quinta-feira, 13 de maio de 2021

SESSÃO LEITURA - ENCONTRO - DALTON TREVISAN

O texto abaixo é da autoria de Dalton Trevisan.
Para maiores informações sobre o autor, favor acessar: https://www.ebiografia.com/dalton_trevisan/.
Boa leitura!

ENCONTRO

Mata-sete de estradas, andarilho por aí, um capim doce na boca. Aos berros, chutando pedras. Descanso à sombra das árvores (mordido pelas formigas) e cuspo três vezes nos marcos do caminho. Cruzo de tardinha a ponte sobre o pequeno rio. Chorões nas margens, os guris pescam e fumam, de papo pro ar.
Avanço na rua de eucaliptos e, à sombra, mesas com manchas de vinho nas toalhas brancas. Uma casa antiga de pedras; no campo, homens em linha ceifam o trigo com suas longas foices.
Bato palmas, uma velha põe a cabeça na janela. Digo que venho de longe, do outro lado do oceano. Tenho sede, minhas botas de sete-léguas por um copo d'água.
Com um sorriso, ela me convida a sentar. Em vez de água, traz um jarro de fresco vinho tinto. Vaidosa, um xale de renda sobre a cabeleira branca. Enquanto bebo, deliciado, me conta da próxima colheita, que se anuncia próspera. E não sei o que sobre a torre do relógio na praça da igreja.
Esbaforidas chegam duas meninas gêmeas, as netas da velha e qual é uma? qual é outra? Agora já sei: uma, Bianca e a outra, Bruna.
Em surdina surge da cozinha uma garota de vestidinho branco (é sua filha mais nova, diz a velha, quando ela foi buscar mais néctar), esbelta e pálida, grandes olhos claros.
Bebo aos poucos o generoso vinho e, enquanto as sombras se insinuam nos cantos, mais brilham os olhos da moça quieta na porta, o pé esquerdo fora do chinelo. Ergo o meu copo e saúdo, ó fruteira de pêssego e romã no fino cristal de Murano!
Ela acena de leve a cabeça. Nem uma só palavra - e tudo foi dito. Entendi que viera de tão longe só para vê-la. E nunca mais esquecer.
O último gole, dobram os sinos no campanário sobre a estrada de sombra. Prometo voltar um dia para a festa da neve sobre o jardim de cerejeiras - e perna pra que te quero.
Na curva do rio olho para trás. A garota ainda na porta. Os olhos agora invisíveis, que adivinho quentes, como a estrada por onde marcho de coração alegre.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/09/1522420-tres-contos-de-dalton-trevisan.shtml?origin=uol.

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