Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair
CAPÍTULO 83
PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:
PADRE BENTO
DR. MACIEL
DELEGADO FALCÃO
JOÃO
LÁZARO
ALBERTO
CLEMENTE
BRANCA
PEDRO BARROS
JERÔNIMO
JUCA CIPÓ
DALVA
CENA 1 - COROADO - IGREJA - EXT. - DIA.
Padre Bento abriu o portão da igreja, enquanto o sino chamava os fiéis para o ofício matinal. Trôpego, trocando as pernas, o ébrio entrou e estacou nos umbrais do templo. O sacerdote meteu a mão no bolso da batina e retirou um papel retangular. Entregou ao médico.
PADRE BENTO - Leia. É um telegrama para você. Acho que é da sua filha.
DR. MACIEL - Heim? Mi... minha fi... filha? Telegra... ma?
PADRE BENTO - Está aqui. Veja.
O sacerdote abriu o telegrama e o colocou diante dos olhos semicerrados do médico. Maciel não conseguia enxergar as letras. Tudo confuso, embaralhado. Padre Bento percebeu a impossibilidade do velho identificar, sequer, a procedência.
PADRE BENTO - (colocou os óculos e leu) Tá aqui, doutor: “Gabriela nasceu Maternidade São Félix”.
DR. MACIEL - (perguntou, cômicamente) Gabriela? Mas, quem é Gabriela?
PADRE BENTO - Assinado, Ritinha...
DR. MACIEL - Bah! (fez o velho, batendo com a mão no espaço) Eu não sei quem é Gabriela.
PADRE BENTO - É sua neta, doutor. Ela nasceu!
DR. MACIEL - Minha neta? Eu não... tenho... neta!
PADRE BENTO - A filha de Ritinha...
DR. MACIEL - (finalmente atinou) Hem? A filha de Ritinha? Filha de minha filha? Minha neta? Minha netinha? Gabriela. Ela se chama Gabriela? Mas... isso é verdade? Gabriela! (dava saltos diante da igrejinha de Coroado, ante os olhares de desaprovação das beatas que entravam, vestidas de negro, para a missa da manhã) Viva Gabriela! Gabriela nasceu, gente! Gabriela nasceu! (o telegrama suspenso no ar, tremulava á brisa matutina. O velho médico correu pelas estradas barrentas da cidade, trombeteando a boa nova) Gente! Eu sou avô! Ela é Gabriela!
Padre Bento sorria, mãos postas, ao ver a espontânea e irresistível reação do médico de Coroado. A voz sùbitamente clara e forte de Maciel penetrava nos mais diversos ambientes do lugar – botecos, armarinhos, associações – onde houvesse porta ou janela aberta, a voz do ébrio violava o silencio, contando ao mundo a sua alegria:
DR. MACIEL - Povo de Coroado, eu já sou avô! Gabriela nasceu!
O estardalhaço chamou a atenção do delegado. Falcão correu á porta, rodando no indicador o revólver de cano curto. Riu, ao ver a figura cômica do médico.
DELEGADO FALCÃO - Deu a louca no Dr. Maciel! Acho que nasceu a filha da Ritinha. O homem tomou um pileque homérico! Nossa Senhora!
CORTA PARA:
CENA 2 - MORRINHOS - EXT. - DIA.
Atormentado pelo desejo de vingar a morte do pai, Alberto planejou um meio de chegar até o bando de João Coragem. Só havia um: mediante contato com aqueles com quem o foragido mantinha negócios de diamante. Por fim, depois de semanas de tentativas, agora Alberto D’Ávila compartilhava das atividades do bando de foras-da-lei. João acabara de fazer um bom negócio, esporeou o alazão e comandou a partida.
JOÃO - Vamo andando! Vamo, Alberto! Tamo na hora!
Os olhos do rapaz fitaram um rosto de mulher diante da casa de farinha do povoado. A poucas léguas de Coroado. A reação da mulher não passou despercebida aos olhos sagazes do garimpeiro. Como se trespassado por uma corrente elétrica, o filho de Lourenço ficou paralisado. Mal olhou o vulto da mãe. Lázaro reteve o trote do cavalo.
LÁZARO - Posso fazê um convite pra madame? Será que num queria acompanhá a gente, numa aventura?
Alberto retezou os músculos. Fingiu não ouvir o convite infame dirigido á mãe. João esperou a reação de Branca D’Ávila. A mulher fuzilou o marginal com os olhos.
JOÃO - Lázaro... a dona não é de brinquedo. É a mulhé do Lourenço D’Ávila. Aquele que dizem que eu matei!
CLEMENTE - O ladrão do diamante?
BRANCA - Respeitem meu marido! (ordenou, com voz dramática. Estava se acostumando àquele papel permanente. De viúva de um homem leal, honrado).
JOÃO - (voltou a falar, desta vez áspero, ferino) Olha, dona! Prefiro respeitá um assassino do que um ladrão sem-vergonha e ordinário, como era seu marido!
BRANCA - Meu marido está morto! (gritou, quase acreditando em si mesma).
JOÃO - A morte não limpa o passado dele, dona! A morte não devolveu o meu diamante!
BRANCA - (explodiu) Onde está sua dignidade, João?
JOÃO - Tá na minha pedra, que roubaro, na minha família, que destruíro, na minha revolta, na traição que me fizero, dona! Mas... à senhora, eu respeito. E é por isso que não peço agora conta do meu diamante. Um dia eu venho lhe procurá e vamo ter uma conversinha a respeito disso. Eu num tenho pressa, dona... (moveu o braço direito, num chamamento geral) Vamo simbora, minha gente! Vai na frente, Clemente, vê se o caminho ta livre...
CORTA PARA:
CENA 3 - COROADO - PREFEITURA - SALA DE RECEPÇÕES - INT. - NOITE.
A música encobria a conversa dos grupos que se formavam no interior da sala de recepções da prefeitura de Coroado. Os convidados chegavam aos punhados. Gente dali e das povoações próximas, quase todas ligadas ao desenvolvimento comercial da cidade maior. A festa era iniciativa do coronel, anfitrião acatado. Domingas fazia as apresentações, enquanto, mais afastado e de péssimo humor, Jerônimo esperava impaciente o fim que não vinha nunca. Barros aproximou-se e convidou-o para uma conversa em particular.
PEDRO BARROS - Eu lhe chamei, pra lhe lembrar que a gente tem um acordo.
JERÔNIMO - Não era preciso lembrar.
PEDRO BARROS - Não vou fazer nenhuma imposição impossível. Apenas o necessário. Você sabe que no momento que eu quiser, acabo com seu futuro e com o futuro de sua amante. (Jerônimo estremeceu) A noite na gruna até hoje não é do conhecimento de ninguém, mas eu e meus homens, a gente sabe de tudo. E só vamos abrir o bico se você não cumprir o trato. Tamo falado?
JERÔNIMO - Eu já sei. O senhor vai me obrigar a perseguir meu irmão. O senhor quer que eu mande matar ele.
PEDRO BARROS - Esta é uma parte do trato (afirmou, impiedoso) Eu disse que havia mais coisa.
JERÔNIMO - Pois bem, diga!
PEDRO BARROS - Apenas uma a mais... pra mim, muito importante (soltou uma densa baforada de fumaça) Quero que o Falcão continue no cargo dele.
JERÔNIMO - Eu tenho direito de nomear outro delegado...
PEDRO BARROS - Mas... não vai nomear ninguém. É isto que eu exijo. Que você continue dando todo apoio a ele. Porque é homem de minha confiança. E juntos... eu, você e ele, a gente pode fazer muita coisa em benefício da lei de Coroado... (Jerônimo ameaçou dizer qualquer coisa. Barros interveio) Prefiro que não diga nada. A sua resposta tem que sê uma só. Você não pode ir contra a minha vontade. Tenho você na minha mão. Eu te dou a chance de, hoje, neste jantar, você dizer a todos os presentes que tem muito gosto que Falcão continue no cargo... (bateu de leve no ombro do jovem) Você é um rapaz inteligente, Jerônimo.
JERÔNIMO - O senhor ta querendo que eu venda a minha alma!
PEDRO BARROS - A trôco da honra da esposa do seu melhor amigo. Acho que vale a pena. (acenou com a cabeça) Vamos jantar.
CORTA PARA:
CENA 4 - COROADO - PREFEITURA - SALA DE RECEPÇÕES - INT. - NOITE.
Os convidados falavam alto e o vozerio aumentava a dor de cabeça de Jerônimo. As têmporas latejavam-lhe, a dor irradiando-se para a nuca, com reflexos terrìvelmente desagradáveis por sobre a vista esquerda. Parecia que uma pedra de toneladas esmagava-lhe, aos poucos, as laterais do crânio. Pedro Barros bebera em demasia e o demonstrava claramente. Na mesa, de um lado, Falcão, Lara e o coronel. Do outro, Jerônimo, Margarida e Deolinda. Os convidados espalhavam-se nos demais lugares. Barros levantou-se, pigarreou e pediu a palavra.
PEDRO BARROS - Gente... tou satisfeito pra burro... de ocês ta tudo aqui, reunido comigo, hoje. É um jantar de con... confra... ternização. Diacho, tou até falando bonito! –(os convivas riram, ruidosamente) Aqui, o meu amigo Jerônimo Coragem. (pegou e apertou o ombro do rapaz, que se levantara diante dele) Ele resolveu ficar do meu lado... isso é bom. É muito bom. Ele compreendeu que pra dar impulso á nossa querida Coroado... tem que ser aliado meu, o verdadeiro dono desta cidade. Eu construí ela! (na exaltação, Pedro Barros derrubou um copo de vinho, manchando o linho branco da toalha) Eu mandei levantar a primeira casa dela! (caiu sentado sobre a cadeira, visìvelmente embriagado. Riu, algo desconcertado) Diacho, tou ,meio zonzo! (levantou-se de novo e reiniciou a arengação) Como... aquele tal de... como é que se chama, Dalva, aquele cara que ocê falou que era o dono de Roma? Ah, Nero! É. Esse tal de Nero é dos meu. Ele era o dono de Roma. Eu sou o dono de Coroado. O Nero daqui!
JUCA CIPÓ - (berrou, do fundo da sala) Falou bunito, meu patrãozinho! Meu patrãozinho é o Nero de Coroado!
DALVA - (repreendeu) Pedro, você está tonto, não fala bobagem...
PEDRO BARROS - Bobagem, por quê? Eu sou ou não sou o dono de Coroado, minha gente? E, como Nero, eu toco fogo na cidade, se, algum dia, alguém quisé me tomá ela! O que é direito, tem que ser de direito. Eu sou o Nero de Coroado! (bateu com a mão grosseira contra o peito. O ruído surdo foi ouvido em toda a extensão da sala) Tudo isso eu tou dizendo... é porque aqui, meu novo amigo e aliado, tem uma coisa pra dizer procês, a respeito do delegado Falcão. (voltou-se para Jerônimo) Fala aí, rapazinho, a hora é tua!
Jerônimo preferiu sentar-se. As pernas não lhe davam muita confiança. Sentia raiva e nervosismo.
JERÔNIMO - Eu acho que o seu coronel quer que eu diga que... que... ele me pediu... pro Falcão... continuar no cargo.
PEDRO BARROS - (levantou-se numa explosão de cólera) Eu não pedi, coisa nenhuma! Eu num peço nunca! Eu exijo!
JERÔNIMO - (concordou, humilhado) Isso mesmo. O senhor exigiu.
PEDRO BARROS - E você, mocinho, não pode negar nenhum pedido meu.
JERÔNIMO - Dá licença...
Barros cortou-lhe a palavra, envaidecido com a supremacia que conquistara. Jerônimo estava na sua mão. Como um pião sem forças.
PEDRO BARROS - Diz... diz aí... por que você não pode negar um pedido meu! Diz... Jerônimo Coragem! Valentão! Por que você é obrigado a manter Falcão no cargo! Diz... se você é mesmo macho... como todo mundo fala!
A situação tornara-se crítica para o prefeito eleito. Moral zero. Prestígio zero. Jerônimo sentia-se perdido. Maldizia a noite diabólica da gruna e as tentações endemoniadas da mestiça. Sempre uma mulher em todos os mais graves problemas do homem. O rosto em brasa, feições contraídas pela vergonha e pelo ódio, o garimpeiro deixou-se cair de encontro á cadeira, sentindo em cima de si os olhares atônitos, estupefatos de quantos ali estavam para assistir á grande vitória do Coronel Pedro Barros. A vitória da prepotencia sobre a honestidade. De Barros contra os Coragem.
Padre Bento abriu o portão da igreja, enquanto o sino chamava os fiéis para o ofício matinal. Trôpego, trocando as pernas, o ébrio entrou e estacou nos umbrais do templo. O sacerdote meteu a mão no bolso da batina e retirou um papel retangular. Entregou ao médico.
PADRE BENTO - Leia. É um telegrama para você. Acho que é da sua filha.
DR. MACIEL - Heim? Mi... minha fi... filha? Telegra... ma?
PADRE BENTO - Está aqui. Veja.
O sacerdote abriu o telegrama e o colocou diante dos olhos semicerrados do médico. Maciel não conseguia enxergar as letras. Tudo confuso, embaralhado. Padre Bento percebeu a impossibilidade do velho identificar, sequer, a procedência.
PADRE BENTO - (colocou os óculos e leu) Tá aqui, doutor: “Gabriela nasceu Maternidade São Félix”.
DR. MACIEL - (perguntou, cômicamente) Gabriela? Mas, quem é Gabriela?
PADRE BENTO - Assinado, Ritinha...
DR. MACIEL - Bah! (fez o velho, batendo com a mão no espaço) Eu não sei quem é Gabriela.
PADRE BENTO - É sua neta, doutor. Ela nasceu!
DR. MACIEL - Minha neta? Eu não... tenho... neta!
PADRE BENTO - A filha de Ritinha...
DR. MACIEL - (finalmente atinou) Hem? A filha de Ritinha? Filha de minha filha? Minha neta? Minha netinha? Gabriela. Ela se chama Gabriela? Mas... isso é verdade? Gabriela! (dava saltos diante da igrejinha de Coroado, ante os olhares de desaprovação das beatas que entravam, vestidas de negro, para a missa da manhã) Viva Gabriela! Gabriela nasceu, gente! Gabriela nasceu! (o telegrama suspenso no ar, tremulava á brisa matutina. O velho médico correu pelas estradas barrentas da cidade, trombeteando a boa nova) Gente! Eu sou avô! Ela é Gabriela!
Padre Bento sorria, mãos postas, ao ver a espontânea e irresistível reação do médico de Coroado. A voz sùbitamente clara e forte de Maciel penetrava nos mais diversos ambientes do lugar – botecos, armarinhos, associações – onde houvesse porta ou janela aberta, a voz do ébrio violava o silencio, contando ao mundo a sua alegria:
DR. MACIEL - Povo de Coroado, eu já sou avô! Gabriela nasceu!
O estardalhaço chamou a atenção do delegado. Falcão correu á porta, rodando no indicador o revólver de cano curto. Riu, ao ver a figura cômica do médico.
DELEGADO FALCÃO - Deu a louca no Dr. Maciel! Acho que nasceu a filha da Ritinha. O homem tomou um pileque homérico! Nossa Senhora!
CORTA PARA:
CENA 2 - MORRINHOS - EXT. - DIA.
Atormentado pelo desejo de vingar a morte do pai, Alberto planejou um meio de chegar até o bando de João Coragem. Só havia um: mediante contato com aqueles com quem o foragido mantinha negócios de diamante. Por fim, depois de semanas de tentativas, agora Alberto D’Ávila compartilhava das atividades do bando de foras-da-lei. João acabara de fazer um bom negócio, esporeou o alazão e comandou a partida.
JOÃO - Vamo andando! Vamo, Alberto! Tamo na hora!
Os olhos do rapaz fitaram um rosto de mulher diante da casa de farinha do povoado. A poucas léguas de Coroado. A reação da mulher não passou despercebida aos olhos sagazes do garimpeiro. Como se trespassado por uma corrente elétrica, o filho de Lourenço ficou paralisado. Mal olhou o vulto da mãe. Lázaro reteve o trote do cavalo.
LÁZARO - Posso fazê um convite pra madame? Será que num queria acompanhá a gente, numa aventura?
Alberto retezou os músculos. Fingiu não ouvir o convite infame dirigido á mãe. João esperou a reação de Branca D’Ávila. A mulher fuzilou o marginal com os olhos.
JOÃO - Lázaro... a dona não é de brinquedo. É a mulhé do Lourenço D’Ávila. Aquele que dizem que eu matei!
CLEMENTE - O ladrão do diamante?
BRANCA - Respeitem meu marido! (ordenou, com voz dramática. Estava se acostumando àquele papel permanente. De viúva de um homem leal, honrado).
JOÃO - (voltou a falar, desta vez áspero, ferino) Olha, dona! Prefiro respeitá um assassino do que um ladrão sem-vergonha e ordinário, como era seu marido!
BRANCA - Meu marido está morto! (gritou, quase acreditando em si mesma).
JOÃO - A morte não limpa o passado dele, dona! A morte não devolveu o meu diamante!
BRANCA - (explodiu) Onde está sua dignidade, João?
JOÃO - Tá na minha pedra, que roubaro, na minha família, que destruíro, na minha revolta, na traição que me fizero, dona! Mas... à senhora, eu respeito. E é por isso que não peço agora conta do meu diamante. Um dia eu venho lhe procurá e vamo ter uma conversinha a respeito disso. Eu num tenho pressa, dona... (moveu o braço direito, num chamamento geral) Vamo simbora, minha gente! Vai na frente, Clemente, vê se o caminho ta livre...
CORTA PARA:
CENA 3 - COROADO - PREFEITURA - SALA DE RECEPÇÕES - INT. - NOITE.
A música encobria a conversa dos grupos que se formavam no interior da sala de recepções da prefeitura de Coroado. Os convidados chegavam aos punhados. Gente dali e das povoações próximas, quase todas ligadas ao desenvolvimento comercial da cidade maior. A festa era iniciativa do coronel, anfitrião acatado. Domingas fazia as apresentações, enquanto, mais afastado e de péssimo humor, Jerônimo esperava impaciente o fim que não vinha nunca. Barros aproximou-se e convidou-o para uma conversa em particular.
PEDRO BARROS - Eu lhe chamei, pra lhe lembrar que a gente tem um acordo.
JERÔNIMO - Não era preciso lembrar.
PEDRO BARROS - Não vou fazer nenhuma imposição impossível. Apenas o necessário. Você sabe que no momento que eu quiser, acabo com seu futuro e com o futuro de sua amante. (Jerônimo estremeceu) A noite na gruna até hoje não é do conhecimento de ninguém, mas eu e meus homens, a gente sabe de tudo. E só vamos abrir o bico se você não cumprir o trato. Tamo falado?
JERÔNIMO - Eu já sei. O senhor vai me obrigar a perseguir meu irmão. O senhor quer que eu mande matar ele.
PEDRO BARROS - Esta é uma parte do trato (afirmou, impiedoso) Eu disse que havia mais coisa.
JERÔNIMO - Pois bem, diga!
PEDRO BARROS - Apenas uma a mais... pra mim, muito importante (soltou uma densa baforada de fumaça) Quero que o Falcão continue no cargo dele.
JERÔNIMO - Eu tenho direito de nomear outro delegado...
PEDRO BARROS - Mas... não vai nomear ninguém. É isto que eu exijo. Que você continue dando todo apoio a ele. Porque é homem de minha confiança. E juntos... eu, você e ele, a gente pode fazer muita coisa em benefício da lei de Coroado... (Jerônimo ameaçou dizer qualquer coisa. Barros interveio) Prefiro que não diga nada. A sua resposta tem que sê uma só. Você não pode ir contra a minha vontade. Tenho você na minha mão. Eu te dou a chance de, hoje, neste jantar, você dizer a todos os presentes que tem muito gosto que Falcão continue no cargo... (bateu de leve no ombro do jovem) Você é um rapaz inteligente, Jerônimo.
JERÔNIMO - O senhor ta querendo que eu venda a minha alma!
PEDRO BARROS - A trôco da honra da esposa do seu melhor amigo. Acho que vale a pena. (acenou com a cabeça) Vamos jantar.
CORTA PARA:
CENA 4 - COROADO - PREFEITURA - SALA DE RECEPÇÕES - INT. - NOITE.
Os convidados falavam alto e o vozerio aumentava a dor de cabeça de Jerônimo. As têmporas latejavam-lhe, a dor irradiando-se para a nuca, com reflexos terrìvelmente desagradáveis por sobre a vista esquerda. Parecia que uma pedra de toneladas esmagava-lhe, aos poucos, as laterais do crânio. Pedro Barros bebera em demasia e o demonstrava claramente. Na mesa, de um lado, Falcão, Lara e o coronel. Do outro, Jerônimo, Margarida e Deolinda. Os convidados espalhavam-se nos demais lugares. Barros levantou-se, pigarreou e pediu a palavra.
PEDRO BARROS - Gente... tou satisfeito pra burro... de ocês ta tudo aqui, reunido comigo, hoje. É um jantar de con... confra... ternização. Diacho, tou até falando bonito! –(os convivas riram, ruidosamente) Aqui, o meu amigo Jerônimo Coragem. (pegou e apertou o ombro do rapaz, que se levantara diante dele) Ele resolveu ficar do meu lado... isso é bom. É muito bom. Ele compreendeu que pra dar impulso á nossa querida Coroado... tem que ser aliado meu, o verdadeiro dono desta cidade. Eu construí ela! (na exaltação, Pedro Barros derrubou um copo de vinho, manchando o linho branco da toalha) Eu mandei levantar a primeira casa dela! (caiu sentado sobre a cadeira, visìvelmente embriagado. Riu, algo desconcertado) Diacho, tou ,meio zonzo! (levantou-se de novo e reiniciou a arengação) Como... aquele tal de... como é que se chama, Dalva, aquele cara que ocê falou que era o dono de Roma? Ah, Nero! É. Esse tal de Nero é dos meu. Ele era o dono de Roma. Eu sou o dono de Coroado. O Nero daqui!
JUCA CIPÓ - (berrou, do fundo da sala) Falou bunito, meu patrãozinho! Meu patrãozinho é o Nero de Coroado!
DALVA - (repreendeu) Pedro, você está tonto, não fala bobagem...
PEDRO BARROS - Bobagem, por quê? Eu sou ou não sou o dono de Coroado, minha gente? E, como Nero, eu toco fogo na cidade, se, algum dia, alguém quisé me tomá ela! O que é direito, tem que ser de direito. Eu sou o Nero de Coroado! (bateu com a mão grosseira contra o peito. O ruído surdo foi ouvido em toda a extensão da sala) Tudo isso eu tou dizendo... é porque aqui, meu novo amigo e aliado, tem uma coisa pra dizer procês, a respeito do delegado Falcão. (voltou-se para Jerônimo) Fala aí, rapazinho, a hora é tua!
Jerônimo preferiu sentar-se. As pernas não lhe davam muita confiança. Sentia raiva e nervosismo.
JERÔNIMO - Eu acho que o seu coronel quer que eu diga que... que... ele me pediu... pro Falcão... continuar no cargo.
PEDRO BARROS - (levantou-se numa explosão de cólera) Eu não pedi, coisa nenhuma! Eu num peço nunca! Eu exijo!
JERÔNIMO - (concordou, humilhado) Isso mesmo. O senhor exigiu.
PEDRO BARROS - E você, mocinho, não pode negar nenhum pedido meu.
JERÔNIMO - Dá licença...
Barros cortou-lhe a palavra, envaidecido com a supremacia que conquistara. Jerônimo estava na sua mão. Como um pião sem forças.
PEDRO BARROS - Diz... diz aí... por que você não pode negar um pedido meu! Diz... Jerônimo Coragem! Valentão! Por que você é obrigado a manter Falcão no cargo! Diz... se você é mesmo macho... como todo mundo fala!
A situação tornara-se crítica para o prefeito eleito. Moral zero. Prestígio zero. Jerônimo sentia-se perdido. Maldizia a noite diabólica da gruna e as tentações endemoniadas da mestiça. Sempre uma mulher em todos os mais graves problemas do homem. O rosto em brasa, feições contraídas pela vergonha e pelo ódio, o garimpeiro deixou-se cair de encontro á cadeira, sentindo em cima de si os olhares atônitos, estupefatos de quantos ali estavam para assistir á grande vitória do Coronel Pedro Barros. A vitória da prepotencia sobre a honestidade. De Barros contra os Coragem.
FIM DO CAPÍTULO 83
e no próximo capítulo...
*** Alberto tenta matar João, acreditando que seria o culpado pela morte de seu pai, Lourenço D'Ávila.
*** Maria de Lara deixa uma carta para João a ser entregue pelo Padre Bento. Pedro Barros e Juca Cipó vão á igreja tentar se apoderar da carta. Diante da negativa do Padre, Juca o agride com uma coronhada!
*** Alberto tem uma crise de apendicite e Lázaro aconselha João a deixá-lo morrer!
NÃO PERCA O CAPÍTULO 84 DE
Toni, pobre Jerônimo, custou caro ter cedido à tentação! Gostei de ver a euforia de Dr. Maciel ao saber do nascimento da netinha! E João, coitado, sempre perseguido! Está muito bom! Bjs.
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