Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 64
Participam deste capítulo
Cyro - Tarcísio Meira
Otto Muller - Jardel Filho
Paulus - Emiliano Queiroz
Delegado - Vinicius Salvatori
Lia - Arlete Sales
Catarina - Lidia Mattos
CENA 1 - MANSÃO DE OTTO MULLER - HALL DE ENTRADA - INTERIOR - DIA
PASSADAS 24 HORAS, ESTER COMEÇAVA A DESESPERAR-SE. OTTO NÃO CUMPRIRA A PALAVRA E A MULHER REINGRESSAVA NO ESTADO DE ANGÚSTIA, AMENIZADO APENAS PELA ESPERANÇA DE TER O MENINO DE VOLTA. FOI QUANDO O TELEFONE TOCOU E ALGUÉM, DA RESIDÊNCIA DE OTTO MULLER, SOLICITOU A PRESENÇA DO MÉDICO, COM URGÊNCIA. COM UMA RESSALVA: NÃO SE REFERIA A NENHUM PROBLEMA RELACIONADO COM A SAÚDE DO OPERADO. ERA – DIZIA A VOZ – UM CASO PARTICULAR. DO INTERESSE DELE E DE ESTER KELLER.
CYRO, AVISADO NO HOSPITAL, ENCAMINHOU-SE DIRETAMENTE PARA A CASA DO PACIENTE. ALGUMA COISA LHE DIZIA, MUITO INTIMAMENTE, QUE AS NOVIDADES NÃO SERIAM AGRADÁVEIS. OTTO MULLLER ESTAVA AGINDO ESTRANHAMENTE PARA UM HOMEM CONDICIONADO PELO HIPNOTISMO.
O MÉDICO ALCANÇOU A ENTRADA PRINCIPAL DA LUXUOSA RESIDENCIA E ESBARROU COM O DELEGADO.
DELEGADO - Dr. Cyro... fui chamado porque aconteceu uma coisa que esclarece todo o caso do desaparecimento do garotinho.
CYRO - Que aconteceu?
DELEGADO - O Sr. Otto recebeu um bilhete do sequestrador!
CYRO - Um bilhete?
DELEGADO - Exato. Um bilhete fazendo exigências para entregar a criança. Isto era de se esperar!
CYRO - Não é possível, delegado!
DELEGADO - Por que não é possível, Dr. Cyro? O papel foi encontrado hoje na caixa do correio desta casa.
CYRO - Deixe-me ver!
CYRO RETIROU O PAPEL DO INTERIOR DO ENVELOPE. LEU PARA SI MESMO.
CYRO - “Sr. Otto Muller. Seu filho lhe será devolvido imediatamente após a entrega de 300 mil reais que serão deixados dentro de uma mala na estrada entre Porto Azul e Florianópolis. Num trecho desta estrada, perdida no mato, existe uma capelinha. Deixe lá o dinheiro. Não avise a polícia. Espero até amanhã. Nessa mesma capela, será entregue o garoto no dia seguinte. Se houver dificuldade de localizar a capelinha, procure o Daniel na cadeia. Ele dará maiores explicações. Como sabe, ele foi entregue às autoridades pelo Seu Baby Liberato, que agora vai procurar defendê-lo. Daniel não deve ficar comprometido. Será pior para todos. Inclusive para o menino.”
DELEGADO - E então? Ainda acha que Daniel não tem culpa?
CYRO - (perplexo) Isto é um disparate! É uma mentira, delegado! O senhor não pode dar crédito a este bilhete! Qualquer pessoa poderia tê-lo escrito para acusar o rapaz. Continuo certo... mais certo do que nunca... de que ele não tem nada a ver com este rapto!
DELEGADO - (irritou-se com a negativa do outro) A quem o senhor está querendo defender, Dr. Cyro? Ao sequestrador?
CYRO SENTIU VONTADE DE REVELAR TUDO. ABRIR O JOGO E CONTAR O PROCESSO DE HIPNOSE E A CONFISSÃO DO MILIONÁRIO. PREFERIU MANTER DISCRIÇÃO.
CYRO - Não existe sequestrador! Isto aqui não passa de uma farsa, muito mal representada, aliás! Este bilhete foi forjado, repito, para comprometer Daniel!
CORTA PARA:
CENA 2 - MANSÃO DE OTTO MULLER - QUARTO DE OTTO - INTERIOR - DIA
Lia (Arlete Sales), Otto (Jardel Filho) e Ester (Glória Menezes) |
CYRO ATENDEU AO CHAMADO DE OTTO MULLER E DESPEDIU-SE DO DELEGADO. NO INTERIOR DO QUARTO, O ALEMÃO PARECIA OUTRO HOMEM. MAIS CORADO E SORRIDENTE. VICTOR PAULUS SE MANTINHA QUIETO, DE OLHOS ATENTOS, A UM CANTO DO APOSENTO.
CYRO - Como se sente hoje?
OTTO - (apertou-lhe a mão com energia) Muito, mas muito bem. Parece que... seu método de ontem... foi infalível. Que fez comigo... hipnotizou-me? E convenceu-me... de que sou um homem forte... alegre... sem doença?
PAULUS - (irônico, descruzando os braços) O poder da sugestão é fantástico. Deviam usar esse método em todas as clínicas...
CYRO - Não é bem um problema de sugestão... é um problema de desrecalque. No hipnotismo, o sujeito liberta seu subconsciente. Ontem, o Sr. Otto estava com um problema... e queria desabafá-lo. Eu o hipnotizei. O senhor o revelou (olhou para os olhos de fera que o fitavam) Sentiu-se melhor depois.
PAULUS - É mesmo? E que problema era esse?
CYRO - (pensou um pouco antes de tornar a falar) Estão acontecendo coisas terríveis. Estão querendo acusar um inocente de estar envolvido no desaparecimento de Ivanzinho. Nós sabemos perfeitamente que ninguém o raptou e não é preciso rodeios nem mentiras. Sabemos que foi o Sr. Otto quem mandou afastá-lo de Ester. E os motivos não interessam neste momento.
OS HOMENS ENTREOLHARAM-SE, COLÉRICOS.
CYRO - Interessa-me, apenas, provar que Daniel está sendo acusado injustamente de ter tomado parte no rapto. Há poucos instantes, tomei conhecimento de um bilhete forjado por alguém que deseja comprometê-lo. Eu apelo para a consciência de vocês. Eu confio ainda nos seus bons sentimentos. Apelo para a consciência do Sr. Otto. Apelo para que esta farsa seja desfeita já, na presença do delegado. Apelo em nome de uma mãe que sofre a ausência de um filho. Apelo por Daniel, que vai sofrer injustamente o peso desta acusação. Por Deus, acabem com esta comédia!
OTTO MULLER PULOU, COMO SE ESPETADO POR UM ESTILETE AFIADO. TINHA OS LÁBIOS SECOS E ENRUGADOS.
OTTO - O senhor não pode me acusar... para defender seu amigo!
CYRO - No seu caso, não seria uma acusação. Afinal, o senhor é... o pai. E poderia ter afastado o menino de Ester... pelos seus direitos.
O MÉDICO BUSCAVA UMA SOLUÇÃO, UMA SAÍDA POR ONDE OTTO PUDESSE DESLIZAR, SEM SE SENTIR HUMILHADO.
OTTO - Mas... Dr. Cyro, eu não mandei afastar o menino de Ester...
CYRO - (exaltou-se, diante da resposta mentirosa) Sr. Otto, ontem eu o hipnotizei e o senhor me revelou a verdade!
PAULUS SE MOVIMENTOU, ENRAIVECIDO.
OTTO - Não é possível! A não ser que o senhor... me obrigasse a mentir hipnotizado!
CYRO - Mentir para quem? Estávamos nós dois, sozinhos!
PAULUS - (nos olhos, um brilho de ódio) Não podemos acreditar na sua palavra. É a sua contra a de Otto!
CYRO - Sr. Otto, o senhor quer se submeter de novo ao hipnotismo, na presença da senhora sua mãe, desse homem que aqui está e do delegado?
PAULUS - Submeta-se, Otto! Acho a experiência muito interessante.
OTTO - Muito bem. Eu me submeto.
CYRO - (ordenou) Mandem chamar o delegado.
CORTA PARA:
CENA 3 - MANSÃO DE OTTO MULLER - SALA - INTERIOR - DIA
O POLICIAL RETORNOU À MANSÃO COM CARA FEIA. VISIVELMENTE DE MÁ VONTADE.
PAULUS - (veio buscá-lo à porta) Pode subir, delegado. O senhor assistirá a uma cena de hipnotismo. Dr. Cyro garante que ontem Otto confessou ter mandado afastar o menino de Ester. Nós não queremos acreditar na palavra do médico. Sugerimos que repita a experiência... agora... para termos a certeza com quem está a verdade, se com Otto... ou com o Dr. Cyro.
CORTA PARA:
CENA 4 - MANSÃO DE OTTO MULLER - QUARTO DE OTTO - INTERIOR - DIA
OTTO FEZ CARA DE FINGIMENTO. DE HOMEM BATIDO PELA INSENSATEZ DE UMA ACUSAÇÃO INFAME. RECEBEU O DELEGADO COM OLHOS QUASE LACRIMOSOS.
OTTO - Estou sendo acusado injustamente pelo meu médico, mas não o levo a mal... Sei que o poder de sua imaginação é fantástico. Com certeza Dr. Cyro sonhou que me hipnotizou e que fiz certas confissões absurdas.
CYRO - Palavras são inúteis agora. Já que a situação está explicada ao delegado, eu peço licença para submetê-lo de novo á experiência do hipnotismo.
OTTO - (estendendo-se na cama e piscando, discreta e imperceptivelmente para o comparsa) Estou às suas ordens.
SENTADO DIANTE DO PACIENTE, CYRO FEZ SINAL AOS PRESENTES PARA QUE SE MANTIVESSEM EM SILENCIO E AFASTADOS. ENCAROU DEMORADAMENTE O HOMEM DEITADO À SUA FRENTE. PEQUENINOS OLHOS DE FERA ACUADA, ENDOIDECIDA. PERCEBEU O PERIGO QUE ENFRENTAVA AO PROCURAR DESTRUIR O QUE AQUELE CÉREBRO MALÉFICO VINHA ELABORANDO DESDE OS PRIMEIROS MOMENTOS DE LUCIDEZ NA VIDA.
CYRO - Olhe para mim, Sr. Otto... para meus olhos... meus olhos... o senhor vai dormir... vai dormir profundamente... um sono calmo, tranqüilo... se existe alguma coisa que o aflige... que atormenta sua consciência... o senhor vai dizer... vai desabafar... vai confiar em mim... está diante do seu médico... seu amigo. Abra os olhos! (o alemão obedeceu e fixou um olhar vazio no cientista) Sente-se bem?
OTTO - Muito bem.
CYRO - Sente dores?
OTTO - Não...
CYRO - Tem algum problema que o aflige?
OTTO - (sem pestanejar) Nada! Nenhum problema!
CYRO - Sr. Otto... o delegado quer saber se foi o senhor quem mandou afastar o filho de Ester. Nós queremos a verdade, Sr. Otto!
OTTO - (gaguejou, fingindo indecisão) Eu... não sei de nada... sobre o desaparecimento... do menino!
PAULUS SORRIU, SILENCIOSAMENTE.
CYRO - Ontem o senhor confessou que isso o estava afligindo.
OTTO - (reafirmou, sem titubear) Eu não sei nada sobre o desaparecimento do menino!
CYRO - (quase sussurrante) O senhor está tentando me enganar, Sr. Otto!
PAULUS - Isso é demais! Dr. Cyro está querendo forçar Otto a confessar uma mentira!
CYRO - Sr. Otto, eu não estou forçando. Estou lhe pedindo apenas a verdade.
OTTO - Dr. Cyro quer me obrigar a mentir. Ontem me obrigou, mas eu não tenho nada que me aflija a consciência... porque não sei quem desapareceu com meu filho!
CATARINA - Acabe com isto, por favor. Faça Otto acordar!
CYRO - (finalmente atinou com a verdade) Não é preciso. Ele está acordado! Pode parar de representar, Sr. Otto. É um grande artista!
INCONTINENTI, LEVANTOU-SE E SE AFASTOU DO QUARTO A PASSOS LARGOS.
LIA - Otto, acorde!
PAULUS PASSAVA AS MÃOS SOBRE OS OLHOS DE OTTO. A CENA FORA LONGAMENTE ENSAIADA PARA IMPRESSIONAR O DELEGADO. OTTO ABRIU OS OLHOS, COM EXPRESSÃO DE ASSOMBRO.
OTTO - Ahn... ahn... o que foi?
PAULUS BATEU DE LEVE COM AS MÃOS CONTRA A FACE DO OUTRO.
PAULUS - Dr. Cyro saiu daqui... nervoso... porque você não disse, hipnotizado, o que ele queria que você dissesse. Você só falou a verdade e espero que o delegado esteja convencido.
DELEGADO - (com ar severo) Claro! Claro! Peço desculpas por tudo. Amanhã... tentarei descobrir a tal capelinha onde o tipo quer que se entregue o dinheiro.
OTTO TORNOU A MASCARAR-SE COM O AR DE INOCÊNCIA E INFELICIDADE.
OTTO - Faça tudo com muito cuidado (disse, juntando as mãos) Eu não quero que algo aconteça ao menino. Lia, mamãe... acompanhem o delegado.
MAL O QUARTO FICOU VAZIO, PAULUS ESFREGOU AS MÃOS DE CONTENTAMENTO.
PAULUS - Você representou muito bem!
OTTO - Tive de fechar os olhos... para não encarar os olhos daquele diabo!
PAULUS - Eu percebi. Você os fechou antes do tempo e ele não se deu conta...
FIM DO CAPÍTULO 64
... E NA PRÓXIMA QUINTA, CAPÍTULO INÉDITO!