Capítulo 33 – Detalhes
Otávio estava em sua cama, descansando, quando alguém bateu a porta. Era
Gabriele.
— Com licença, Dr. Otávio. Como está se sentindo hoje? – perguntou ela
assim que entrou.
— Estou bem. A cada dia bem melhor.
— Que bom. – disse ela, sentando-se em uma cadeira próximo a cama do Dr.
Otávio.
Otávio percebeu que Gabriele parecia querer dizer algo.
— Sim, mas o que veio fazer aqui? Quer dizer alguma coisa, não é?
— Sim. – disse ela meio sem jeito – Quero dizer que, possivelmente,
daqui há alguns dias estarei voltando para a Itália. Já falei com minha irmã e
ela já está arrumando tudo para minha estadia. Até lá o senhor vai estar bem
melhor, tenho certeza. Então, posso ir menos preocupada.
Otávio olhou com um olhar compreensivo.
— Ainda acho que está sendo precipitada. Deveria ficar. Mas se é o que
decidiu, continuarei a respeitar sua decisão.
***
Mariana, Emanuela e Viviane voltavam de carro. De repente, quando o
motorista parou em um sinal, Mariana cutucou no braço da irmã, chamando-lhe a
atenção.
— Manu, olha. Não é aquela mulher que estava com o Fabiano no
aniversário da Viviane?
Emanuela olhou e viu que a mulher conversava com alguém em um
restaurante.
— Acho que é ela sim... Mas, você tem uma boa memória, só a viu uma vez
e se lembrou.
— Quem? – perguntou Viviane, interessada, olhando pela janela. – Ah...
Eu também me lembro dela... Acho que o nome dela é... Rebeca.
— Rebeca?! – as duas quase gritaram.
— Ai, meus ouvidos... – reclamou Viviane.
Mariana ficou em silêncio.
— É o mesmo nome... – comentou Emanuela bem baixo e vendo que o carro
recomeçara a andar. – E por alguma estranha razão, também se parece com ela.
A viagem continuou com tranquilidade, mas Mariana parecia mais quieta do
que o normal. Como se pensasse profundamente sobre algo.
— O que foi, Mari? – perguntou Emanuela preocupada.
— Ah? – disse ela, acordando de repente. – Não é nada, é só que aquele
homem que estava com ela... Eu já o vi antes. Foi na mansão, quando ele foi
visitar o nosso pai e depois o nosso pai disse que era um amigo de longa data.
Que coincidência, não?
— Tem razão. Uma estranha coincidência. – disse Emanuela, pensando que
tipo de relação poderia existir em uma mulher cujo nome era Rebeca e até mesmo
se parecia com ela e Rogério.
***
Rebeca terminara de almoçar. Agora podiam conversar à vontade junto com
o seu convidado.
— E como estão as coisas? – perguntou ela com o tom de voz baixo.
O homem limpou a boca com um guardanapo e, calmamente, bebeu um pouco de
água.
— Consegui mais informações. – disse, enquanto colocava um envelope em
cima da mesa. – Mas ainda não é suficiente. Em todo caso, estou trabalhando
nisso quase em tempo integral. Em breve, terá o que você chama de vingança.
— Eu andei pensando sobre isso... – disse ela com o olhar vago. – Não é
vingança. É apenas justiça. Se fosse vingança mesmo, eu mesmo o mataria. Não
sabe quantas vezes me senti tentada a isso.
O homem olhou sério para ela.
— Deveria ter mais cuidado com suas palavras. Se alguém ouvir, pode ter
uma ideia errada de você.
Rebeca pareceu desconcertada.
— Tem razão. Não pense...
— Não se preocupe, eu não pensei nada. – disse ele. – De qualquer forma,
é preciso que saiba que o que está prestes a fazer pode arruinar todo um
império.
— Eu sei, sempre soube. E até peço desculpas por envolvê-lo e me
conseguir documentos falsos para seguir com meu plano.
Ela permaneceu em silêncio por um momento. O olhar do homem parecia
curioso.
— O que foi? – perguntou ela, percebendo.
— Não, só estava me perguntando... Como uma pessoa que tem amnésia é
capaz de recuperar a memória tão rápido. Só estava curioso.
Rebeca, de repente, pareceu absorta em seus pensamentos, enquanto olhava
um copo à sua frente.
— Por mim, eu teria ficado para sempre na ignorância. Os tempos em que
passei sem ter lembrança de nada foram os mais felizes. Apesar de saber que me
faltava algo, havia um tipo de alívio e agora eu sei por quê. – e com um meio
sorriso – Uma simples música tocada em um piano e todo aquele inferno volta. –
e olhando para o relógio – Me desculpe, acho que devo ter tirado todo o seu
descanso, não é? Por enquanto, é só isso, se eu tiver mais informações, eu
aviso. – disse se despedindo.
Rebeca saiu do restaurante e pegou um táxi.
***
Ao chegarem em casa, Manu e Mari já iam subindo para o segundo andar,
quando Viviane parou na escada, pensativa. De repente, olhou para as duas e as
chamou.
— Eu tenho uma coisa para mostrar para vocês.
As duas desceram e seguiram Vivi, que foi até a outra escada que ficava
próxima a biblioteca. Subiram e Viviane as guiou até um quarto que ficava
mais afastado, quase perto da varanda que dava para a fachada. Mariana
lembrou-se que Viviane havia mencionado aquele quarto por onde Dr. Otávio
passou para ir ao seu próprio quarto. Vivi abriu a porta e as três entraram.
Mariana e Emanuela viram um quarto bem mobiliado com algumas estantes de
madeira.
— Eu acho que vocês têm o direito de conhecer um pouco do pai de
vocês...
— Do nosso pai? – perguntou Emanuela, um pouco confusa.
— Nesse quarto tem quase tudo do que foi do Jorge. Roupas, sapatos,
livros... Fotografias...
Mariana parece incrédula.
—Vocês não se desfizeram de nada em todos esses anos?
Viviane suspirou.
— De muitas coisas, mas a verdade é que nunca deixei levarem tudo e acho
que também nosso avô não permitiria. É como se ele esperasse que essas coisas
explicassem por que ele morreu da forma que morreu. Para mim, era a única coisa
que me ligava ao meu pai... – disse, olhando um porta-retrato e colocando no
local novamente. – Se bem que agora não posso considerar assim...
Emanuela olhou para Viviane. Era evidente que durante todo esse tempo,
Viviane agia como se tivesse superado rapidamente aquilo, mas, no fundo, era
provável que ainda se sentia muito triste com aquilo. Possivelmente, ainda era
difícil para ela pensar em Jorge como um homem qualquer e que Dr. Otávio não
era seu avô biológico.
Emanuela olhou para as estantes e pegou um livro.
— Parece que tem muitos livros de música...
Viviane acordou do seu devaneio e se aproximou.
— Tem razão. O papai... Quer dizer, o Jorge amava música. A mamãe disse
que se não fosse pelos negócios da família, ele teria sido artista.
— Então, ele não fazia aquilo que realmente gostava... Deve ser ruim
fazer algo porque se é obrigado a isso.
Viviane sorriu absorta, enquanto olhava outro livro. Emanuela olhou e
percebeu que se tratava de um livro relacionado à área administrativa.
— Mas esse livro... – disse Emanuela.
— É um dos poucos de administração que tem aqui... – interrompeu
Viviane. – Eu devia ter desconfiado. O Jorge nunca gostou de administrar a
empresa, enquanto que eu... Bem, estava na cara que eu não era filha dele.
— Isso não tem nada a ver. – disse Mariana. – Não deveria se prender a
coisas tão pequenas. Tenho certeza que se ele tivesse vivo, a trataria como
filha legítima.
— Quem sabe... – respondeu Vivi distante.
— Mas, vez e outra, você fala que gosta de administração, então, por que
não muda o curso?
— Tio Marcos nunca deixaria. Pode parecer besteira, mas, por alguma
razão, eu tenho medo dele... Ele tem uma presença que faz qualquer um temê-lo.
— Isso é verdade. – concordou Emanuela. – Ele raramente passa na
empresa, mas quando o vemos, é difícil não sentir certo receio. Mais do que ser
acostumado ao poder, é como se tivesse completa noção do que ele pode fazer.
De repente, Mariana viu uma pequena caixa em cima do guarda-roupa.
— O que tem aqui? – disse, se aproximando para pegar.
— Apenas alguns objetos pessoais... Relógios, anéis... Algumas
anotações. – respondeu Viviane, parando de repente. – Se bem que foi nessa
caixa que encontrei a carta que falava de vocês...
Emanuela e Mariana olharam de repente para Viviane.
— O que você quer dizer? – perguntou Manu.
— Ah, é mesmo. Possivelmente não foram vocês que forjaram a carta. – e
depois de uma pequena pausa – O vovô só soube que o Jorge teve outros filhos
por causa de uma carta que contava sobre o que tinha acontecido.
Mariana pareceu lembrar.
— Ah, é verdade. Se lembra, Emanuela? Outro dia Viviane havia falado
sobre isso.
— Lembro sim. É que depois de tantas coisas, acabei esquecendo. – e
olhando para Viviane – Tem como você nos mostrar essa carta? – pediu Emanuela.
Viviane concordou e as três foram para o escritório do Dr. Otávio.
Viviane lembrava-se que seu avô guardava uma cópia em uma das gavetas. Ela
encontrou e entregou às duas.
— Aqui tem uma cópia. A original está com o Dr. Tarcísio. – disse,
entregando um papel para as duas.
As gêmeas se puseram a ler a carta.
— Que estranho, - disse Emanuela. – Aqui só fala da existência de uma
criança...
— Eu também achei estranho quando li. – disse Vivi. – Mas talvez a
pessoa que escreveu não sabia da existência das duas...
Emanuela parecia pensativa.
— Mas, mesmo assim, de acordo com a data, nós já tínhamos nascido.
Mariana olhou a carta novamente.
— E tem outra coisa, eu conheço essa letra... – Mariana olhou mais
atentamente. – Mas não pode ser. – e olhando para Emanuela – É a letra da
Rebeca!
Viviane olhou incrédula para Mariana.
— Como você pode se lembrar disso? Você não era muito pequena?
— Quando morávamos com a Rebeca, ela fez um único aniversário. Como foi
o primeiro aniversário da minha vida, guardei um convite como lembrança.
— Depois temos que comparar para ver isso. – e olhando para Viviane. – Mas
você disse que encontrou aqui... Então, durante todo esse tempo você nunca a
encontrou?
— É. Isso também me intriga. – disse Viviane. – Eu sempre mexi nas
coisas do papai... Mas nunca tinha encontrado isso.
— É quase impossível que tenha ficado aqui durante tantos anos. –
comentou Emanuela.
— Isso quer dizer então que alguém colocou isso aqui de propósito... –
disse Mariana.
— Eu pensei nisso também. – comentou Viviane. – Mas, por que alguém só
revelaria essa carta agora? E por quê? – disse sentando-se em uma cadeira. –
Depois de pensar tanto, preferi deixar isso para lá... Afinal, talvez eu
realmente não tenha visto.
As três ficaram caladas. Emanuela ainda estava intrigada com o fato de a
carta ter sido escrita pela Rebeca. Mariana sabia que algo estranho estava
acontecendo. Por alguma razão, alguém já sabia da existência de outros filhos
do Jorge, mas só pôde revelar muito tempo depois.
— Mesmo assim... – disse Mariana – Se alguém colocou isso aqui de
propósito, então quem poderia ter sido? Não tem lógica... Depois de esconder
uma carta por tanto tempo... Por que mostrar isso só agora?
Emanuela pegou a carta que estava nas mãos da irmã.
— Mariana tem razão. Mas tem outra coisa também. Quando essa carta foi
escrita, nós estávamos com a Tânia... Então como a Rebeca poderia ter escrito?
— Sério? – perguntou Viviane admirada. – Isso quer dizer que antes de
criar vocês duas, essa tal de Rebeca já sabia sobre vocês? Nossa, sinto como se
estivesse em um romance policial agora. Mas, então, por que ela só mencionou uma de
vocês?
Mariana parecia pensativa.
— Talvez o meu pai saiba de alguma coisa.
As três foram até o jardim onde Rogério estava trabalhando. Enquanto
podava algumas plantas, as três garotas se aproximaram.
— Pai? – chamou Mariana ao ver Rogério concentrado no trabalho.
Rogério teve um sobressalto.
— O que as minhas meninas estão fazendo aqui?
— Queremos perguntar sobre a Rebeca.
Rogério parou um instante.
— Pode perguntar. – disse ele, guardando as ferramentas e sentando-se em
um banco próximo.
— É que... – começou Mariana. – Quando a mamãe, quer dizer, a Rebeca,
soube da nossa existência?
— Por que a pergunta? – perguntou Rogério um pouco admirado da pergunta.
Mariana entregou a cópia da carta para Rogério. Ao pegar o papel,
Rogério pareceu mudar sua expressão facial.
— Como conseguiram isso? – perguntou ele.
Emanuela estranhou a pergunta do pai.
— O senhor já tinha visto essa carta?
— N-não. Não tinha visto ainda. – disse ele sem olhar diretamente para Emanuela.
– Parece que está falando de vocês, não é? Foi assim que o Dr. Otávio soube,
não foi?
— Sim. – respondeu Mariana. – É por isso que eu estou perguntando se a
Rebeca já sabia da nossa existência. Por que tenho quase certeza que essa letra
é dela.
Rogério olhou de repente para as filhas.
— Da Rebeca? Não é dela. Afinal, ela só conheceu vocês quando eu levei
as duas para morar com ela.
— Como pode ter tanta certeza? – perguntou Emanuela.
— Não tenho certeza. Apenas disse que não pode ser dela. – disse ele um
pouco nervoso.
As três meninas entraram na mansão, ficaram na sala, sentando-se nos
estofados.
— Então, vocês realmente acreditaram no que ele disse? – perguntou
Viviane.
Emanuela olhou para Viviane pensativa.
— A reação de Rogério foi um pouco estranha... – disse Emanuela.
Viviane riu, enquanto pegava um livro.
— É óbvio que ele está escondendo alguma coisa.
— Óbvio? – perguntou Mariana. – Por que ele nos esconderia qualquer
coisa?
— “Mesmo a mentira mais complicada é mais simples que a verdade.” –
respondeu Viviane.
Mariana riu.
— Outra das frases dela...
— Não é minha, é de Paul Valéry. – e olhando para as duas que pareciam
espantadas. – O que foi? Não sou tão fútil quanto pensam que sou.
— Eu não pensei nada. – disse Mariana.
— Nem eu.
— Engraçadinhas... – Viviane levantou-se - O fato é que se ele está
escondendo alguma coisa, é porque talvez a verdade não seja muito boa de ouvir.
Mariana olhou intrigada para Viviane.
— O que você está tentando dizer?
Viviane olhou para as duas.
— Vocês ainda não se perguntaram por que ela esconderia uma das duas? Se
ela entregasse uma, o que ela faria com a outra?
Emanuela olhou para Viviane, tentando entender o que a garota falava.
— O que você está insinuando?
— Vocês nunca pensaram que uma de vocês poderia ser vendida? Ganha-se
muito dinheiro com isso. Acreditem, milionários pagam muito por órgãos...
Mariana olhou assustada para Viviane.
— Rebeca nunca faria isso! E se ela realmente quisesse, por que ela não
venderia as duas sem mandar a carta? Não faz sentido!
— Para que ninguém a acusasse depois. – disse Viviane. – Se ela
entregasse uma de vocês, ela estaria livre de qualquer investigação. Se ela não
entregasse, talvez depois viessem atrás dela.
— Eu não posso acreditar nisso. – disse Mariana. – Você também não
acredita, não é, Manu?
Emanuela permaneceu calada.
— Não é, Emanuela? – Mariana perguntou enfática.
— Sim. Eu não acredito que ela faria isso. – disse Manu.
Viviane suspirou.
— Eu realmente não queria que pensassem mal de mim por dizer isso. É só
que, como uma pessoa que vê a situação de fora...
— Nós entendemos, Viviane. – interrompeu Emanuela. – É só que não é tão
fácil pensarmos que a nossa mãe pudesse fazer algo assim. É muito desumano,
entende?
Viviane olhou séria para Emanuela.
— Pode parecer. Mas, Emanuela, você mais do que ninguém sabe que as
pessoas em geral nunca mostram o que realmente são.
Viviane levantou-se.
— Vou para o meu quarto descansar um pouco. Vocês também deviam
descansar. – disse, saindo.
Mariana olhou para Emanuela.
— Você realmente não acredita nisso, né?
Emanuela sorriu.
— Eu já disse a você, não disse?
— Assim espero. Por que eu tenho certeza que a Rebeca jamais faria algo
assim. – levantou-se, um pouco chateada, subindo às escadas.
Emanuela suspirou. Sentia-se desconfortável. Naquele momento, seu
coração e sua mente acreditavam em coisas diferentes. O que Viviane disse fazia
sentido, principalmente, sabendo que Fernandes sempre lidou com o tráfico de
humanos. Mas outra coisa também a incomodava. Fabrício não ligara. Olhou para o
celular e, de repente, percebeu que havia uma mensagem.
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