastar do Rafael só porque quer. Por favor, estou tentando
me concentrar nos estudos...
— Querida Mariana...
De repente, as duas foram interrompidas pelo toque de celular de
Mariana. A garota pegou o celular do bolso e olhou. Vivi percebeu que Mariana
parecia hesitante e arrancou o celular da garota.
— Vivi! Me devolve, por favor. – pediu.
Viviane olhou e viu que se tratava de Rafael. Ela desligou o celular.
— Então, agora, vocês estão conversando por telefone, já que não se
encontram? Eu não disse a você para se afastar completamente dele?
—
Vivi, por que está fazendo isso comigo?
—
Eu já lhe disse, não preciso repetir. Agora, gostaria de lhe perguntar, por que
não quer ser afastar dele? Se fosse um amigo de longa data eu entenderia, mas
por que está fazendo isso? Por acaso, deixou de gostar do Fabrício para gostar
dele?
—
Do que está falando? Ele é só um amigo para mim. Um amigo com quem posso
contar, não me peça para abrir mão dessa amizade só porque tem medo de que eu o
roube de você.
Viviane
encarou Mariana.
—
Ok, você fez a sua escolha, vou dizer tudo a sua irmã. – disse, prestes a
abrir a porta da biblioteca.
— Não, por favor, não faça isso. – disse Mariana, segurando-a pelo
braço.
Independente da súplica de Mariana, Viviane abriu a porta. Emanuela
estava sentada em uma cadeira junto a mesa e teve um pequeno sobressalto com a
entrada repentina da garota.
—
Olá, Emanuela. Gostaria de conversar com você, tenho algo muito importante para
dizer. – disse, entrando, ainda sendo
seguida por Mariana, que olhava para Vivi como se implorasse que não dissesse
nada.
—
O que está acontecendo? – perguntou Manu, se levantando.
—
Não está acontecendo nada. – disse Mariana aflita – É só uma brincadeira da
Vivi.
—
Não é brincadeira não, tenho algo muito importante para lhe dizer, algo que nem
imagina.
Mariana
balançou a cabeça, ainda implorando com os olhos para Viviane, prestes a
chorar.
—
Por favor, Vivi. Por favor, não diga. Por que está fazendo isso?
—
Gente, o que está acontecendo? – perguntou Emanuela preocupada – Mari, por que
está assim?
—
Eu já tinha dado uma oportunidade e você não aproveitou. – e olhando para
Emanuela –Emanuela, sabe a razão pela qual a sua irmã era tão amiga de Rafael?
– Mariana segurou no braço de Vivi, implorando com o olhar, enquanto balançava
a cabeça negativamente. Viviane soltou-se com violência dela. E olhando para
Emanuela - Ela compartilhava segredos com ele, um em especial.
—
Vivi, não sei o que está acontecendo, mas se minha irmã tem segredos com um
amigo, isso não é da minha conta.
—
Não esse. Esse é totalmente e exclusivamente da sua conta.
—
Vivi! – implorou Mariana pela última vez – Por favor! Eu lhe imploro.
Viviane
se aproximou de Emanuela.
—
A sua querida irmã que você tanto ama... Ela é apaixonada por alguém? Advinha
quem é? – e diante do olhar um pouco confuso da Emanuela – Fabrício, seu
querido namorado.
Emanuela
parecia incrédula diante daquilo. Olhou para Mariana perplexa.
—
Isso é verdade, Mari?
Mariana
estava prestes a chorar.
—
Vivi, não deveria ter dito isso.
—
Diz a ela, Mari. Que você gosta do namorado da sua irmã.
Mariana
saiu correndo, chorando, enquanto Emanuela e Vivi ficaram na biblioteca.
Emanuela sentou-se em uma das cadeiras sem reação com o olhar no vácuo e ficou
assim durante alguns segundos, até que dirigiu seu olhar para Viviane.
—
Por que fez isso, Vivi?
—
Por que mais? Ela não queria se afastar do Rafael, então, tive que tomar
medidas extremas. Sou uma garota má, no final das contas.
Emanuela
se levantou novamente, se aproximando de Viviane, que recuou um pouco receosa.
—
Estou falando a verdadeira razão. Já conheço o seu jogo de querer parecer má na
frente das pessoas, quando não é. Francamente, não acredito que seja tão
insensível assim.
Viviane
suspirou.
—
Pois, então, acredite. Fiz isso, porque eu quis.
—
Viviane! Diga sinceramente a razão por trás disso, antes que eu fique realmente
chateada com você por ter machucado a minha irmã dessa forma.
Viviane
se surpreendeu, era a primeira vez que via Emanuela tão séria. Passaram-se
alguns segundos antes que respondesse.
—
Só não queria que se tornassem como eu e minha mãe. Satisfeita? – disse por
fim.
—
O que está falando?
Viviane
desviou o olhar de Emanuela um pouco envergonhada.
—
No começo, não pretendia dizer, só ameacei por despeito, mas depois pensei
bastante e a melhor escolha seria dizer tudo. Mesmo quando eu detestava vocês,
a única coisa que ainda admirava era a relação que tinham. – e olhando para
Emanuela – Sei que todo mundo tem seus próprios segredos, mas um segredo assim
poderia criar um muro invisível entre vocês. Se minha mãe tivesse esclarecido
tudo comigo antes, não seríamos tão distantes uma da outra. E já que você
parecia ter criado um muro ao ser redor, eu não poderia ficar só olhando e ver
sua irmã fazer o mesmo.
—
Eu coloquei?
—
Achava que ninguém nunca perceberia? Para mim é muito evidente que você é muito
fechada e guarda tudo para si mesma, sem dividir nem mesmo com Mariana. Sei
disso porque também sou assim, mas pelo menos você tem a sua irmã. Deveria
agradecer por eu ter feito isso.
Emanuela
suspirou.
—
Está bem. Sei que teve boas intenções, mas da próxima vez tome cuidado com seus
métodos. Preciso falar com a Mariana agora. – disse, saindo.
Emanuela
primeiro foi no quarto. Ao ver que a porta estava trancada, teve certeza que
sua irmã estava lá.
—
Mariana, preciso falar com você. – disse, batendo levemente – Por favor, abra a
porta.
Mariana
abriu a porta. Emanuela viu que ela estava com os olhos vermelhos de chorar.
Emanuela entrou.
—
Precisamos conversar.
—
Desculpa. Eu juro que eu não queria gostar dele. – e deixando as lágrimas
correrem - Me desculpe, por favor.
Emanuela
olhou séria para a irmã.
—
Não precisa se desculpar por gostar de alguém.
—
Mas é o seu namorado, a pessoa que você gosta. Eu me sinto muito mal, é como se
eu tivesse te traído.
Emanuela
sentou-se na cama, fazendo a irmã sentar-se ao lado dela.
—
Não seja exagerada, você não me traiu. Eu ficaria triste se você o odiasse. Mas
você é uma pessoa tão especial, Mariana, que eu sei que você é incapaz de amar
de uma forma egoísta. Mesmo assim, fico triste por ter guardado isso, sem poder
me dizer e gostando dele também. Deve ter se atormentado demais.
—
Como eu poderia dizer algo assim? – disse desconsolada – E se eu dissesse, você
iria querer terminar com ele.
Emanuela
enxugou as lágrimas da irmã.
—
Pois é... E agora mesmo eu poderia terminar com ele se pedisse. Mesmo que
outras irmãs não fizessem isso, para mim você é tão importante que eu
sacrificaria qualquer coisa.
—
Não. Jamais quis que terminasse com ele. Por causa dele, você mudou bastante e
vi que estava mais feliz, o que me deixou feliz também. De verdade. Você gosta
muito dele e ele de você, por isso quero que continuem juntos.
—
Eu sei... – disse pensativa – Conhecendo você do jeito que conheço, se eu
terminasse com ele, se sentiria mais culpada ainda. Então, não se preocupe com
isso. Mas foi bom que Viviane a tenha forçado a falar isso.
Mariana
olhou para a irmã confusa, enquanto ainda enxugava algumas lágrimas.
—
O que está dizendo?
—
Viviane fez tudo isso, pensando que não deveríamos ter esse tipo de segredo tão
importante entre nós duas. Ela achou que isso nos tornaria distantes uma da
outra. De alguma forma, ela está certa. E pensando nisso, também cheguei à
conclusão que nunca fui totalmente sincera com você. E essa é uma boa
oportunidade para dizer o que precisa ser dito.
—
Do que está falando?
—
Viviane falou algo que só percebi agora. Que de alguma forma, coloquei um muro
entre nós duas há muito tempo, o que me impedia de compartilhar o que eu sentia
com você. Então, decidi não guardar mais esse segredo que tenho há muito tempo.
– e fazendo uma pausa – Há algo sobre a morte da Rebeca que nunca disse a você,
porque nunca tive coragem. Eu sempre lhe protegi muito, porque no fundo me
senti culpada pelo que aconteceu. Você não lembra, mas no dia da morte Rebeca,
no dia em que ela foi morta, eu tinha saído para comprar algo que ela tinha me
pedido. Naquela época, você deve se recordar que eu não era muito obediente,
principalmente à Rebeca, eu sentia uma raiva incompreensível por ela e até
dizia coisas difíceis de ouvir. Com raiva, ao invés de comprar o que tinha sido
mandado e voltar logo para casa, fui direto para a casa de uma amiga e fiquei
brincando com ela muito tempo. Quando dei por mim, já era quase seis horas da
tarde. Foi aí que pensei em voltar, mas começou a chover forte, por isso tive
de ficar mais um pouco.
—
E o que aconteceu depois? – perguntou Mariana.
Emanuela
ficou em silêncio por um instante, estava comovida.
—
Quando eu voltei, havia carros da polícia, ambulância e algumas pessoas. Dois
homens levavam o corpo da Rebeca coberto para dentro de um carro. Mas o que
mais me chocou, foi quando eu vi o Rogério correndo para a ambulância com você
nos braços. – disse emocionada – Estava suja de sangue e chorava muito, muito
mesmo. Nunca tinha visto ninguém chorar daquele jeito até aquele momento. No
resto da noite, você estava tão em choque, que nem respondia quando eu falava e
nem conseguia dormir, tanto que no hospital tiveram que lhe aplicar um remédio
para que pudesse adormecer. Quando entendi tudo que havia acontecido, não
consegui evitar me culpar. E só me senti um pouquinho aliviada porque no outro
dia você acordou como se nada tivesse acontecido, sem se lembrar de nada do dia
anterior. Mas mesmo assim, eu ainda sentia muita culpa. – e quase em lágrimas –
Eu pensava “se eu tivesse chegado um pouco mais cedo, poderia ter visto quem
fez aquilo, poderia ter pedido ajuda”... “Se eu tivesse chegado pelo menos um
pouquinho mais cedo, aquilo não teria acontecido” “Por minha culpa, a Rebeca
morreu”. E depois, a minha culpa aumentou mais ainda, quando você começou a ter
pesadelos sempre que chovia, sem nem mesmo saber por quê.
—
Por que nunca me contou isso? Deve ter sido difícil se consumir com culpa todo
esse tempo.
—
Eu também não tinha coragem. Achava que você sentiria raiva de mim com o tempo,
não sei. Por isso que bem no fundo, eu gostaria que não se lembrasse daquele
dia.
—
Eu jamais a culparia, porque não foi sua culpa, Manu. – disse Mariana – Você
também foi a vítima ali. O culpado foi quem matou a Rebeca, apesar de nunca
descobrirmos quem foi.
—
Eu sei... Mas quando eu entendi isso, já tinha me ferido demais e, muitas vezes,
ainda me pego pensando que tive minha parcela de responsabilidade.
—
Mas não teve. Eu acredito que as coisas não acontecem por acaso. Se tivesse
voltado antes, poderia ser que agora eu não tivesse nem a Rebeca e nem
você. – e pensativa – Mas, pelo menos,
agora eu sei por que não gosta de se deixar levar pelas emoções.
Emanuela
riu, enquanto enxugava suas lágrimas com a mão.
—
Pois é. Quem diria que, por causa da Viviane, consegui dizer algo que nunca
pensei que diria em toda a minha vida. Sinceramente, sinto como se um peso
enorme tivesse saído de minhas costas.
—
Eu disse a você, Viviane não é uma má pessoa, só finge ser assim. Ela tem medo
de se machucar e por isso quer que as pessoas a odeiem. É mais fácil lidar com ser
machucado por alguém que te odeia do que por alguém que se ama. Mas não podemos
nos afastar de todos só por medo de nos ferir.
—
Acho que amar e se deixar ser amado é um algo que exige coragem. – disse
Emanuela.
—
É verdade. – disse Mariana – Espero que a Vivi perceba isso.
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