sexta-feira, 4 de novembro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 83


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

CAPÍTULO 83

PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:

PADRE BENTO
DR. MACIEL
DELEGADO FALCÃO
JOÃO
LÁZARO
ALBERTO
CLEMENTE
BRANCA
PEDRO BARROS
JERÔNIMO
JUCA CIPÓ
DALVA

CENA 1  -  COROADO  -  IGREJA  -  EXT.  -  DIA.

Padre Bento abriu o portão da igreja, enquanto o sino chamava os fiéis para o ofício matinal. Trôpego, trocando as pernas, o ébrio entrou e estacou nos umbrais do templo. O sacerdote meteu a mão no bolso da batina e retirou um papel retangular. Entregou ao médico.


PADRE BENTO  -  Leia. É um telegrama para você. Acho que é da sua filha.

DR. MACIEL  -  Heim? Mi... minha fi... filha? Telegra... ma?

PADRE BENTO  -  Está aqui. Veja.

O sacerdote abriu o telegrama e o colocou diante dos olhos semicerrados do médico. Maciel não conseguia enxergar as letras. Tudo confuso, embaralhado. Padre Bento percebeu a impossibilidade do velho identificar, sequer, a procedência.


PADRE BENTO  -  (colocou os óculos e leu)  Tá aqui, doutor: “Gabriela nasceu Maternidade São Félix”.

DR. MACIEL  -  (perguntou, cômicamente)  Gabriela? Mas, quem é Gabriela?

PADRE BENTO  -  Assinado, Ritinha...

DR. MACIEL  -  Bah!  (fez o velho, batendo com a mão no espaço)  Eu não sei quem é Gabriela.

PADRE BENTO  -  É sua neta, doutor. Ela nasceu!

DR. MACIEL  -  Minha neta? Eu não... tenho... neta!

PADRE BENTO  -  A filha de Ritinha...

DR. MACIEL  -  (finalmente atinou)  Hem? A filha de Ritinha? Filha de minha filha? Minha neta? Minha netinha? Gabriela. Ela se chama Gabriela? Mas... isso é verdade? Gabriela!  (dava saltos diante da igrejinha de Coroado, ante os olhares de desaprovação das beatas que entravam, vestidas de negro, para a missa da manhã) Viva Gabriela! Gabriela nasceu, gente! Gabriela nasceu!  (o telegrama suspenso no ar, tremulava á brisa matutina. O velho médico correu pelas estradas barrentas da cidade, trombeteando a boa nova)  Gente! Eu sou avô! Ela é Gabriela!

Padre Bento sorria, mãos postas, ao ver a espontânea e irresistível reação do médico de Coroado. A voz sùbitamente clara e forte de Maciel penetrava nos mais diversos ambientes do lugar – botecos, armarinhos, associações – onde houvesse porta ou janela aberta, a voz do ébrio violava o silencio, contando ao mundo a sua alegria:


DR. MACIEL  -  Povo de Coroado, eu já sou avô! Gabriela nasceu!

O estardalhaço chamou a atenção do delegado. Falcão correu á porta, rodando no indicador o revólver de cano curto. Riu, ao ver a figura cômica do médico.

DELEGADO FALCÃO  -  Deu a louca no Dr. Maciel! Acho que nasceu a filha da Ritinha. O homem tomou um pileque homérico! Nossa Senhora!

CORTA PARA:

CENA 2  -  MORRINHOS  -  EXT.  -  DIA.

Atormentado pelo desejo de vingar a morte do pai, Alberto planejou um meio de chegar até o bando de João Coragem. Só havia um: mediante contato com aqueles com quem o foragido mantinha negócios de diamante. Por fim, depois de semanas de tentativas, agora Alberto D’Ávila compartilhava das atividades do bando de foras-da-lei. João acabara de fazer um bom negócio, esporeou o alazão e comandou a partida.


JOÃO  -  Vamo andando! Vamo, Alberto! Tamo na hora!

Os olhos do rapaz fitaram um rosto de mulher diante da casa de farinha do povoado. A poucas léguas de Coroado. A reação da mulher não passou despercebida aos olhos sagazes do garimpeiro. Como se trespassado por uma corrente elétrica, o filho de Lourenço ficou paralisado. Mal olhou o vulto da mãe. Lázaro reteve o trote do cavalo.


LÁZARO  -  Posso fazê um convite pra madame? Será que num queria acompanhá a gente, numa aventura?

Alberto retezou os músculos. Fingiu não ouvir o convite infame dirigido á mãe.  João esperou a reação de Branca D’Ávila. A mulher fuzilou o marginal com os olhos.


JOÃO  -  Lázaro... a dona não é de brinquedo. É a mulhé do Lourenço D’Ávila. Aquele que dizem que eu matei!

CLEMENTE  -  O ladrão do diamante?

BRANCA  -  Respeitem meu marido! (ordenou, com voz dramática. Estava se acostumando àquele papel permanente. De viúva de um homem leal, honrado).

JOÃO  -  (voltou a falar, desta vez áspero, ferino)  Olha, dona! Prefiro respeitá um assassino do que um ladrão sem-vergonha e ordinário, como era seu marido!

BRANCA  -  Meu marido está morto! (gritou,  quase acreditando em si mesma).

JOÃO  -  A morte não limpa o passado dele, dona! A morte não devolveu o meu diamante!

BRANCA  -  (explodiu) Onde está sua dignidade, João?

JOÃO  -  Tá na minha pedra, que roubaro, na minha família, que destruíro, na minha revolta, na traição que me fizero, dona! Mas... à senhora, eu respeito. E é por isso que não peço agora conta do meu diamante. Um dia eu venho lhe procurá e vamo ter uma conversinha a respeito disso. Eu num tenho pressa, dona... (moveu o braço direito, num chamamento geral)  Vamo simbora, minha gente! Vai na frente, Clemente, vê se o caminho ta livre...

CORTA PARA:

CENA  3  -  COROADO  -  PREFEITURA  -  SALA DE RECEPÇÕES  -  INT.  -  NOITE.


A música encobria a conversa dos grupos que se formavam no interior da sala de recepções da prefeitura de Coroado. Os convidados chegavam aos punhados. Gente dali e das povoações próximas, quase todas ligadas ao desenvolvimento comercial da cidade maior. A festa era iniciativa do coronel, anfitrião acatado. Domingas fazia as apresentações, enquanto, mais afastado e de péssimo humor, Jerônimo esperava impaciente o fim que não vinha nunca. Barros aproximou-se e convidou-o para uma conversa em particular.


PEDRO BARROS  -  Eu lhe chamei, pra lhe lembrar que a gente tem um acordo.

JERÔNIMO  -  Não era preciso lembrar.

PEDRO BARROS  -  Não vou fazer nenhuma imposição impossível. Apenas o necessário. Você sabe que no momento que eu quiser, acabo com seu futuro e com o futuro de sua amante. (Jerônimo estremeceu)  A noite na gruna até hoje não é do conhecimento de ninguém, mas eu e meus homens, a gente sabe de tudo. E só vamos abrir o bico se você não cumprir o trato. Tamo falado?

JERÔNIMO  -  Eu já sei. O senhor vai me obrigar a perseguir meu irmão.  O senhor quer que eu mande matar ele.

PEDRO BARROS  -  Esta é uma parte do trato (afirmou, impiedoso)  Eu disse que havia mais coisa.

JERÔNIMO  -  Pois bem, diga!

PEDRO BARROS  -  Apenas uma a mais... pra mim, muito importante (soltou uma densa baforada de fumaça)  Quero que o Falcão continue no cargo dele.

JERÔNIMO  -  Eu tenho direito de nomear outro delegado...

PEDRO BARROS  -  Mas... não vai nomear ninguém. É isto que eu exijo. Que você continue dando todo apoio a ele. Porque é homem de minha confiança. E juntos... eu, você e ele, a gente pode fazer muita coisa em benefício da lei de Coroado... (Jerônimo ameaçou dizer qualquer coisa. Barros interveio)  Prefiro que não diga nada. A sua resposta tem que sê uma só. Você não pode ir contra a minha vontade. Tenho você na minha mão. Eu te dou a chance de, hoje, neste jantar, você dizer a todos os presentes que tem muito gosto que Falcão continue no cargo... (bateu de leve no ombro do jovem)  Você é um rapaz inteligente, Jerônimo.

JERÔNIMO  -  O senhor ta querendo que eu venda a minha alma!

PEDRO BARROS  -  A trôco da honra da esposa do seu melhor amigo. Acho que vale a pena. (acenou com a cabeça)  Vamos jantar.

CORTA PARA:

CENA  4  -      COROADO  -  PREFEITURA  -  SALA DE RECEPÇÕES  -  INT.  -  NOITE.

Os convidados falavam alto e o vozerio aumentava a dor de cabeça de Jerônimo. As têmporas latejavam-lhe, a dor irradiando-se para a nuca, com reflexos terrìvelmente desagradáveis por sobre a vista esquerda. Parecia que uma pedra de toneladas esmagava-lhe, aos poucos, as laterais do crânio. Pedro Barros bebera em demasia e o demonstrava claramente. Na mesa, de um lado, Falcão, Lara e o coronel. Do outro, Jerônimo, Margarida e Deolinda. Os convidados espalhavam-se nos demais lugares. Barros levantou-se, pigarreou e pediu a palavra.


PEDRO BARROS  -  Gente... tou satisfeito pra burro... de ocês ta tudo aqui, reunido comigo, hoje. É um jantar de con... confra... ternização. Diacho, tou até falando bonito! –(os convivas riram, ruidosamente)  Aqui, o meu amigo Jerônimo Coragem. (pegou e apertou o ombro do rapaz, que se levantara diante dele)  Ele resolveu ficar do meu lado... isso é bom. É muito bom. Ele compreendeu que pra dar impulso á nossa querida Coroado... tem que ser aliado meu, o verdadeiro dono desta cidade. Eu construí ela! (na exaltação, Pedro Barros derrubou um copo de vinho, manchando o linho branco da toalha)  Eu mandei levantar a primeira casa dela! (caiu sentado sobre a cadeira, visìvelmente embriagado. Riu, algo desconcertado)  Diacho, tou ,meio zonzo! (levantou-se de novo e reiniciou a arengação)  Como... aquele tal de... como é que se chama, Dalva, aquele cara que ocê falou que era o dono de Roma? Ah, Nero! É. Esse tal de Nero é dos meu. Ele era o dono de Roma. Eu sou o dono de Coroado. O Nero daqui!

JUCA CIPÓ  -  (berrou, do fundo da sala)  Falou bunito, meu patrãozinho! Meu patrãozinho é o Nero de Coroado!

DALVA  -  (repreendeu)  Pedro, você está tonto, não fala bobagem...

PEDRO BARROS  -  Bobagem, por quê? Eu sou ou não sou o dono de Coroado, minha gente? E, como Nero, eu toco fogo na cidade, se, algum dia, alguém quisé me tomá ela! O que é direito, tem que ser de direito. Eu sou o Nero de Coroado! (bateu com a mão grosseira contra o peito. O ruído surdo foi ouvido em toda a extensão da sala)  Tudo isso eu tou dizendo... é porque aqui, meu novo amigo e aliado, tem uma coisa pra dizer procês, a respeito do delegado Falcão. (voltou-se para Jerônimo)  Fala aí, rapazinho, a hora é tua!

Jerônimo preferiu sentar-se. As pernas não lhe davam muita confiança. Sentia raiva e nervosismo.


JERÔNIMO  -  Eu acho que o seu coronel quer que eu diga que... que... ele me pediu... pro Falcão... continuar no cargo.

PEDRO BARROS  -  (levantou-se numa explosão de cólera)  Eu não pedi, coisa nenhuma! Eu num peço nunca! Eu exijo!

JERÔNIMO  -  (concordou, humilhado)  Isso mesmo. O senhor exigiu.

PEDRO BARROS  -  E você, mocinho, não pode negar nenhum pedido meu.

JERÔNIMO  -  Dá licença...

Barros cortou-lhe a palavra, envaidecido com a supremacia que conquistara. Jerônimo estava na sua mão. Como um pião sem forças.


PEDRO BARROS  -  Diz... diz aí... por que você não pode negar um pedido meu! Diz... Jerônimo Coragem! Valentão!  Por que você é obrigado a manter Falcão no cargo! Diz... se você é mesmo macho... como todo mundo fala!

A situação tornara-se crítica para o prefeito eleito. Moral zero. Prestígio zero. Jerônimo sentia-se perdido. Maldizia a noite diabólica da gruna e as tentações endemoniadas da mestiça. Sempre uma mulher em todos os mais graves problemas do homem. O rosto em brasa, feições contraídas pela vergonha e pelo ódio, o garimpeiro deixou-se cair de encontro á cadeira, sentindo em cima de si os olhares atônitos, estupefatos de quantos ali estavam para assistir á grande vitória do Coronel Pedro Barros. A vitória da prepotencia sobre a honestidade. De Barros contra os Coragem.



FIM DO CAPÍTULO 83
Duda recebe a notícia que sua filha Gabriela nasceu!

e no próximo capítulo...

*** Alberto tenta matar João, acreditando que seria o culpado pela morte de seu pai, Lourenço D'Ávila.

*** Maria de Lara deixa uma carta para João a ser entregue pelo Padre Bento. Pedro Barros e Juca Cipó vão á igreja tentar se apoderar da carta. Diante da negativa do Padre, Juca o agride com uma coronhada!

*** Alberto tem uma crise de apendicite e Lázaro aconselha João a deixá-lo morrer!



NÃO PERCA O CAPÍTULO 84 DE

Um comentário:

  1. Toni, pobre Jerônimo, custou caro ter cedido à tentação! Gostei de ver a euforia de Dr. Maciel ao saber do nascimento da netinha! E João, coitado, sempre perseguido! Está muito bom! Bjs.

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