O
texto abaixo é de autoria do poeta cabo-verdiano Jorge Barbosa.
Boa
leitura!
VOCÊ: BRASIL
Eu gosto de
você, Brasil,
porque você é
parecido com a minha terra.
Eu bem sei que
você é um mundão
e que a minha
terra são
dez ilhas
perdidas no Atlântico,
sem nenhuma
importância no mapa.
Eu já ouvi falar
de suas cidades:
A maravilha do
Rio de Janeiro,
São Paulo
dinâmico, Pernambuco, Bahia de Todos-os-Santos.
Ao passo que as
daqui
Não passam de
três pequenas cidades.
Eu sei tudo isso
perfeitamente bem,
mas Você é
parecido com a minha terra.
E o seu povo que
se parece com o meu,
que todos eles
vieram de escravos
com o cruzamento
depois de lusitanos e estrangeiros.
E o seu falar
português que se parece com o nosso falar,
ambos cheiros de
um sotaque vagaroso,
de sílabas
pisadas na ponta da língua,
de alongamentos
timbrados nos lábios
e de expressões
terníssimas e desconcertantes.
É a alma da
nossa gente humilde que reflete
A alma das sua
gente simples,
Ambas cristãs e
supersticiosas,
sortindo ainda
saudades antigas
dos sertões
africanos,
compreendendo
uma poesia natural,
que ninguém lhes
disse,
e sabendo uma
filosofia sem erudição,
que ninguém lhes
ensinou.
E gosto dos seus
sambas, Brasil, das suas batucadas.
dos seus
cateretês, das suas todas de negros,
caiu também no
gosto da gente de cá,
que os canta
dança e sente,
com o mesmo
entusiasmo
e com o mesmo
desalinho também...
As nossas
mornas, as nossas polcas, os nossos cantares,
fazem lembrar as
suas músicas,
com igual
simplicidade e igual emoção.
Você, Brasil, é
parecido com a minha terra,
as secas do
Ceará são as nossas estiagens,
com a mesma
intensidade de dramas e renúncias.
Mas há no
entanto uma diferença:
é que os seus
retirantes
têm léguas sem
conta para fugir dos flagelos,
ao passo que
aqui nem chega a haver os que fogem
porque seria
para se afogarem no mar...
Nós também temos
a nossa cachaça,
O grog de cana
que é bebida rija.
Temos também os
nossos tocadores de violão
E sem eles não
havia bailes de jeito.
Conhecem na perfeição
todos os tons
e causam sucesso
nas serenatas,
feitas de
propósito para despertar as moças
que ficam na
cama a dormir nas noites de lua cheia.
Temos também o
nosso café da ilha do Fogo
que é pena ser
pouco,
mas — você não
fica zangado —
é melhor do que
o seu.
Eu gosto, de
Você, Brasil.
Você é parecido
com a minha terra.
O que é é tudo e
à grande
E tudo aqui é em
ponto mais pequeno...
Eu desejava
ir-lhe fazer uma visita
mas isso é coisa
impossível.
Eu gostava de
ver de perto as coisas
espantosas que todos
me contam
de Você,
de assistir aos
sambas nos morros,
de esta
cidadezinha do interior
que Ribeiro
Couto descobriu num dia de muita ternura,
de me deixar
arrastar na Praça Onze
na terça-feira
de Carnaval.
Eu gostava de
ver de perto um lugar no Sertão,
de apertar a
cintura de uma cabocla — Você deixa? —
e rolar com ela
um maxixe requebrado.
Eu gostava enfim
de o conhecer de mais perto
e você veria
como é que eu sou bom camarada.
Havia então de
botar uma fala
ao poeta Manuel
Bandeira
de fazer uma
consulta ao Dr. Jorge de Lima
para ver como é
que a poesia receitava
este meu fígado
tropical bastante cansado.
Havia de falar
como Você
Com um i no si
— “si faz favor”—
de trocar sempre
os pronomes para antes dos verbos
— “mi dá um
cigarro!”.
Mas tudo isso são
coisas impossíveis, — Você sabe?
“Impossíveis”.
Fonte: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/cabo_verde/jorge_barbosa.html