XLIII
Claude
teve que explicar várias vezes para Fernanda que era a Mamãe Natureza quem dava a palavra final nas
encomendas dos bebês. Que Papai do Céu anotava os pedidos e passava para ela e,
com o tempo, os bebês aconteciam.
Foram
perguntas e mais perguntas. Borboletinha quis saber como e onde havia sido encomendada. Claude descreveu a
cachoeira e a cabana em que
passou sua primeira noite com Rosa em Bonito.
Foi
tão breve e direto quanto possível em suas respostas, agradecendo intimamente
por ela não perguntar como nasciam os
bebês. Então, satisfeita, depois de fazer o pai prometer que a levaria para
conhecer essa tal de Mamãe Natureza, quando voltassem para casa, perdeu o
interesse pelo assunto e começou a brincar com Térese, não sem antes
convencê-lo a comer outra torrada.
Claude
aproveitou a deixa e foi atrás de Rosa.
-
Chérie... Rosa? – Chamou-a, enquanto caminhava.
-
Aqui no quarto, deitada. – Respondeu, escutando os passos dele se aproximarem.
Rosa
estava deitada de costas, as mãos sobre
o rosto, na altura dos olhos.
-
Como está se sentindo, hum? – Perguntou, segurando uma das mãos dela entre as
suas, enquanto a outra permanecia sobre seu rosto.
-
Horrivelmente zonza... –Eu não acredito que passamos um mês aqui e eu não me
adaptei ao fuso horário!
-
Non lhe ocorreu que pode ser outro o motivo dos seus enjoos, gatinha?
-
Que outros motivos, Claude? – Rosa falou, tirandoo braço do rosto e olhando
para ele - Eu só fiquei assim quando
estava... grávida?! – Olhou um tanto incrédula para ele.
-
Por que non? Non demos muito descanso à Mamãe Natureza nos últimos meses, demos?
– E apoiando a mão no colchão, inclinou-se, beijando-a levemente sobre os lábios.
Quis
aprofundar o beijo, mas Rosa o empurrou, reclamando:
-
Geleia de goiaba... Oh, não! Desculpa, amor! – E retorna ao banheiro, voltando
em seguida para o quarto - Céus, Claude, como vou entrar num avião desse jeito? – Pergunta,
pois aquele era o último dia em Paris.
Pegariam o último voo da noite de volta ao Brasil.
-
Podemos procurar um médico, hã? Enton, saberemos se está mesmo grávida. – Havia
um brilho de felicidade nos olhos dele.
-
Não, não acho que é pra tanto... Amanhã já estaremos no Brasil e – Rosa se
cala, percebendo uma leve decepção em Claude. - Olha, por que não tenta comprar
um remédio contra enjoos... e um teste de gravidez para mim numa farmácia?
Não
precisou pedir duas vezes. Claude se despediu dela e menos de uma hora depois,
estava de volta. Rosa já se sentia melhor e brincava com Fernanda. Não tinha
muito com o que se preocupar, pois as malas já estavam prontas.
-
Voilá! – Exclamou Claude, entrando - Eu sabia que ia ser difícil, mas non
tanto, aqui non se vende remédios sem receita médica, mas quando eu pedi o
teste de gravidez e disse que íamos pegar o avion para o Brasil, o farmacêutico
foi mais compreensivo.
-
Bem, vamos lá – Rosa disse, pegando o embrulho das mãos de Claude, ansiosa
também para saber o resultado.
Deixaram
Fernanda com Térese. Claude ficou aguardando no quarto que Rosa saísse do banheiro.
-
Agora é só esperar cinco minutos, diz aqui na bula – Fala, saindo do banheiro
com o frasco de teste nas mãos.
Colocou-o
sobre a mesinha que havia num canto do quarto e Claude a envolveu pela cintura.
Cinco... Sete... Dez minutos, esperando as linhas parecerem na fitinha branca.
Nada.
Nenhuma linha.
-
É, parece que a culpa é mesmo do fuso horário. – Fala Rosa, decepcionada.
-
Espera, chérie, pode ter acontecido alguma falha com o teste, hã? Eu vou
comprar outro.
-
Não... É melhor almoçar e nos despedirmos da mãe de Térese, acertando o que
combinamos. E depois, irmos para o aeroporto, pra não termos problemas com o
check-in.
Fala
rapidamente, soltando-se do abraço de Claude e sai do quarto, antes que ele visse
suas lágrimas. Claude ainda insistiu, para comprarem um outro tipo de teste,
mas Rosa estava irredutível. Não passaria por mais uma decepção.
O
avião aterrissou em Guarulhos com um pequeno atraso e seguiram de táxi para o
casarão. Seria uma surpresa e tanto para seus pais, que não estavam esperando
por eles.
Haviam
trazido apenas uma mala e despachado as outras direto para Campo Grande, onde
Janete iria retirar e enviar para Aquidauana onde moravam. Fernanda subiu a
escada toda faceira contando os degraus. Apesar de não frequentar ainda nenhuma
escola, Claude e Rosa estavam sempre lhe ensinando alguma coisa. Conhecia algumas
letras, principalmente as do seu nome, sabia contar, tendo uma ótima noção de
quantidade. Não tivera problemas na França, pois Claude a ensinara o francês
desde que começou a falar.
Rosa
abriu a porta e Borboletinha entrou correndo, gritando pelos avós:
-
Vovô! Vovó! Surpresinha!!!!! Cadê vocês?!?!? – E para, na entrada da copa,
recuando alguns passinhos.
-
Mãe? Pai? Viemos passar uns...
Assim
como Fernanda, Rosa para seus passos e a frase pela metade. Ali, sentado ao
lado dos pais, lanchando estava Júlio e ao seu lado Cleide, filha da vizinha.
-
Filha! – Falam Giovanni e Amália ao mesmo tempo.
-
Rosa! – Exclama Júlio, visivelmente perturbado.
-
Rosa... – Murmura Cleide, desgostosa, irritando-se ainda mais ao ver Júlio
levantar e abraçar Rosa.
-
Rosa! Há quanto tempo! – Exclama, enquanto a abraça, deixando-a constrangida –
Como você está? – E Rosa sai do abraço.
-
Minha mulher está muito bem, hã?
–Claude abraça Rosa, puxando-a para si e
sua voz soa carregada e fria. - Dona
Amália eu tive a liberdade de colocar a mala no antigo quarto de Rosa.
-
Claro! Claro! Mas que surpresa, meus filhos!
- Fala Amália, tentando suavizar o momento.
-
Chegaram numa boa hora, capice? Amália acabou de passar um cafezinho. Vem dotore, senta e diz, que
milagre é questo de aparecem aqui? Non estavam na Europa?
-
Rosa quis visitá-los antes de voltarmos à nossa rotina normal, S. Giovanni...
-
Filha, você lembra da Cleide, não é? – Diz Amália.
-
Claro, mamãe. Como vai Cleide?
-
Bem, Rosa.
-
E tuo avô no merece um abraço, bambina?
– Fala Giovanni, olhando para Fer.
Fernanda
abraça os avós e depois é acomodada numa
cadeira.
Amália
corta um pedaço de bolo e serve Borboletinha. Rosa serve Claude e depois tira
um pedaço para si.
-
Merci, gatinha. – Fala Claude provocantemente.
-
Então estavam pela Europa? – Pergunta Júlio, sem tirar os olhos de Rosa.
-
Sim, passamos um mês no Texas e outro na França. Claude não tinha férias há
mais de cinco anos...
-
Foi nossa segunda lua-de-mel, hã? – Diz Claude, pousando sua mão sobre a de
Rosa.
-
Vovó, tem Toddynho?! – Fala Fernanda, quebrando um pouco o clima.
-
Filha! Isso não se faz! – Diz Rosa para Fernanda.
-
Ma que isso, hã? Desde quando minha neta não pode pedir algo em minha casa, Rosa? – Se ofende Giovanni.
-
Mas papai... – Tenta argumentar Rosa. – Não foi assim que eu...
-
Chega de mais, filha! Amália você tem o
que nossa bambina pediu, não tem?
-
Ah! Eu sempre tenho! Nunca se sabe quando você vai aparecer, não é,
Borboletinha? Eu vou buscar pra você, querida! – Responde Amália.
-
Oba!
-
Eu te ajudo,mamãe! – Fala Rosa, seguindo dona Amália até a cozinha – Mamãe –
Fala baixinho - O que o Júlio faz aqui?
-
Ele veio trazer o convite de casamento, Rosa. Vai se casar com a Cleide.
-
Isso explica a cara que ela fez quando me viu... – Comenta Rosa.
-
Eu não o esperava... Mas também não esperava vocês, hum? Foi muita
coincidência! Melhor você voltar pra mesa, leve o Toddynho pra Fernanda... Eu
vou levar mais alguns petiscos...
Rosa
volta à mesa e o clima só não é pior porque Fernanda contava sob seu ponto de
vista como havia sido a viagem.
Em
sua pausa para tomar a bebida que pedira, Cleide aproveita para mencionar seu casamento e convidar Rosa. Mas
antes que ela ou Claude dê uma resposta, Amália entra:
-
Olha só, eu trouxe bolacha, torradinha e geléia de goiaba que eu sei que você
gosta, Serafina!
Rosa
olha para o pote de geléia e imediatamente fica pálida. Prende a respiração, tentando
controlar a ânsia inesperada. Mas sem sucesso. Levanta-se de um salto e sai
correndo para o banheiro.
-
Ma o que deu nela?
-
Ah, vovô... Meu papai disse que é culpa
da Mamãe Natureza que vai me dar um
irmãozinho!
-
Io vou ser avô de novo?! - Exclama Giovanni, rindo.
-
A Rosa vai ter outro filho? – Resmunga Júlio.
-
Júlio, é melhor irmos – Fala Cleide, fulminando-o com o olhar e levantando-se - Dona Amália vai cuidar da Rosa, obrigada pela atenção... Vamos,
Júlio!
-
Mas a Rosa pode precisar de ajuda!
-
Ela tem um marido, Júlio, não sei se você percebeu. – Diz Cleide, perdendo a
paciência - E você tem uma noiva, talvez não por muito tempo!
-
Cleide, não estamos em casa! – Júlio a repreende com o olhar.
-
Desculpe-me, dona Amália, seu Giovanni... Eu... Perdi a cabeça!
-
Como sempre, não é? Melhor nos retirarmos mesmo. Éhhhh. Dê os meus parabéns à Rosa, dona Amália... Até logo.
Amália
termina por acompanhá-los até a porta. Enquanto isso...
-
Papai, a mamãe tá chamando você! Ela não para de...“eca” – Diz Fernanda voltando do banheiro, onde tinha ido atrás da
mãe.
-
ASerafina tá mesmo grávida, dotore? – Pergunta Giovanni, seguindo atrás de
Claude.
-
Ela passou mal assim na França, seu Giovanni, principalmente depois que comeu
geleia de goiaba, hã? Pensávamos que era pela mudança de fuso horário, mas piorou
depois da geleia.
-
Io vou ser avô de novo! Dio mio! Serafina, que bela notícia, hã?
Rosa
já estava no quarto deitada.
-
Papai, o Claude está errado! Eu fiz um teste ontem, de farmácia e não teve
resultado algum!
-
Devíamos fazer outro, chérie. E ir ao
médico, d’accord?
-
Não, eu não estou de acordo! – Fala Rosa, irritada - Não vou passar mais uma
vez por isso! Quantas vezes eu fiz esses testes nos últimos anos? E sempre negativo!
-
A Mamãe Natureza não vai trazer o meu irmãozinho, mamãe? – Pergunta Fernanda,
triste.
Claude
olha para Rosa, como quem diz: Viu o que
você fez? Sente-se culpada pelo desencanto da filha.
-
Oh, meu docinho! – Diz abraçando-a -Ainda não foi desta vez, ok?
-
Rosa, por favor, vamos... – Começa Claude.
-
Ah, meu Deus, Claude! Eu já disse que não!
Fernanda
começa a chorar.
-
Bambina vem com o tuo avô. Io quero te mostrar o balanço que fiz pra você, vem,
filha.
Fernanda
sai do quarto com o avô, que sussurra baixinho pra o genro:
-
Boa sorte, filho!
Depois
que eles saem, um silêncio paira no ar. Rosa levanta o olhar e encontra o do
marido.
-
Viu o que você conseguiu com essa atitude? Magoou nossa filha e está me
magoando, Rosa. O que custa fazer outro teste ou procurar um médico pra
tirarmos a dúvida?
-
Você não entende...
-
Non. Eu non entendo sua teimosia. Estamos tentando ficar grávidos há um bom tempo. Agora temos uma forte suspeita e por que
um teste non deu em nada, você se recusa atentar novamente. Eu non entendo... E quando eu disse “nós”, estou incluindo nossa filha no
pacote, d’accord?
Amália
entra.
-
Filha... Você sempre foi corajosa, por que esse medo todo agora?
-
Ah, mamãe! Eu queria tanto estar grávida... – E deixa as lágrimas caírem finalmente.
Claude
a abraça e beija seu cabelo.
-
Se você não confia mais em testes de farmácia, por que não fazemos o teste
caseiro? – Amália fala, pacientemente.
-
Teste caseiro? - Diz limpando as
lágrimas com as costas da mão - Como assim?
-
Bem, não é nada científico, mas funcionou com você e com seus irmãos... Claro
que depois eu confirmei com um exame médico... – Faz uma pausa– É o teste do cloro. Colocamos a urina num
recipiente e adicionamos cloro, pode ser aquele produto de limpeza que todo
mundo tem, a Cândida. Se ela escurecer, sinal positivo e se não mudar de cor,
negativo. Não precisa nem tampar... Não quer tentar?
Rosa
olha para Claude, como se pedisse um palpite.
-
Essa decison é sua, chérie... Eu gostaria muito, mas vou respeitar sua escolha, oui?
-
Eu... Vamos fazer assim: se eu continuar com isso por mais alguns dias, eu faço qualquer exame... Vou
até em uma consulta médica, ok?
-
Está bem, Serafina! – Vamos lhe dar esse
tempo, não é, Claude?
-
D’accord, dona Amália...- Claude responde e depois acaricia o rosto de Rosa -
Você tem todo o tempo do mundo pra se decidir, gatinha!
Então,
Fernanda aparece, querendo que os pais vejam o balanço de cavalinho que o nono
fez pra ela.
-
...vamos, papai, vamos, mamãe! Eu já dei um nome pra ele, vai ser Chantalzinho,
d’accord?
Passaram
mais quinze dias em São Paulo. Rosa não teve mais enjoos, mesmo assim evitava a
geleia de goiaba e qualquer outra geleia. Porém, notava que seu humor se
alterava facilmente, estava com mais sono que o normal, mas atribuiu isso ao
cansaço da viagem.
Três
dias antes de partirem, reparou que sua menstruação estava atrasada. Mas sempre fora irregular... Mas aquela fome
absurda, que nada lhe saciava, não era normal! Seu olfato e seu paladar estavam
estranhos, seus seios estavam inchados e doloridos, sem contar a vontade de
fazer xixi toda hora.
Deitada
na cama, ao lado do marido, não conseguia dormir, remoendo esses sintomas
e dúvidas consigo mesma. Era a última
noite que passariam em São Paulo. Na manhã seguinte, estariam voltando pra
casa.
-
Deus, será que o Claudeestá certo e eu errada?
- Pensou alto.
-
Falou comigo, gatinha? – Disse Claude, já quase dormindo.
-
Não... Acho que cochilei e sonhei alto. –Explicou-se, tentando dormir. Mas,
depois de um bom tempo revirando-se de um lado a outro, tomou uma decisão.
De
tanto se virar, Claude já havia tirado o braço de sua cintura. Saiu da cama
cuidadosamente com uma ideia na cabeça... Não custava tentar o tal teste
caseiro.
Dirigiu-se
à lavanderia. Lá estava o produto à base de cloro, no mesmo lugar de sempre.
Pegou o frasco entre as mãos e mordeu o lábio. Um fiozinho de esperança no
coração. Não podia ser só psicológico como da outra vez... Não, não iria ser!
Procurou
um copo descartável e, voltando ao
quarto, enfiou-se no banheiro. Tentou não fazer muito barulho. Pediu com
todo o coração que desse positivo e
tremendo derramou um pouco do cloro...
Fechou
os olhos, rezando em silêncio, mais uma vez e foi abrindo aos poucos... Quanto tempo deveria esperar? Sua mãe não dissera... Droga!
“Calma, Rosa! Cinco minutos num teste
convencional... Vamos dar um voto de confiança nesse aqui!”
De
repente, um tom alaranjado tomou conta do liquido do copo...
-
Meu Deus! Claude! Acorda! Vem aqui, rápido!
-
Rosa? Que foi? Aqui onde, chérie? Cadê você? –Pergunta ele, sentando-se na
cama,desorientado ainda pelo sono.
-
Aqui no banheiro! Vem ver isso!
Continua...
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