A crônica abaixo foi escrita por Antônio Maria.
Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: http://www.releituras.com/antoniomaria_bio.asp.
Boa leitura!
NÓS E OS DOURADOS
Tínhamos
que atingir um ponto do mar de onde fosse possível ver a silhueta completa do
Pão de Açúcar, à direita da Ilha Rasa. E à esquerda do barco, além da Ilha
Redonda, as Tijucas, desanuviadas e distintas. Chegamos, depois de umas duas
horas de motor Panther. Estamos acerca de quatro milhas ao sul do farol. No
barco, além de quem vos conta a história, Chico Brito, Pescocinho (por não
tê-lo), Noca, um senhor enjoando (por isso, dele, revelamos apenas as iniciais,
O. B.) e o timoneiro Braga — este último de Cachoeiro de Itapemirim. Motivo:
cardume de dourados. Viemos corricando desde a pedra do Forte e as iscas
chegaram intatas. Lanço minha linha de estreante sem grandes esperanças e, de repente,
alguma coisa me puxa para fora do barco. Resisto, dou linha, cobro a margem de
passeio que lhe dei, o bicho pula um metro em cima da onda (é grande e verde!)
e, finalmente, dá o seu último show de valentia, no fundo do barco, levando é o
Braga às voltas com o segundo peixe. Repete-se a luta, a ferroada do bicheiro e
o dourado número dois é apunhalado aos nossos pés. Chico Brito é senhor desses
mares e desses peixes. Fez-se um grande íntimo dos ventos e das correntes marinhas.
Salta, diz nomes feios, xinga a tripulação, embarca o peixe, muda as sardinhas
do anzol, tudo com autoridade. O mar está azul e as águas, muito límpidas,
mostram o fundo abismo de Janaína, onde o risco e a morte têm silêncio de flor
e som de cantiga. O sol arde no rosto, nas costas e nas pernas aprazando uma
noite de Picrato de Butesin. De repente, vindo por debaixo do barco, maior que
o barco (uns três metros e meio), um bicho marrom com a cabeça de martelo, nadando
em macio. Ninguém disse nada antes de olhar para Chico Brito. Depois, os seis,
como uns loucos, começaram a xingar o tubarão de tudo o que era nome. O bicho
volteou o barco e só de piada deu uma cabeçada no motor de popa. Nessa altura
dois dourados comeram nossos anzóis e o tubarão resolve comê-los antes de nos
comer em juventude. O seu nado é uma beleza. Uma negaceada do dourado fê-lo dar
uma grande virada de piscina — sem botar as mãos. Sua nadadeira, fora d'água,
assovia na tona e conduz minha linha. Em seguida, numa deitada de desprezo,
corta o arame do meu anzol e passa roçando o barco a um palmo de mim. Cuspo
nele. Depois circunda o barco num raio de três metros e vem, de cara, em grande
velocidade, em nossa um cronista. O bicho leva a ferroada no lombo, dá outra
virada de piscina e quer levar o Braga pra ele. No barco, todos são contra. A
ponta do bicheiro abriu e o tubarão soltou-se. Chico Brito prepara a
espingarda. Vai ser um tiro certo. Vamos chegar aos Marimbás rebocando três metros
e meio de tubarão. Mas, nessa altura dos acontecimentos, o grande seláquio
resolve cuidar de outros interesses e some a boreste, cortando água, singrando
onda com o leque das costas. Voltamos aos dourados. O sol esfria. Parece que saímos
do pesqueiro porque a posição das três Tijucas, em relação à Ilha Redonda, já
não é a mesma. O vento está ficando úmido. O nosso companheiro O. B. enjoa,
coitado, e ressona agarrado no caniço. Voltamos à praia, com oito dourados e
uma história de tubarão para contar.
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