quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

SESSÃO LEITURA - CÃIBRA - VINÍCIUS DE MORAES

A crônica intitulada “Cãibra”, que reproduzimos abaixo, é da autoria de Vinícius de Moraes.
Para maiores informações sobre o autor, fineza consultar: www.releituras.com/viniciusm_bio.asp.
Boa leitura!

CÃIBRA

Um cacho de gente pendura-se ao meu lado, do estribo do bonde descendo a Presidente Vargas em demanda da Central.
Na ponta do cacho, como uma banana não prevista, um mulatinho segura-se ao bonde por apenas dois dedos de cada mão. Numa hora lá, ouço-o dizer:
— Puxa, que cãibra!
Olho a penca humana do meu lugar à ponta do banco.
Tenho à minha esquerda um velho que cochila com toda a pinta de funcionário da Central, os punhos puídos e a gravata desfiando no nó. À minha frente há uma mulata gorda, de pé, ou melhor, o seu impressionante posterior. Vejo, nas caras à minha volta, sinais de imemorial fadiga e paciência.
Dir-se-ia que estamos na Índia. A cor de todo mundo é a da desnutrição e da desesperança. Há poucos rostos escanhoados.
Muitos olhos trazem sinais de conjuntivite crônica e paira um ar geral de avitaminose dentro do elétrico a transportar lentamente a sua carga humana para a cidade. O sol bate a pino no cacho pendente, como a querer amadurá-lo à força, e rapidamente. Lá de fora chega-me novamente a voz, meio aflita:
— Tou com uma cãibra!
Mas ninguém dá atenção. O bonde prossegue um pouco mais, eu de olho no mulatinho de cara contraída, os braços elásticos a abraçar de fora a penca de homens de cerrada catadura.
“Ele vai cair...”, penso comigo. Mas logo depois acho que não, que ele agüenta mais um pouquinho, porque já por estas alturas estamos atingindo a antiga praça Onze, onde há um ponto de parada. Mas a voz chega novamente, aflitíssima, enquanto eu vejo os dedos do mulatinho com as pontas brancas de esforço, agarrados como garras ao balaústre:
— Não aguento mais essa cãibra!
A queda veio em seguida, mas o “roxinho” era muito safo. Apesar de cair de costas, ele aproveitou o movimento, girou numa espetacular pantana e pôs-se de pé. Foi evidentemente sorte sua o bonde estar a fraca velocidade.
Vi-o ainda sacudindo o braço da cãibra que o tomara, sem qualquer sinal aparente de ferimento ou choque. O seu substituto no cacho ficou olhando, o corpo estirado para fora do bonde, e comentou meio para si mesmo:
— O homem devia tar com uma cãibra...

2 comentários:

  1. Engraçado, ele nem pra ajudar o mulatinho...ficou a reparar os demais. Achei médio; nota 5 kkkkkkk

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  2. Pobre do mulatinho, que situação! E ninguém o socorreu, caiu como uma fruta mesmo! Gostei da crônica.

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