quarta-feira, 13 de maio de 2015

SESSÃO SAUDADE - ANTÔNIO ABUJAMRA

Ele era ator e diretor, mais diretor que ator, mas, acima de tudo, um grande provocador.
Nosso homenageado desta semana é Antônio Abujamra.
Abujamra demonstrou por muitos anos ser um artista que transitava entre o erudito e o popular. Prova disso é que fez sucesso na TV como o bruxo Ravengar, da novela Que Rei Sou Eu?, e apresentou um programa de entrevistas acima da média como era o Provocações, na TV Cultura de São Paulo, em que as perguntas fugiam sempre do trivial.
A figura inteligente de Abu, como era chamado pelos amigos, vai fazer muita falta em um ambiente intelectual tão pobre, como é o do Brasil.
Obrigado, Abu, pelas provocações e representações!
Descanse em paz!
Para saber mais sobre esse artista, favor consultar: http://www.museudatv.com.br/inicio/?p=1727.
Com o objetivo de homenageá-lo, reproduzimos abaixo três vídeos.
O primeiro traz pequeno trecho de sua participação na novela Que Rei Sou Eu?, de 1989.
Para maiores informações sobre a novela, favor acessar: http://www.teledramaturgia.com.br/que-rei-sou-eu/.
Os dois seguintes contêm duas declamações de textos, que ele fazia frequentemente no início e no final de seu programa Provocações.
No segundo, interpreta trecho do texto "Eu sei, mas não devia" da escritora Marina Colasanti.
Por fim, nos brinda com pequena parte do texto “Esquece o Futuro”, do autor francês Montaigne.
Se desejar mais informações sobre Montaigne, favor acessar: http://www.e-biografias.net/michel_de_montaigne/.

PRIMEIRO VÍDEO





O TEXTO COMPLETO

EU SEI, MAS NÃO DEVIA

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)



Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=PCn47IfUEWk

O TEXTO DO VÍDEO

ESQUECE O FUTURO

Esquece o futuro. Ele não te pertence. O presente te basta. Mas é preciso ser rápido quando ele é mau presente, e andar devagar quando se trata de saboreá-lo. Expressões como “passar o tempo” espelham bem a maneira de viver dessa gente prudente, que imagina não haver coisa  melhor para fazer da vida. Deixam passar o presente, esquivam-se, ignoram o presente, como se estar vivo fosse coisa desprezível.
A natureza nos deu a vida em condições tão favoráveis, que só mesmo por nossa culpa ela poderá se tornar pesada e inútil.

Fonte: http://excentricidadeseesquisitices.blogspot.com.br/2011/08/esquece-o-futuro.html.

Um comentário:

  1. Realmente vai fazer muita falta. Lindas declamações! Merecida homenagem!

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