quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

SESSÃO LEITURA - CRÔNICA DO DESEMPREGO - WALCYR CARRASCO

O texto abaixo é de autoria de Walcyr Carrasco.
Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.ebiografia.com/walcyr_carrasco/.
Boa leitura!

CRÔNICA DO DESEMPREGO

Ele trabalhou a vida inteira em uma empresa. Subiu. Tornou-se diretor. Mas há sempre uma crise pronta para detonar uma bomba. À medida que os anos passam, surge um processo de “modernização” na empresa. Na prática, substituir os velhos pelos novos. Ainda mais nos tempos de internet, em que o mais velho nem sempre é tão bom no uso de tecnologia e redes sociais quanto o mais novo. Tem mais: a crise de desemprego que assola o país. As empresas estão num processo de enxugamento. Quem ficar, fica, mas trabalha três vezes mais. O diretor todo-poderoso é o desempregado de amanhã. Só que ele sai, recebe uma grana e, calmamente, tira férias com a família em algum lugar no exterior. Vai procurar alguma coisa depois. Mantém o padrão de vida, alto. Acredita que, com sua experiência, não tardarão a surgir ofertas.
Só que não surgem.
Mesmo os amigos, bem empregados ou donos de empresas, não têm notícia de vaga a sua altura. Se aparece, com salário mais baixo e função menor, a partir de certo momento de desespero ele está disposto a aceitar. Os possíveis empregadores resolvem que não. Argumentam.
– Você não vai se sentir confortável nesse cargo, muito abaixo de sua capacidade.
Os meses passam, o dinheiro escoa. Há promessas feitas, tem de cumprir: o intercâmbio da filha, em dólares; o jantar de aniversário num restaurante caro, que ele paga. Enfim, o ex-poderoso resolve montar sua própria empresa. Em geral, opta por algo que tenha a ver com seu estilo de vida e gosto pessoal. Importação de vinhos, por exemplo. Há algo que sempre digo quando vejo alguém nessa situação:
– Agora a empresa é sua. Economize nos clipes!
Executivos com longa carreira em empresa grande estão acostumados com estruturas macro. Alugam um bom conjunto comercial. Decoram. Botam secretária. Criam uma estrutura confortável, mas cara. Resultado: a empresa custa mais que fatura. O executivo vai pondo dinheiro. As reservas se esgotam. Ah, bom. Tem aquele quadro comprado na abundância. Leiloa-se. Dispensa-se o motorista. As idas a restaurante de luxo diminuem ou acabam. Aí a empresa que montou vai por água abaixo. Fica sem renda. A família ajuda aqui e ali, quando pode. Muitos, porém, vêm da classe média, subiram por meio do estudo. E o pais têm menos que eles. Obviamente, há níveis e níveis. Conheci um executivo de menor porte que, depois de dois anos sem nada, montou com a mulher uma van de cachorro-quente. Também não deu certo. Foram morar com a sogra. Numa das brigas – falta de dinheiro sempre dá briga –, saiu de casa. Foi morar na rua. Depois, não soube mais dele. Outros têm mais sorte. A mulher herdou alguma coisa, por exemplo. Um apartamento. Botam à venda, perdem dinheiro no negócio. Enfim, conseguem um capitalzinho para recomeçar.
Justamente por isso, estão surgindo novos ramos de negócio. Já conheço dois casos em que a opção foi montar uma loja de churrasco. Vendem tudo o que é necessário: a carne, o sal grosso, o espeto. Hiperespecializada, mas funciona. As pessoas gostam de fazer churrasco – e, se assim fica mais fácil, melhor. Também têm se multiplicado as barbearias retrô. Já me convidaram para ser sócio de uma. São barbearias onde ainda se faz o corte à navalha. Mas têm bebidas, música. Quase uma festa. O cliente faz a barba, bebe e se diverte. Também surgiu uma onda de lojas de bolos caseiros. São os bolos simples e baratos, como se fossem feitos pela vovó (embora as vovós de hoje prefiram fazer plástica e não bolos). Há redes grandes e pequenas. Têm aspecto artesanal. Já apareceram também as de brigadeiros e pudins. Até em shopping há quiosque de pudim. Os desempregados menos apegados a seu estilo de vida partem para uma alternativa dessas ou algo na mesma linha.
Em geral, porém, quando alguém, como o ex-diretor de quem eu falava, cai na real é tarde demais para montar um negócio mais simples, mais prático. O dinheiro acabou. A saída é o Uber. Em grandes centros, como São Paulo, há até fila para ser motorista do Uber. As locadoras alugam veículos para isso. É uma atividade em franca expansão, por oferecer um serviço diferenciado, frequentemente mais barato que um táxi convencional. Confesso, já fiquei muito de mau humor em táxis cujos motoristas nunca têm troco ou pegam caminho ruim. No Uber, não. O valor é informado antes. Os motoristas são educados. Não se espante se amanhã tomar um e der de cara com seu ex-patrão. A trajetória de alto executivo a motorista de Uber tornou-se mais comum do que se pensa.

2 comentários:

  1. Walcir Carrasco aborda assuntos bem atuais em suas crônicas. Essa é ótima, gostei muito!

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