O texto abaixo é de autoria de Carlos Drummond de Andrade.
Boa leitura!
A BELEZA TOTAL
A
beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os
espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as
pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo
inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do
banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços.
A
moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos
condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda capacidade de ação. Houve
um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes
houvesse voltado logo para casa.
O
Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à
janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe,
pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito.
Gertrudes
não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a
extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar
puro, acabou sem condições de vida, e um dia cerrou os olhos para
sempre. Sua beleza saiu do corpo e ficou pairando, imortal. O corpo já
então enfezado de Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza de
Gertrudes continuou cintilando no salão fechado a sete chaves.
Fonte: https://www.culturagenial.com/contos-curtos-para-ler-agora-mesmo/#anchor-beleza.