Novela de Janete Clair
Adaptação de Toni Figueira
CAPÍTULO 78
Participam deste capítulo
Baby - Claudio Cavalcanti
André - Paulo José
Ricardo - Edney Giovenazzi
Daniel - Paulo Araújo
Pé-na-Cova - Antonio Pitanga
Pedrão - Waldir Onofre
Cesário - Carlos Eduardo Dolabella
Otto - Jardel Filho
Comendador Liberato - Macedo Neto
CENA 1 - VALONGO - MINAS - GALERIA M-13 - INTERIOR - DIA
BABY - Temos de mandar dinamitar este pedaço para aprofundar mais a galeria e aproveitarmos melhor o veio de carvão. Como está, não dá mais nada!
BABY ABRIRA O MAPA DAS GALERIAS INTERNAS E MOSTRAVA UM PEQUENO TRECHO COM O INDICADOR.
ANDRÉ - E o que tenho de fazer?
BABY - Me traga 3 dinamitadores. Vá. Espero aqui.
BABY LIBERATO RETIROU A PEQUENA GARRAFA DE UÍSQUE DO BOLSO TRASEIRO E ENGOLIU UMA DOSE DA BEBIDA. SENTIU A GARGANTA ARDER E A CABEÇA RODAR.
CORTA PARA:
CENA 2 - ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS - ESCRITÓRIO - INTERIOR - DIA
ANDRÉ SUBIU, ATRAVESSANDO TRÊS ETAPAS DE GALERIAS E CORREU AO ESCRITÓRIO. LÁ ESTAVA O HOMEM COM QUEM DESEJAVA FALAR: RICARDO, O ENGENHEIRO.
ANDRÉ - Baby está na galeria M-13.
RICARDO - Sozinho?
ANDRÉ - Não. Com três dinamitadores. Ele deu ordem para dinamitar aquele trecho e aprofundar mais a galeria.
RICARDO - (empalideceu) Aquele trecho? Vá até lá e diga a Baby que ele não pode dinamitar aquela área. Por ali passa um rio subterrâneo e é perigoso. É preciso ter muito cuidado. Nós temos de abandonar aquela galeria. Vamos abrir outra, indo pelo lado contrário.
ANDRÉ - Por que não vai dizer isso a ele?
RICARDO - Porque estou inspecionando outro trabalho importante. Vá você até lá e repita a ele minhas palavras. Entendido?
ANDRÉ - Entendido, sim senhor.
CORTA PARA:
CENA 3 - MINAS - GALERIA M-3 - INTERIOR - DIA
ANDRÉ VIU BABY DANDO ORDENS AOS TRÊS ESPECIALISTAS EM DINAMITAÇÃO. NOTOU A EMBRIAGUEZ DO CHEFE.
ANDRÉ - Deve parar com isso, Seu Baby. Dr. Ricardo mandou lhe dizer que é perigoso. Por aqui passa o rio subterrâneo e vai inundar as galerias.
BABY - (irritou-se com a intromissão) Dr. Ricardo não sabe nada! Manda o Dr. Ricardo às favas! (virou-se para os homens, nus da cintura para cima) Continuem! Eu é que dou as ordens.
UM DOS HOMENS ERGUEU O CORPO E OS DEMAIS O IMITARAM. BABY FAREJOU QUALQUER COISA NO AR.
BABY - Por que pararam?
OS HOMENS DEPOSITAVAM INTEIRA CONFIANÇA NO ENGENHEIRO E TINHAM OUVIDO A ADVERTÊNCIA.
HOMEM 1 - Disculpe, patrão! (e falando para os outros) A gente num vai fazê burrada!
BABY PERDEU A COMPOSTURA E A DIGNIDADE DE EMPREGADOR. INVESTIU CONTRA OS OPERÁRIOS.
BABY - Seus idiotas! Ninguém vai dinamitar isto aqui em hora de trabalho! Vamos esperar terminar o expediente.
ANDRÉ - Desculpe, patrão. Eles tem razão. Sem ordem do engenheiro, acho loucura continuar!
BABY - Tá bem! Tá bem! Vão embora! Sumam daqui! Eu não preciso da ajuda de vocês! Sumam! Vamos!
OS DINAMITADORES LARGARAM OS CARTUCHOS E FERRAMENTAS NO CHÃO NEGRO DA GALERIA E AFASTARAM-SE PELO CORREDOR ESTREITO. ANDRÉ SEGUIU-OS, DEIXANDO BABY SOZINHO.
BABY - (olhou o relógio de pulso) Ainda há tempo... tenho duas horas... duas horas de sobra... duas horas de espera... de pensamento... de recordação... e de torturas. Quando todo mundo sair... quando não restar mais nenhum mineiro aqui dentro... eu acendo o estopim. Tudo estará terminado... para sempre! (enquanto pensava alto, trabalhava com rapidez – cortou os fios de ligação e instalou as bananas em diversos setores da galeria) Eu espero... esperei tanto tempo... duas horas passam depressa. Ouço daqui a sirene...os empregados vão embora... eles pensam que eu saí e eu finjo que saio com eles. Quando não tiver mais ninguém, eu volto... e acabo com tudo... e até com as recordações. Adeus, Baby Liberato, filhinho de papai rico. Adeus, desmiolado, inconsequente. Não... não sou tão inconsequente assim. Se fosse... não ia esperar a sirene tocar... para ficar sozinho... e me enterrar sozinho... aqui.
TINHA ACABADO DE INSTALAR O EXPLOSIVO E SENTARA-SE SOBRE O CARVÃO ENDURECIDO. TORNOU A OLHAR O RELÓGIO. PUXOU A GARRAFA DO BOLSO E ENTORNOU OUTRO GOLE DA BEBIDA. LIMPOU OS LÁBIOS COM O DORSO DE MÃO SUJA.
UMA HORA TINHA-SE PASSADO. BABY DORMIA ESCONDIDO ENTRE DUAS VIGAS DE AMPARO, ENCOLHIDO SOBRE O CHÃO ENEGRECIDO DE MINÉRIO. A GARRAFA CONTINUAVA PRESA À MÃO. ABRIU OS OLHOS E TORNOU A BEBER UM POUCO MAIS. QUASE VAZIA!
O RELÓGIO A CENTÍMETROS DOS OLHOS DAVA-LHE NOÇÃO DO TEMPO.
BABY - Ainda tenho uma hora. Uma hora...
CENA 4 - MINAS - GALERIA M-3 - INTERIOR - DIA
DE REPENTE O RAPAZ DESPERTOU COM O ZUMBIDO ESQUISITO. VIU, APAVORADO, O PASSEIO DO FOGO EM DIREÇÃO ÀS BANANAS DE DINAMITE. ALGO TINHA ACONTECIDO. BABY LEVANTOU-SE DE UM SALTO. O CHEIRO DE PÓLVORA ENCHIA TODA A GALERIA. TENTOU APAGAR O ESTOPIM COM O PÉ. SONOLENTO E MEIO BÊBADO, TINHA OS MOVIMENTOS LENTOS. O FOGO CONTINUAVA SEU TRAJETO NA DIREÇÃO DA MORTE. OLHOU O RELÓGIO.
BABY - Hora de expediente! Os trabalhadores! (correu a gritar pelas galerias) Cuidado! Vai explodir! Todos para fora! Vai explodir! (a voz ecoava por entre túneis e recantos) A câmara 20 vai explodir!
BABY ENTROU PELA GALERIA PRINCIPAL APINHADA DE OPERÁRIOS. OS MINEIROS IMOBILIZARAM-SE ANTE A ADVERTÊNCIA DO CHEFE.
DANIEL PERCEBEU O DESESPERO DO CUNHADO PUXOU-O PELO BRAÇO.
DANIEL - Se assusta assim, não. Só explode o trecho da câmara 20. A gente aqui não tem nada com isso!
BABY - (atônito) Não! O trecho está todo condenado! Podem explodir outras galerias! Tem gente na câmara 18! Na 19! Eles correm o maior perigo!
PEDRÃO - (berrou, alto e forte) Toca o alarme, gente!
DANIEL - Vamo avisá o pessoal das outras câmara! 18 e 19! Correm perigo!
MARTINS VIBROU O ALARME, ENSURDECENDO OS MAIS PRÓXIMOS. O TEMPO ESCOAVA. BABY CORRIA DE UM LADO PARA OUTRO.
PÉ-NA-COVA E DANIEL ALCANÇARAM A ENTRADA DAS GALERIAS CONDENADAS ONDE SEIS HOMENS TRABALHAVAM DESATENTOS AO SINAL.
PÉ-NA-COVA - Não tão ouvindo o alarme? Sai todo mundo!
OS MINEIROS ATIRARAM AS PÁS E PICARETAS NO CHÃO E SE PREPARARAM PARA SAIR. TUDO ACONTECEU COMO SE UM TERREMOTO ABALASSE O SOLO, REDUZINDO-O A FRANGALHOS.
TONELADAS DE CARVÃO DE PEDRA ROLARAM PELAS GALERIAS ENQUANTO A POEIRA ENEGRECEU O AMBIENTE, E UM BARULHO INFERNAL DAVA A IDEIA DE QUE O MUNDO TINHA VINDO ABAIXO.
BABY - (gritava, fora de si) Os homens! Os homens estão lá!
O PÂNICO GENERALIZARA-SE NO SUBSOLO.
PEDRÃO - (as costas lanhadas e negras de pó de carvão) Vamos pedir socorro!
COMO UM FORMIGUEIRO ENTUPIDO DE FUMAÇA, A BOCA DA MINA EXPELIA PÓ PRETO E DEZENAS DE HOMENS SAÍAM, EM DESESPERO, ATIRANDO-SE NA VEGETAÇÃO DA PRAÇA. ALGUNS CEGOS DE POEIRA, OUTROS SURDOS PELA REPETIÇÃO SONORA DA EXPLOSÃO. A MAIORIA COM ESCORIAÇÕES PELO CORPO, CAUSADA PELA QUEDA DE BLOCOS DE MINÉRIO E VIGAS DE SUSTENTAÇÃO. A MINA LEMBRAVA UM CAMPO DE LUTA.
CORTA PARA:
CENA 5 - ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS - ESCRITÓRIO - INTERIOR - DIA
OTTO - Um irresponsável! Um louco!
O COMENDADOR LIBERATO CHEGARA PRESSUROSO. FORA CHAMADO ÀS PRESSAS.
OTTO - O senhor é o responsável por isso! Não deu a ele a direção das minas? Está aí o resultado!
COMENDADOR - Creio que não é hora de apontar responsabilidades. É hora de agir, você não acha, Otto? Há vítimas?
OTTO - Claro que há! Talvez a esta hora estejam todos mortos! Ai... estou cansado!
LIBERATO DIRIGIU-SE A PASSOS APRESSADOS EM DIREÇÃO À ENTRADA DAS MINAS. RESPEITOSAMENTE, OS HOMENS AFASTAVAM-SE, DANDO PASSAGEM AO MILIONÁRIO.
CORTA PARA:
CENA 6 - MINAS - GALERIA M-3 - INTERIOR - DIA
NO FUNDO DA TERRA, BABY QUASE DESISTIRA. O SILENCIO ERA CONSTRANGEDOR. NINGUÉM RESPONDIA AOS CHAMADOS DOS MINEIROS.
CESÁRIO - Sabe por quê? Porque tão tudo morto!
BABY - (berrou, imundo, sujo de carvão da cabeça aos pés) Mentira!
CESÁRIO - Tão tudo morto, sim! E sabe quem matou? Um mocinho rico, metido a fazê graça! Desta vez quis fazê graça com a vida dos outro!
RICARDO - (ordenou, enérgico) Vamos, continuem o trabalho! Temos de tirar os homens daí!
CESÁRIO - Morto... de que vai adiantá?
OS MINEIROS CONTINUAVAM CAVANDO COM DESTREZA, AFASTANDO OS BLOCOS DE MINÉRIO E AS VIGAS RACHADAS QUE IMPEDIAM O ACESSO ÀS GALERIAS SINISTRADAS.