O
texto abaixo é de autoria de Carlos Drummond de Andrade.
Boa
leitura!
SERÁS
MINISTRO
-
Esse vai ser ministro - sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.
-
E você, com esse ordenado micho de servente, tem lá poder pra fazer nosso filho
ministro? - duvidou a mãe.
-
Então, só porque meu ordenado é micho ele não pode ser ministro? A Rádio
Nacional deu que Abraão Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato, e chegou a
presidente dos Estados Unidos.
-
Isso foi nos Estados Unidos.
-
E daí? Nem eu estou querendo tanto pra ele. Só quero uma de Ministro.
-
Tonzinho, deixa isso pra lá.
-
Pra começar, a gente convida o Ministro pra padrinho dele.
-
O Ministro não vai aceitar.
-
Não vai por quê? Trabalho no gabinete há dois anos.
-
Ele é muito importante, filho.
-
Por isso mesmo. Com padrinho importante, o garotinho começa logo a ser
importante.
-
O Ministro é tão ocupado, você mesmo diz. Vê lá se tem tempo pra batizar filho
de pobre.
-
Pois sim. Ele me trata com toda a consideração, de igual pra igual. Hoje mesmo
eu faço o convite.
Fez.
O Ministro não pôde comparecer, mas enviou representante. Era quase a mesma
coisa. Na hora de dizer o nome do menino, o pai não vacilou; disse bem sonoro:
-
Ministro.
-
Como? - estranhou o padre.
-
Ministro, sim senhor.
A
mulher ia atalhar: "Tonzinho, não foi Antônio de Fátima que a gente
combinou?" mas era tarde.
No
cartório, também estranharam:
-
Ministro por quê?
-
Porque eu escolhi. Acho lindo.
-
Não é nome próprio.
-
Pois eu cá acho muito próprio. Não tem aí uma família chamada Ministério, aliás
com pessoas distintas, médicos, dentistas, etc.?
-
Tem.
-
Pois então. Meu filho é Ministro, só isso. Ministro Alves da Silva, futuro
cidadão útil à Pátria. Tem alguma coisa demais?
O
garoto registrou-se. Cresceu. Na escola, a princípio achavam-lhe graça no nome.
Parecia apelido.
Depois,
o costume. Há nomes mais estranhos. Ministro não era o primeiro da classe,
também não foi dos últimos.
Já
moço, o leque das opções não se abriu para ele. Entre o ofício sem brilho e o
andar térreo da burocracia, acabou sendo, como o pai, servente de repartição.
Promovido a contínuo.
-
Eu não disse? - festejou o pai. - Começou a subir.
O
máximo que subiu foi trabalhar no gabinete do Ministro.
-
Ministro, o Sr. Ministro está chamando.
-
Ministro, já providenciou o cafezinho do Sr. Ministro?
-
Sabe quem telefonou pra você, Ministro? A senhora do Sr. Ministro. Diz que você
prometeu ir lá consertar umas goteiras e esqueceu.
-
Ministro! Roncando na hora do expediente?!
Começaram
os equívocos:
-
Telefonema para o Ministro.
-
Qual? O Ministro ou o Sr. Ministro? - Este Ministro é um cretino! Me fez
esperar uma hora nesta poltrona!
-
Perdão, Deputado, o senhor está ofendendo o Sr. Ministro.
-
Eu? Eu? Estou me referindo a esse animal, esse...
Até
que se apurasse que o animal era Ministro, o contínuo - que confusão!
O
Ministro de Estado, ciente da confusão, recomendou ao assessor:
-
Faça esse homem trocar de nome.
-
Impossível, Sr. Ministro. É o seu título de honra.
-
Então suma com ele da minha vista.
Mandaram-no
para uma vaga repartição de vago departamento. Queixou-se ao pai, aposentado,
que isso de se chamar Ministro não conduz a grandes coisas e pode até atrasar a
vida.
-
Ora, meu filho, hoje no bueiro, amanhã no Pão de Açúcar. E você não tem de que
se queixar.
Num
momento em que tanta gente importante sua a camisa pra ser Ministro, e fica
olhando pro céu pra ver se baixa um signo do astral, você já é, você sempre foi
Ministro, de nascença! de direito! E não depende de governo nenhum pra
continuar a ser, até a morte!
Abraçaram-se,
chorando.